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TECNOLOGIAS/FERRAMENTAS DO CUIDADO NO CONTEXTO HOSPITALAR: PROGRAMA OU ESTRATÉGIA?

3 EM BUSCA DE TÔNUS TEÓRICO ÀS INQUIETAÇÕES DA PESQUISADORA

3.3 O HOSPITAL E SUAS IMPLICAÇÕES COM O ESTUDO: REFLETINDO O PROGRAMA E A ESTRATÉGIA ANTE A TRAMA CONCEITUAL

3.3.1 TECNOLOGIAS/FERRAMENTAS DO CUIDADO NO CONTEXTO HOSPITALAR: PROGRAMA OU ESTRATÉGIA?

Diante das construções realizadas, sinaliza-se que o trabalho do enfermeiro reforça as lógicas do hospital (anteriormente trabalhadas) sendo, portanto, um ator que produz e reproduz o instituído. Além disso, reforça discursos hegemônicos, acentuando a dicotomia entre o cuidar e o curar, na tentativa se firmar como um

cuidador de fato, ancorado no paradigma funcionalista-sistêmico e no seu discurso

fundador, como categoria profissional de cuidadora.

Um fato que chama a atenção é a existência de uma terceira lógica de gestão do hospital, além das duas outras já trabalhadas, que corresponde à lógica do cuidado, essencial ao funcionamento do hospital, mas que, por outro lado, fica

desqualificada, uma vez que a mesma é feita, de fato, pela Enfermagem.

Essa desqualificação se dá em decorrência de sua inserção em um complexo território de poder do hospital que alimenta a relação de subalternidade em relação ao médico. (MERHY; CECÍLIO, s/d.).

Reconhece-se a presença de tensões em relação a essa questão; por outro lado, acredita-se que os enfermeiros não conseguem se perceber como articuladores em seus contextos e esfacelam-se diante do discurso do cuidado

gerenciar.

Em relação ao momento de contato direto com os pacientes, observa-se a ocorrência de um fazer que responde a uma gestualidade operacional, com um fim em si mesmo, desprovido de vínculo, podendo ser relacionado mais uma vez ao

programa.

É sabido o quanto é importante adquirir habilidade técnica, mas o que preocupa realmente é o aspecto mecanizado e rotineiro que permeia esse momento de contato tão íntimo com o paciente, que não permite captar outros movimentos circundantes em situações em que afeta e é afetado.

Acredita-se que o fazer técnico poderia funcionar como uma estratégia com vistas ao vínculo/acolhimento.

A preocupação em estar na cabeceira do paciente pode ser justificada, pois aí reside a maior visibilidade de atuação perante a equipe de saúde, que envolve um saber (arte e ciência), atribuindo, dessa forma, poder ao enfermeiro.

Propala-se a utilização de tecnologias para o cuidado, que ficam restritas a uma proposta individualizada de atendimento, que não encontra eco no dia-a-dia de trabalho, ficando, assim, presas ao aspecto duro, sendo cortadas por linhas de segmentaridade dura e também circular, linhas essas que se encontram de forma expressiva no ambiente hospitalar.

Lembra-se, ainda, que conceitos também se constituem em ferramentas de potência quando produzem sentidos em uma determinada realidade. Por isso há a necessidade de repensar o próprio conceito de cuidado e de integralidade do cuidado, em busca de outros sentidos para a produção de atos cuidadores.

Em relação à utilização de tecnologias do cuidado, destaca-se o PE, que se constitui em uma tecnologia leve-dura, além de se configurar como um meio para

garantir um corpo de conhecimentos que seja específico do enfermeiro e desenvolvido com cientificidade.

A aplicação do PE ainda se encontra em fase de consolidação no território das práticas, pois se defronta, o tempo todo, com uma lógica de produção de cuidados baseada em princípios cartesianos, toma a si a conotação de anti- produtiva no contexto da Enfermagem que produz, talvez, não-sentidos e não- significados aos atores/enfermeiros que protagonizam tal atendimento.

Acrescentam-se, também: as condições de trabalho pouco favorecem a sua operacionalização no cenário hospitalar, visto que pode ser citado, como exemplo, o número escasso de enfermeiros para um grande contingente de pacientes que estão sob seus cuidados; a influência da própria organização do trabalho, além da grande fragilidade referente à própria bagagem de conhecimentos do enfermeiro, no que concerne ao subsídio das teorias de Enfermagem, como uma condição fundamental para a viabilização da citada metodologia. Há que se somar ainda um certo grau de acomodação dos profissionais (enfermeiros) em seus microlocais de trabalho, onde permeia uma atuação reprodutora do que está instituído, como forma de cumprir um

programa, sendo que esse, em última análise, é tomado aqui na perspectiva de

Morin.

Outro ponto digno de nota é que o PE pode estar segmentarizado pela linha da segmentaridade circular, de uma forma menos flexível, visto que ressoa para um único centro - o trabalho médico - ou pode até mesmo ressoar centralmente para o trabalho da Enfermagem, não permitindo que o usuário seja o marcador do cuidado.

É imprescindível que o enfermeiro e os centros formadores reflitam sobre “como se está operacionalizando”, visto que essa tecnologia do cuidado pode se transformar em uma máquina de captura, desenvolvida com rigidez, mecanização,

não correspondendo a uma estratégia.

Pode-se ainda exemplificar tomando como referência a visita de Enfermagem e a própria realização do histórico de Enfermagem. Costumeiramente, manuais de atribuições apontam que o enfermeiro deve realizar visita de Enfermagem leito a leito. Pois bem, pensando nessa mesma visão do programa, essa visita pode ser realizada mecanicamente, de forma apenas a se cumprir um protocolo que, provavelmente, está esvaziado de cuidado, centrando-se apenas no fato de se apresentar ao paciente e questioná-lo sobre coisas já indagadas pelos técnicos em Enfermagem, como, por exemplo: “dormiu bem?”; “está comendo bem?”, sem um olhar aguçado às individualidades e aos problemas de saúde.

Na realização do histórico de Enfermagem, o cenário não se modifica, ou seja, o que poderia ser um potente instrumento para o planejamento dos cuidados, acaba transformando-se em um chek-list, que não produz acolhimento, porque é desprovido de estratégias de abordagens compreensivas, esvaziado também de uma teoria de Enfermagem que dê sustentabilidade operacional e científica.

Diante das questões aqui levantadas, o que queima e percorre os sentidos é a possibilidade de os enfermeros estarem produzindo (des)cuidados, cercados pela ausência de reflexões e apoiados em discursos dominantes, historicamente construídos, que denotam dominação e subordinação em relação ao saber médico que pouco responde às necessidades sociais e de saúde na contemporaneidade.

Diante do exposto até o momento, vizualiza-se a necessidade de se realizar uma desnaturalização das práticas de cuidado, buscando refletir a constituição do cuidado, o nascimento e as transformações do hospital e os diversos engendramentos sociais, políticos e econômicos.

3.4. A GENEALOGIA DAS PRÁTICAS DE CUIDADO E SUAS CONFIGURAÇÕES