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1 Movimentos do escrito: os dados que constituem o corpus de pesquisa

1.1 O trabalho com versões de textos

1.1.1 A organização do corpus de pesquisa

A organização dos dados foi realizada segundo as diretrizes de uma metodologia inspirada naquela adotada pela crítica genética. Nesta área, desde o início da década de setenta, vêm sendo realizados estudos com o intuito de apreender os procedimentos constitutivos da gênese de uma obra literária, levantando uma série de hipóteses sobre as operações escriturais, antecedentes à obra editada (GRÉSILLON, 1994; GRÉSILLON; WERNER, 1985; WILLEMART, 1993).

Os procedimentos realizados pelos pesquisadores que se dedicam a este campo de investigação a respeito da criação literária consistem em etapas determinadas e sequenciais. Em resumo, inicialmente, cabe ao pesquisador reunir os manuscritos da obra a ser estudada, verificando a sua autenticidade. Uma vez que esta é confirmada, dá- se início ao processo de leitura e identificação de informações contidas em rasuras, manchas ou em rabiscos no material coletado. Após tal levantamento, as versões são classificadas a fim de que se estabeleça a ordem provável da composição. Dada a organização do material, então, é possível examinar as modificações realizadas ao longo do conjunto de documentos de uma obra literária.

Com o trabalho feito com manuscritos, a crítica genética elevou os documentos genéticos ao estatuto de objeto científico, na medida em que os considera como uma importante fonte que pode ajudar a entender os processos enigmáticos de criação de uma obra. Nesse campo de investigação, dá-se privilégio ao estudo de cada manuscrito, uma vez que, conforme colocado por Grésillon (1994, p. 33), o manuscrito porta:

[...] os traços de um ato, uma enunciação em marcha, uma criação se fazendo, com seus avanços e seus bloqueios, seus acréscimos e seus riscos, suas pulsões desenfreadas e suas reparações, seus relances e suas hesitações, seus excessos e suas faltas, seus gastos e suas perdas.18

Partimos dessa ideia segundo a qual um manuscrito ou uma versão de texto, justamente por deixar marcas de sua enunciação, pode ajudar-nos a reconstruir um percurso de pesquisa e a entender as transformações pelas quais um pesquisador passa

18 A tradução é de Suelen Gregatti da Igreja. “celui qui porte les traces d’un acte, d’une énonciation en

marche, d’une création en train de se faire, avec ses avancées et ses blocages, ses ajouts et ses biffures, ses pulsions débridées et ses reprises, ses relances et ses hésitations, ses excès et ses manques, ses dépenses et ses pertes.”

ao longo de sua formação. Assim, iremos analisar as versões que compuseram as dissertações de mestrado escritas por quatro informantes que realizaram mestrado em educação em uma universidade pública paulista e tiveram a mesma orientadora, Jacqueline.

Além dos manuscritos que compuseram a dissertação, compõe o corpus de pesquisa todo material que nos foi entregue, produzido no período: resumos dos trabalhos apresentados em congressos, resenhas de textos, trabalhos para disciplinas, anotações manuscritas das informantes e anotações do orientador.

Para dar a ver como o corpus da pesquisa foi composto, elaboramos o Quadro 1. Informante Tipo de produção Período de realização

do mestrado manuscritos Nº de páginas Nº de

Bridget Jones Dissertação de Mestrado 2005 a 2007 463 4.177 Cândida Dissertação de Mestrado 2007 a 2010 118 1635 Louise Dissertação de Mestrado 2006 a 2008 355 6806 Pietra Dissertação de Mestrado 2005 a 2007 165 3.175 Total: 1101 15.793

Quadro 1 – Composição do corpus da pesquisa

Importante destacar que os dados das informantes Bridget Jones e Pietra foram os primeiros a serem doados para o banco de dados do projeto Movimentos do Escrito. Eles nos foram entregues pelas informantes à medida que elas escreviam seus textos. No caso da informante Louise, ela também preservou, principalmente em seu e-mail, as versões de seus textos à medida que foi escrevendo a dissertação de mestrado. Com relação às versões escritas pela informante Cândida, só tivemos acesso ao material produzido após seu exame de qualificação de mestrado, coincidente com a época em que o projeto coletivo Movimentos do Escrito se iniciou.

Com relação aos procedimentos de classificação do corpus, tomamos por base a hipótese segundo a qual, por meio de pequenos indícios no texto, é possível traçar um percurso de análise. Essa hipótese baseia-se na proposta do historiador italiano Carlo Ginzburg (1989), a qual ficou conhecida como paradigma indiciário, nome utilizado para referir-se a uma tradição de pesquisa ainda não sistematizada, que, por meio de pequenos indícios, consegue reconstruir o aspecto de algo que nunca se viu. Nas palavras de Ginzburg (1989, p. 152): “O que caracteriza esse saber é a capacidade de, a

partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável diretamente.”

Entendemos que, independente do período de coleta dos dados, sabemos que não teremos a totalidade exata das versões que antecederam a dissertação de cada uma das pesquisadoras. Lembremos que até os textos chegarem a nós, também foram alvo de alguma seleção por parte de nossas informantes. De todo modo, o material coletado permite-nos reconstruir o percurso de pesquisa de cada uma das pesquisadoras em formação e os efeitos das intervenções da orientadora nos textos.

Feitas essas ressalvas, importante apontar que o trabalho de organização desse corpus foi uma etapa demorada do percurso de pesquisa, mas, ao mesmo tempo, bastante produtiva para que pudéssemos apreender os modos por meios dos quais cada pesquisadora se relacionava com o ato de escrever e como a orientadora intervinha no processo de produção das dissertações de mestrado.

Os manuscritos de cada informante, inicialmente, foram separados do seguinte modo: 1) versões manuscritas – aquelas escritas à mão; 2) versões em arquivo eletrônico de cada uma das partes que compunha o trabalho; 3) versões com intervenções do orientador; e 4) versões reescritas depois de lidas pelo orientador.

Na sequência, nosso trabalho foi o de organizar os manuscritos segundo as datas de sua produção, dispondo-os em ordem crescente, da versão mais antiga até a versão que foi entregue para leitura da banca da dissertação. Depois, digitalizamos todo o material que nos foi entregue em papel e em formato doc, transformando-os em arquivo do tipo PDF.

Feito isso, organizamos uma tabela-padrão a todos os dados do projeto coletivo. Cada tabela traz a descrição do corpus, o perfil do informante, o tipo de produção escrita, o número total de páginas e o ano de cada produção. Posteriormente, os arquivos foram transformados em extensão html, para que a publicação no site do grupo de pesquisa fosse possível.

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