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A GENEALOGIA FOUCAULTIANA: UMA TÁTICA DE CONSTRUÇÃO

4 ESTRATÉGIAS DE PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

4.1 A GENEALOGIA FOUCAULTIANA: UMA TÁTICA DE CONSTRUÇÃO

se buscar as descontinuidades, onde desenvolvimentos contínuos foram encontrados recorrências, levando em consideração as menores mudanças e seus contornos sutis, com suas relações de força funcionando em acontecimentos particulares e em movimentos históricos.

Segundo Silva (2001, p. 110), o projeto genealógico pretende “ativar os saberes locais, descontínuos, desqualificados, não-legitimados, contra um tipo de saber totalitário e hegemônico que busca organizá-los em nome de um conhecimento tido como ’verdadeiro’.”

Outro ponto importante é que na genealogia, segundo Dreyfus e Rabinow (1995, p. 22), “os sujeitos emergem num campo de batalha e é somente aí que desempenham seus papéis”. Os sujeitos não preexistem, estando o corpo diretamente mergulhado num campo político, tornando-se um componente essencial para a operação das relações de poder na sociedade moderna.

Dreyfus e Rabinow (1995, p. 126) apontam que para Foucault a potente “relação entre saber e poder, localizada no corpo, é na verdade um mecanismo geral de poder da maior importância para a sociedade ocidental”.

A genealogia seria, portanto, “um empreendimento para libertar da sujeição dos saberes históricos, isto é, torná-los capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico, unitário, formal e científico.” (FOUCAULT, 1979, p. 172).

Dessa forma, a função da genealogia é fender com os objetos tidos como naturais do conhecimento, mostrando como os mesmos são historicamente constituídos e passam a ganhar uma certa consistência e operacionalidade em contextos específicos, estudando as evidências e minúcias que jamais seriam questionadas por estarem naturalizadas, mostrando as contingências que

condicionam, delimitam e institucionalizam e existência de determinados saberes e práticas.

Silva (2001, p. 113) mostra que o primeiro movimento da genealogia é o de “desbloquear o tempo histórico para que, através de uma problematização daqueles aspectos tidos como evidentes e banais, se possa então ressignificar o presente”.

Sendo assim, neste estudo, após apresentar as inquietações da pesquisadora, problematizando questões referentes aos campos da saúde, da formação e do trabalho do enfermeiro, apreendeu-se o quanto a noção de cuidado se expressou como algo evidente e natural nas práticas de Enfermagem, estando ainda associado fortemente ao “fazer” (atividade manual), traduzindo uma oposição binária: cuidar versus gerenciar.

Assim, a partir da genealogia das práticas de cuidado, problematizou-se o cuidado, situando-o dentro de um determinado campo de saberes/poderes que engendrou arranjos sociais, políticos e econômicos, assinalados na segunda

configuração, podendo-se ver anunciar de forma transversalizada as dicotomias

entre cuidado e cura, bem como questões relativas à temática gênero, fortemente presentes na primeira configuração das práticas de cuidado, como também nas outras configurações.

Um outro fato marcante analisado é o quanto o cuidado, ligado ao “fazer”, não se mostrou explícito em passagens históricas, mesmo após a institucionalização da Enfermagem com sua divisão técnica e social do trabalho, ficando difícil visualizar, por exemplo, como as mulheres pertencentes à sociedade (classe diferenciada) e até mesmo as ladies nurses, cuidavam de fato dos necessitados e enfermos, não deixando claro o tipo de atividade desenvolvida com os mesmos.

específico da atuação do enfermeiro, como algo que garante a identidade da profissão, tendo preocupação com o sujeito e os princípios como saber ouvir, respeitar, etc., intenções essas que nem sempre são alcançadas na sua concretude, devido à própria forma de organização do processo de trabalho com seus saberes e poderes.

Parece claro, a partir da terceira configuração, que o cuidado envolve múltiplos sujeitos e que ele precisa ser compreendido a partir da incorporação de ferramentas de diferentes áreas do conhecimento, como espaço de “integração de saberes que considerem os diferentes fatores produtores do sofrimento que gerou a necessidade do cuidado, bem como as práticas colocadas para aliviar aquele sofrimento“ (HENRIQUES; ACIOLI, 2004, p. 297).

Viu-se que diversas teorizações reforçam, de certa forma, dicotomias entre o cuidar e o gerenciar, ao mesmo tempo em que as aproxima como se uma não pudesse ser explicada sem a outra, com vistas à complementaridade das referidas dimensões.

Portanto, discursos dominantes e naturalizados, versando sobre a polarização entre o cuidar e o gerenciar, aprisionam o que se poderia chamar uma

falsa problemática que encontra apoio no modo de subjetivação capitalístico, com

característica homogeneizante, influenciando os modos de pensar, sentir e agir. Fez-se necessário romper com as evidências do senso comum, analisando os atravessamentos compostos de forças em determinadas formações históricas, bem como o conjunto de práticas que fazia parte de um determinado engendramento do tecido social.

A genealogia das práticas de cuidado com suas cofigurações histórico- sociais, permitiu dialogar com muitos achados contidos no território das práticas,

propiciando refletir o trabalho do enfermeiro ante as cinco configurações elaboradas, rompendo com as formas de oposição molar que são tomadas como objetos naturais do conhecimento. Vale dizer que o molar refere-se aos territórios fixos, ou seja, sujeitos, objetos, representações, etc.

Nesse cenário, a genealogia realiza um trabalho “de contínua problematização das evidências que constituem o senso comum, procurando mostrar que cada período histórico é atravessado por uma configuração específica de saberes e de práticas que traduzem um determinado modo de subjetivação”. (SILVA, 2001, p. 112).

4.2 CARTOGRAFIA: A SINGULARIDADE DESSA VIAGEM E A BUSCA POR