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1. PREMISSAS DO SISTEMA ELEITORAL E DOS PARTIDOS

3.3. Financiamento Misto

O financiamento misto apresenta a junção de características do financiamento privado e público, já comentados nos itens anteriores e predomina em grande parte dos países da América Latina e da Europa, inclusive no Brasil. O que o diferencia em grande parte é o tratamento que é dado a cada parcela do financiamento.

No Brasil, por exemplo, a Lei as Eleições n. 9.504/1997 prevê no art. 23 o tratamento de financiamento privado, com o direito garantido ao Fundo Partidário e acesso gratuito a radio e televisão66 - financiamento público, previsto na Lei dos Partidos Políticos n.9.096/1995, art. 38 a 49.

Com o financiamento misto busca-se dividir as fontes de recursos, para que não recaída unicamente no Estado ou na iniciativa privada. O aperfeiçoamento da forma como o financiamento é efetivado nos regimes democráticos, vem sendo objeto de estudo e tratativas em diversos países, em busca de um sistema mais equilibrado e que garanta um maior controle e rigidez na arrecadação e gastos sem que isso deturpe a autonomia e liberdade partidárias.

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A disponibilidade gratuita de rádio e televisão garante às transmissoras benefícios fiscais – parágrafo único do art. 52 da Lei n.9.096/1995.

Zovatto (2005, p. 301-302) relata que na América Latina o tipo de financiamento predominante é o misto, sendo em alguns casos prevalente os fundos públicos sobre os privados e em outros o oposto, e varia a forma do financiamento público, com exceção da Venezuela que em 1999 proibiu o financiamento público. No Equador, por exemplo, o acesso gratuito aos meios de comunicação não são permitidos, mas há a isenção de impostos; na Argentina é garantido o acesso aos meios de comunicação, à isenção de impostos, porém não é permitido o uso de edifícios ou prédios públicos; na Colômbia é permitida a utilização dos meios de comunicação e é fornecido um incentivo para divulgação e distribuição de publicações assim como a utilização de transporte.

Na Alemanha, o Tribunal Constitucional, em 9 de abril de 1992, declarou inconstitucional o sistema que era por eles adotado de compensação de oportunidades e financiamento básico. Entendeu o referido Tribunal que o financiamento não poderia ser exclusivamente estatal, por afrontar a liberdade dos partidos políticos frente ao Estado. Ibañez (1995, p. 149- 150) relata que em 1994, com a Lei de 28 de janeiro, nova reforma eleitoral na Alemanha, alterou novamente os padrões de financiamento no qual o publico não poderia ser superior ao privado, e estabeleceu ainda um teto máximo para financiamentos. O fundamento para tal determinação continuou sendo a liberdade dos partidos ante o Estado, pois “se a necessidade econômico-estrutural que tem os partidos políticos for ressarcida predominantemente mediante recursos públicos, os partidos deixariam de ser independentes” (IBANEZ, 1995, p. 30).

O modelo de financiamento utilizado na Alemanha, para as doações privadas, preveem um incentivo fiscal decrescente, em razão do valor da doação, pelo Estado, desestimulando grandes aportes e reduzindo a influência econômica. Esse modelo de incentivos aliados ao fato de o repasse público não poder ser superior ao privado, incentiva os partidos a buscarem na sociedade os aportes e fazem com que o financiamento público seja equitativo ao social (KANAAN, 2012, p. 303, RUBIO, 2005, p. 4).

Para Speck (2010, p. 9-10) o sistema misto não é o mais aconselhável, o autor trabalha na vertente da utilização

do sistema norte americano – sistema híbrido, no qual o candidato deve escolher entre o financiamento público ou privado, ao escolher um abre mão da utilização do outro. Caso opte pelo privado deverá obedecer todos os tetos legais.

Na América Latina hoje, segundo Zovatto (2005, p. 294 - 297), os sistemas de financiamento de campanha, privilegia uma regulamentação prolixa, com níveis muito baixos de transparência e controle, e um sistema sancionatório ineficaz. A cultura política, segundo autor, aliado a um sistema de partidos falho, pesam muito nas características e no funcionamento do financiamento defasado. Da mesma forma o peso que se dá nas campanhas ao personalismo do candidato – o que o autor chama de política “candidatocêntrica”, que em grande parte dos países latinos, “dificulta o desenvolvimento de partidos organizativa, estrutural e democraticamente estáveis”.

Hodiernamente no Brasil as doações privadas para partidos políticos não possuem uma limitação muito efetiva, pois se baseiam em um percentual de rendimentos brutos, assim, nos termos da Lei n.9.504/1997, no caso de pessoa física o teto será de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição (art. 23, §1º, inciso I), e no caso de pessoa jurídica, será de 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição (art. 81, §1º). Cumpre salientar que as doações feitas em desrespeito aos parâmetros citados, implica em multa, apenas para o infrator doador, de cinco a dez vezes o valor do excesso (§3º, art. 23 c/c art. 81, §2º), e ficam sujeitas à proibição de participar de licitações públicas e celebrar contratos com o Poder Público pelo prazo de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral (§3º, art. 81)67.

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Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações. § 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição. § 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso. § 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da

Sendo que, nos termos do §4º do art. 81 da lei n. 9.504/1997, para aplicação das sanções dos §§ 2º e 3º referenciados, deverá de interposta representação – Investigação Judicial Eleitoral, pelo rito ao art. 2268 da Lei Complementar n. 64/1990 (Lei das Inelegibilidades).

De mais a mais, as informações acerca das doações somente são repassadas à Receita Federal no ano seguinte às eleições, isso porque a prestação de contas à Justiça Eleitoral ocorre em 30 (trinta) dias após as eleições69, e somente após isso a Justiça Eleitoral remete os dados à Receita Federal.

A Lei das Eleições - Lei n. 9.504/1997 prevê limites quantitativos no financiamento, quando dispõe que caberá a lei eleitoral fixar os limites e em não sendo feito, a cada partido (art. 17-A)70; limites formais e temporais que obrigam a criação de comitês financeiros (art. 19), a necessidade de abertura de conta bancária específica para registro financeiro

Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa. § 4o As representações propostas objetivando a aplicação das sanções previstas nos §§ 2o e 3o observarão o rito previsto no art.

22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, e o prazo de

recurso contra as decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial (BRASIL, 1997).

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Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito [...] (BRASIL, 1990). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp64.htm#art22 - Acesso em 25.01.1025

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Art. 29, incisos III e IV da Lei n. 9504/1997 70

Art. 17-A. A cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10 de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade. (Redação dada pela Lei

da campanha (art. 22). Regula ainda a forma como as doações devem ser feitas (art. 23): I – cheques cruzados, nominais ou transferências eletrônicas; II – depósitos identificados dentro do limite legal; III- mecanismo em sítio do candidato, partido ou coligação na internet, permitindo inclusive o uso de cartão de crédito, que conste com a identificação do doador, emissão obrigatória de recibo eleitoral para cada doação realizada. Para o candidato a lei veda a doação entre o registro e a eleição seja em dinheiro, troféus, ajudas feitas por candidatos a pessoas físicas ou jurídicas (§5º, art. 23).

Importante lembrar que o Tribunal Superior Eleitoral, regulamentando as eleições de 1978, momento em que as eleições eram reguladas ano a ano, editou a Resolução TSE 10.050, de 19.07.197671, na qual determinada que cada partido, antes de iniciado o pleito, comunicasse ao juiz eleitoral a importância máxima para o pleito e o teto para contribuições e donativos. Na sistemática dessa resolução, o valor máximo era estabelecido pelo partido e, ao menos do ponto de vista legal, somente os partidos poderiam gastar os recursos nas campanhas, garantindo uma igualdade formal entre os candidatos da organização partidária.

A penalidade aplicada no caso de não encaminhamento da prestação de contas na vigência da Resolução acima citada era mais rigorosa do que a observada na Lei n. 9.504/1997, que hoje regulamenta as eleições. Lima (2009, p. 94) registra que os partidos que não enviassem no prazo de trinta dias, “os candidatos ficariam passiveis de cassação de registros e perda do diploma, se já expedido”.

Os males decorrentes da falta de controle ou do financiamento não regulado não são exclusivos no Brasil, a

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Art. 4º. § 1º. Antes de iniciar a campanha partidária, o Partido deverá comunicar ao Juiz Eleitoral qual a importância máxima que despenderá em cada pleito e qual o limite máximo para contribuições e donativos (Lei nº 5.682, art. 93, X). § 2º. Para cada pleito (Prefeito e Vereador) o Partido deverá indicar o limite máximo de despesas, as quais serão feitas em igualdade de condições para todos os candidatos que disputem cargos da mesma categoria pelo mesmo Partido (Resolução nº 7.886, art. 4º, § 2º). Disponível em:

corrupção política perpassa continentes e também não são exclusivos de países com financiamento privado ou público, casos como o do chanceler alemão Helmur Kohl e o remanejamento de fundos, ou dos processos que redundaram na operação Mãos Limpas na Itália são alguns exemplos disso (RUBIO, 2005, p. 4; ZOVATTO, 2005, p. 291).

Para Rubio (2005, p.7 - 13) os financiamentos exclusivos público ou privado não são medidas mais aconselháveis. Advoga a autora pelo sistema misto, que possibilite ambos os financiamentos, com critérios distributivos que possam combinar proporcionalmente a distribuição de recursos, e que seja regulado de forma a garantir a transparência sobre o montante, origem e destino dos recursos, com limitações que sejam compatíveis com cada país. Essas limitações de montantes objetivam a diminuição da influência de grandes doadores, de forma a possibilitar a multiplicação da participação de pequenos doadores, evitando ainda, possíveis conflitos de interesses entre doadores e candidatos.

Na mesma linha Samuels (2003, p. 367-388) sugere a limitação do quantitativo em cada doação de empresas ou pessoa física, na qual fosse determinada a quantia máxima por cada candidato.

Speck (2006, p.154) ressalva a necessidade de cautela diante do dinheiro sem controle, que pode deturpar os valores da Democracia, quando chega ao ponto de desigualar a disputa e a igualdade de votos e a própria ideia de representação. Para autor, grande parte desses problemas são decorrentes das distorções das próprias campanhas eleitorais, cada vez mais caras e manipuladas pela propaganda e comunicação.

As doações privadas questionadas na Adi n.4650/DF, de fato em nada asseguram a proporcionalidade e equidade entre os partidos na forma como são reguladas, devendo ser revistas para que haja, por exemplo, um teto fixo e não baseado em rendimentos ou faturamentos, ou mesmo uma revisão das sanções eleitorais aplicáveis. Essa inclusive é sugestão constante da doutrina especializada no assunto, o controle dos valores pela imposição de limitação do montante

a ser doado (SPECK, 2006; KANAAN, 2012; ZOVATTO, 2005).

Porém, proibir a doação, já ultrapassa o limite de atuação do Poder Judiciário e fere a garantia constitucional de autonomia e liberdade partidária e a liberdade da própria pessoa jurídica. Um marco jurídico eficaz é inevitável e necessário, justamente para que seja garantido o equilíbrio partidário e seu fortalecimento, de forma a se evitar as influências abusivas do poder econômico nas eleições e nos eleitos, dando maior poder aos eleitores com informações claras e transparentes. A regulação de condutas, sem infringir a liberdade e autonomia garantidas constitucionalmente, devem criar formas que incentivem a construção ideal entre a politica e o financiamento.

3.4. O Supremo Tribunal Federal e a Ação Direta de