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1. PREMISSAS DO SISTEMA ELEITORAL E DOS PARTIDOS

3.4. O Supremo Tribunal Federal e a Ação Direta de

3.4.1. A garantia constitucional de acesso a recursos

A Constituição Federal garante às pessoas jurídicas de direito privado, doar recursos eleitorais, a Partidos Políticos e/ou a candidatos a cargos eletivos e ao Fundo Partidário, na forma da lei e dos regulamentos existentes76, no caso, Instruções e Regulamentos do TSE77, usualmente editados para o processo eleitoral seguinte.78 A própria Constituição concebe que as pessoas jurídicas de direito privado participem do processo eleitoral e consequentemente nele influenciem.

Destaca-se, contudo, que não são partícipes do processo, cujo acesso é restrito aos Partidos Políticos, suas coligações, e candidatos. Todavia, detém a legitimidade de aportar e apostar recursos naqueles partidos cujas ideias e crenças lhes são compatíveis, que expressem determinado ideário e/ou assumam compromissos para a configuração de políticas públicas determinadas.

As pessoas jurídicas pertencem aos inúmeros setores da economia nacional, insertos na ordem constitucional econômica e financeira (art. 170, CF), cuja tarefa fundamental é de “assegurar a todos existência digna, conforme os

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Art. 23 da Lei n. 9.504/1997 e Art. 38, inciso III da Lei n. 9.096/1995 77

Nas competências do Tribunal Superior Eleitoral está a expedição de Instruções para a execução do Código Eleitoral (Lei n. 4.737/65), ditadas na forma de Resoluções do TSE: Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior, […]; IX - expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código;

Disponível em (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737.htm); Acesso em: 18.01.2015.

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Para as eleições gerais de 2014 foi publicada a Resolução n. 23.406 (INSTRUÇÃO Nº 957-41.2013.6.00.0000 – CLASSE 19 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL), de Relatoria do Min. Dias Toffoli, que dispõe, em seu art. 19, que: Art. 19. Os recursos destinados às campanhas eleitorais, respeitados os limites previstos nesta Resolução, somente serão admitidos quando provenientes de: I - recursos próprios dos candidatos; II - doações financeiras ou estimáveis em dinheiro, de

pessoas físicas ou de pessoas jurídicas; […]. (Grifo nosso)

Disponível em: (http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2014/normas-

ditames da justiça social”. De sorte que cogitar de forma diversa, seria pressupor configuração do Estado Democrático de Direito diversamente do que o constituinte o delineou.

Não à toa e em razão de direitos fundamentais em jogo, que o e. Relator da ADI n. 4650/DF reconheceu em decisão inaugural acima colacionada que:

a temática versada nesta ação reclama análise que ultrapassa os limites do estritamente jurídico, vez que demanda para o seu deslinde abordagem interdisciplinar da matéria, atenta às nuances dos fatores econômicos na dinâmica do processo eleitoral e às repercussões práticas deste modelo normativo de financiamento das campanhas em vigor para o adequado funcionamento das instituições democráticas.”79

A discussão situa-se no âmbito de abrangência dos subsistemas econômico e político. A própria Constituição confere, em última análise, o direito fundamental de influir no processo eleitoral (a partir da leitura do Título que o art. 170, da CF, inaugura), às pessoas jurídicas de direito privado.

Um marco jurídico eficaz é inevitável e necessário, justamente para que seja garantido o equilíbrio partidário e seu fortalecimento, de forma a se evitar as influências abusivas do poder econômico nas eleições e nos eleitos, dando maior poder aos eleitores com informações claras e transparentes. De forma que não se nega aqui, a necessidade de revisão dos parâmetros utilizados nos financiamentos de campanha seja por pessoa física ou jurídica. Entretanto, proibir a doação, já ultrapassa o limite de atuação do poder judiciário e fere a garantia constitucional de autonomia e liberdade partidária.

A garantia constitucional de doações por pessoas jurídicas a Partidos Políticos e/ou a candidatos a cargos eletivos é conferida pelo art. 14 c/c 17 e §10, da Constituição

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Disponível em:

(http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1= %28ADI%24%2ESCLA%2E+E+4650%2ENUME%2E%29&base=base Presidencia&url=http://tinyurl.com/csftfk4). Acesso em: 18.01.2015.

Federal, que se transforma em direito fundamental subjetivo dos candidatos a cargos eletivos e Partidos Políticos deterem acesso a recursos privados para atingirem os seus objetivos:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: [..]

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: [...]

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.[...]

Denota-se que o bem maior de proteção constitucional a ser garantido é a normalidade e legitimidade das eleições, contra o abuso do poder econômico, de forma que se busca o uso do poder econômico de forma legítima, e a liberdade e autonomia para angariar recursos em prol do acesso ao sufrágio passivo. O que é vedado é o abuso do poder econômico, os quais, esses sim, devem ser analisados a cada caso concreto pelo Poder Judiciário.

A constituição delega à Lei Complementar n. 64/1990 o regulamento das condições em que o processo eleitoral deva se dar livre da influência indevida do abuso do poder econômico, mas em momento algum, preceitua que o pleito deva dar-se livre do uso do poder econômico. A própria Lei das Inelegibilidades, em caráter complementar à Constituição, contempla o pressuposto uso do poder econômico, ao passo que institui instrumento tendente a garantir a persecução de penalidade para o abuso do mesmo:

Art. 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais.

Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Os Partidos Políticos detém a liberdade e autonomia garantidas constitucionalmente, e o direito subjetivo de acesso ao financiamento privado de recursos, seja através de sociedades empresárias ou não, para atingirem o seu fim. Fato é que “o partido nasce e se mantém na esfera do poder político” (RIBEIRO, 1988, p. 299), e somente com dinheiro público, não teria condições de manter-se, na sua estrutura e nas campanhas eleitorais.

O objetivo permanente da conquista e exercício do poder político80 confere às organizações políticas a função fundamental no combate político (DUVERGER, 1980, p. 355). O Partido Político faz parte da vida da sociedade e é fundamental para a construção democrática. Veja-se que

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Denota-se a existência dos denominados grupos de pressão (jornais, emissoras de rádio e televisão, etc.) que, ao lado dos partidos políticos, constituem-se das principais organizações destinadas aos combates políticos. As diferenças entre ambas consistem, brevemente, no fato de, ao passo de que os Partidos Políticos têm por objeto direto conquistar o poder e participar de seu exercício, os grupos de pressão não o pretendem diretamente, mas sim obter influência sobre aqueles que detém o poder; a segundo, enquanto os primeiros se fundam em uma solidariedade geral, os segundos em solidariedades particulares; a terceiro, que o conceito do primeiro seria relativamente preciso, enquanto dos segundos não (DUVERGER, 1968 p. 356).

mesmo as antigas facções, os clãs, os comitês que preparavam as eleições censitárias das mesmas assembleias, ou mesmo as organizações populares que enquadram a opinião pública nas democracias modernas, desempenham e desempenharam o papel “de conquistar o poder político e exercê-lo”!. (DUVERGER, 1980, p. 19)

Canotilho (2008, p. 314) defende que os Partidos Políticos funcionam com inegável influência na mobilização de cidadãos, na organização de diversidades ideológicas, na aglutinação de interesses de grupos e classes sociais. Nesse sentido, pode-se afirmar que funcionam como “canais de expressão”, pois servem como “instrumentos de representação dos cidadãos”, organizadores das vontades individuais (MEZZAROBA, 2004, p. 104-105).

Por tais razões constituem corpos intermediários entre o povo e o Estado, vez que “responsáveis pela canalização da vontade do primeiro para o segundo, caracterizado como centro das decisões políticas” (MEZZAROBA, 2004, p. 86).

Eis a sua dimensão política. Na definição de Ribeiro (1988, p. 222-223) o partido revela-se como “força coletiva de ativação do processo político”, e como “elemento necessário à luta em termos políticos pela conquista ou manutenção do poder”. Não compõem o aparelho estatal, mas participam do quadro institucional do Estado moderno, por serem indispensáveis ao funcionamento do poder de sufrágio e, ainda, em razão de seu relacionamento com as instituições políticas (RIBEIRO, 1988, p. 223).

Os Partidos Políticos possuem a função precípua de possibilitar a veiculação da democracia representativa, tal função foi juridicamente admitida desde a Constituição de 1946 até a Constituição atual. Nesse ínterim, partindo-se das garantias fundamentais conferidas aos Partidos Políticos, sejam da liberdade e da autonomia, a Constituição veda a interferência estatal no sentido de limitar a sua opção de escolha pela captação de recursos privados, mormente de empresas mercantis, até porque as limitações aos Partidos Políticos já foram constitucionalmente positivadas (art.17, CF). Cunha (1996, p. 146) bem define que as exceções à liberdade partidária, que aqui significa autonomia, são apenas as indicadas na própria Constituição, umas concebidas em

termos abertos, outras em obrigações concretas de fazer ou não fazer. Para o autor, os limites à interferência estatal estão estabelecidos na própria Constituição81, seja no que diz respeito à liberdade de opção, seja quanto à autonomia assegurada aos partidos políticos para definir as fontes de seu sustento.

Os limites para a interferência Legislativa, Executiva ou Judicial na autonomia conferida aos Partidos Políticos pela Constituição estão postos no próprio texto constitucional. Nesse sentido, Silva (2009, p.406) destaca que a “lei tem muito pouco a fazer em matéria de estrutura interna, organização e funcionamento dos partidos”.

Não cabe ao Estado qualquer ingerência ou mesmo dispor sobre a organização ou mesmo financiamento dos Partidos Políticos (CUNHA 1996, p. 155; BASTOS, 1989, p. 612). O que não veda, contudo, a regulamentação da forma e dos limites do financiamento, desde que não retire do partido a autonomia e liberdade na busca dos recursos. Tanto que a Lei n.9.504/1997 estipula limites quantitativos no financiamento (art. 17-A, art. 23 e ss); limites formais e temporais que obrigam a criação de comitês financeiros (art. 19), a necessidade de abertura de conta bancária específica para registro financeiro da campanha (art. 22), dente outras formas já comentadas.

O princípio da autonomia partidária no texto constitucional causou uma “redefinição da relação jurídico/política entre partidos e a Justiça Eleitoral” (MEZZAROBA, 2008, p. 47). A propósito, o próprio STF trata da matéria em diversos leading cases. Ainda em 1994, ao dispor sobre o tema das candidaturas natas, o Supremo fixou por meio do Acórdão prolatado na ADIN n. 1.063-8 o entendimento acerca da impossibilidade de agir como legislador positivo, diante, inclusive da ingerência indevida na autonomia partidária, in verbis:

[...] IMPOSSIBILIDADE DE O SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL AGIR COMO

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Dessa forma estão postos os limites materiais de reforma constitucional. Vide voto divergente, Min. Marcelo Ribeiro na Resolução 22.526/2007 – TSE.

LEGISLADOR POSITIVO – DEFINIÇÃO

LEGAL DO ÓRGÃO PARTIDÁRIO COMPETENTE PARA EFEITO DE RECUSA DA CANDIDATURA NATA (ART. 8º, §1º) – INGERÊNCIA INDEVIDA NA

ESFERA DE AUTONOMIA PARTIDÁRIA – A DISCIPLINA CONSITUCIONAL DOS PARTIDOS POLÍTICOS [...].

AUTONOMIA PARTIDÁRIA: A Constituição

Federal, ao proclamar os postulados básicos que informam o regime democrático, consagrou, em seu texto, o estatuto jurídico dos partidos políticos.

O princípio constitucional da autonomia partidária – além de repelir qualquer possibilidade de controle ideológico do Estado sobre os partidos políticos – cria, em favor desses corpos intermediários, sempre que se tratar da definição de sua estrutura, de sua organização, ou de seu interno funcionamento, uma área de reserva estatutária indevassável pela ação normativa do Poder Público,

vedando, nesse domínio jurídico,

qualquer ensaio de ingerência legislativa do aparelho estatal. [...]82 (Grifo nosso). No voto, o Min. Relator Celso de Mello reafirmou a essencialidade dos Partidos Políticos no Estado Democrático de Direito, que exercem a função de expressão dos anseios políticos e sociais nas diversas esferas da comunhão estatal, pois constituem verdadeiros canais institucionalizados, “corpos intermediários” entre a sociedade civil e a sociedade política83. Para o relator, os partidos são instrumentos decisivos na efetivação do princípio democrático, no âmbito do processo de representação, do que decorre a dinâmica do processo governamental.

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Decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.063-8, datada de 18/05/1994, publicada DOU – DJ em 27/04/2001 – Rel. Min. Celso de Mello, Requerente Partido Social Cristão, Requeridos Presidente da República e o Congresso Nacional.

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Razões essas levaram o Ministro a registrar que “o legislador constituinte brasileiro”, a fim assegurar a participação efetiva dos Partidos Políticos no processo de poder e no processo político, conferiu-lhes a autonomia capaz de lhes propiciar especial prerrogativa jurídica84.

Em outro julgado – ADI n. 1.407-285, o Supremo deixa claro que o legislador constitucional conferiu aos Partidos Políticos grau de autonomia com o propósito claro de lhes garantir a prerrogativa de fazer prevalecer a sua própria vontade, quanto a sua estrutura interna e funcionamento. Entendendo que a autonomia partidária inibiria o legislador comum a prescrever normas que impliquem na transgressão, pelo Estado, a essa área inserta na denominada reserva estatutária. Portanto, seria a reserva estatutária domínio constitucionalmente delimitado, que exclui, por expressa determinação constitucional (art. 17, §1º, CF), qualquer ação do Poder Público que impliquem em indevida intervenção86.

No mesmo sentido do voto condutor da ADI n. 1.096- 487, no qual mais uma vez ficou registrada a prevalência das normas estatutárias sobre as normas de Direito Público88- o princípio da autonomia partidária. De tal sorte que, no âmbito da fiscalização abstrata da constitucionalidade de normas, seria ilegítimo à determinada agremiação partidária omitir-se nos objetivos institucionais a disciplinar os temas atinentes à sua vida institucional. Houve, portanto, o reconhecimento de que aos Partidos Políticos estão amparados pelo primado da

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Vide p. 94, do voto. 85

Decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1. 407-2, datada de 07/03/1996, publicada DOU – DJ em 24/11/2000 –Rel. Min. Celso de Mello, Requerente: Partido Comunista do Brasil, Requerido: Congresso Nacional

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Vide p. 1.988, do voto. 87

Decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1. 096-4, datada de 16/03/1995, publicada DOU – DJ em 22/09/1995 – Ementário nº 1.801-01, de Rel. Min. Celso de Mello, Requerente Partido Socialista Brasileiro – PSB, Requeridos: Governador do Estado do Rio Grande do Sul e a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. 88

Do que, mesmo a omissão não permitiria a razoável decisão pela submissão do ajuizamento da ADIN à prévia deliberação das instâncias partidárias superiores. Vide voto citado, p. 104 e 105.

autonomia, posto pela Constituição, em face, inclusive, de sua função democrática89.

A partir da autorização conferida pelos art. 14 e 17, da Constituição Federal, cabe evidenciar que constitui direito fundamental subjetivo dos candidatos a cargos eletivos a garantia e acesso a recursos privados para atingirem os seus objetivos eleitorais. Ora, com base nos preceitos que garantem aos cidadãos elegíveis, nos termos da Constituição e da regulamentação infraconstitucional, o direito subjetivo de acesso ao sufrágio passivo, a garantia de captação por candidatos a cargos eletivos, de recursos privados advindos de sociedades empresárias, resta conforme a Constituição, com base na interpretação sistêmica que contempla a ordem econômica como subsistema inserto na ordem constitucional. Não lhes podendo ser vedada a busca por esse tipo de financiamento.

Eis porque, adiante, se elencam os problemas causados pelo ativismo judicial e os limites materiais de reforma constitucional tendente a obstar o exercício de tais direitos.

3.4.2. O ativismo judicial e os limites materiais de atuação.