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Na bagagem para a caminhada em terra firme: Diário de Bordo, caneta, vontade, sentidos.

Num primeiro momento, parecia um território aparentemente conhecido e que, inicialmente, haveria pouco a contar de si.

Observando-o e conhecendo-o gradativamente, foi possível caracterizá-lo como um terreno móvel de contornos variados, ora liso ora estriado e múltiplo em suas paisagens, cores e habitantes.

Após percorrer alguns de seus contornos, o território pareceu bem familiar e, foi assim, que iniciaram os registros, lembrando de experiências passadas aliadas às primeiras semelhanças e movimentos avistados. Não se pertencia ao território e, portanto, o medo, as desconfianças e os receios ficaram à flor da pele naquele momento.

No primeiro contato com seus habitantes, houve muitos desconfortos e incertezas; pode-se dizer que prontamente se afetou e foi afetado: sensações que percorreram o corpo e expressaram-se sobremaneira na forma de olhar e sentir. Explorar não era o único objetivo, uma vez que se desejáva também deixar um pouco de si. Para suportar o forte ritmo de trabalho, os habitantes-chamados de Técnicos de Enfermagem, vestiam-se de branco, sendo que dois deles, chamados de enfermeiros, portavam uma vestimenta azul sobre a branca, como forma de diferenciação. Os sapatos eram brancos, alguns já um pouco castigados pelo tempo, pelas andanças.

Havia predominância de mulheres, algumas de cabelos curtos e outras, com seus cabelos presos, quando compridos. Pareciam gostar de adornos, mas sem extravagâncias.

aos anseios da produção que se avizinhava. Faziam rodízios nos turnos de trabalho que eram de seis horas. Vocês podem estar se perguntando agora: mas que tipo de trabalho desenvolvem? Que características possui tal território?

Os habitantes que são conhecidos cuidam de outras pessoas, pessoas que adoeceram e necessitam de outros tantos corpos para serem cuidadas.

Nasceram impulsos para conhecer um pouco dessa realidade e perguntáva- se o tempo todo: o que ela traz de diferente?

É bem verdade que construções teóricas fizeram com que o desejo de conhecer trilhasse um determinado caminho dentro do território, centrando o olhar em algumas questões específicas: os atos cuidadores.

Após um contato mais íntimo com os enfermeiros do local, explanaram-se as intenções de pesquisa e também a pesquisadora se vestiu branco, no sentido de aumentar a sensação de pertença.

Os enfermeiros foram solícitos ao pedido, mesmo em face de tantos possíveis desconfortos. Dessa forma, iniciou-se a jornada e os escritos no Diário de Bordo.

Aos poucos, imersos em observações, escritos, livros e teses, conseguiu-se apreender um primeiro microterritório na incessante lida da produção.

5.1 MÁQUINA PARANÓIA: CAPTURAS E PRODUÇÃO DE SENTIDOS

Nesse território, foram encontrados modos instituídos, ou seja, capturados pelo tempo, pelas regras, rotinas, que bloqueiam o aparecimento do desejo ante a produção.

de estar na vitrina, de perseguição (temem a supervisão, o médico, a chefia), medo e desconfiança – estou sendo observado e controlado o tempo todo! O corpo é máquina reprimida que pode deixar revelar seus segredos cotidianos mais íntimos. O pensamento capturado não permite aflorar devires, desejos. Corpo e pensamentos aprisionados, estilhaçados, sem a possibilidade de inscrever linhas de fuga, estão à mercê da violência cognitiva da razão.

Existe um imenso labirinto com muitos espelhos, o que parece não ter saída, sendo o tempo todo monitorado, controlado.

Segundo Deleuze e Guattari (2000), o modo de funcionamento paranóico representa a hierarquização, a repetição, a sequência, pontos de antiprodução da vida... labirintos, espelhos.

Observa-se uma dinâmica intensa de trabalho que pode ser comparada a uma máquina de reprodução.

Na unidade de internação, a máquina paranóia mantém a impessoalidade, condições de trabalho inadequadas, silêncio, lei da rotina, lei do tempo – linhas de segmentaridade duras e circulares presentes - o programa em ação: reproduzir, silenciar. Mecânica corporal de obediência e submissão.

Sentia-se impotência no território, estranhas as pessoas (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem...). Foram feitas anotações no Diário de Bordo e pensou-se, o tempo todo, no papel de docente: “o que ensinamos?” Como estamos ensinando?” Angústia que transborda e inunda tudo. Ficar à deriva é o resultado de um processo, de um momento solitário e também coletivo.

Fez-se da escrita um modo de desabafo e, acima de tudo, uma forma de metamorfosear o pensamento.

pausa, de diálogo com um dos enfermeiros observados. Foram escutadas suas inseguranças, seus medos e suas aflições: “o que será feito das observações?” “Como o hospital verá isso?”

Houve acolhida, reflexão. Expuseram-se mais uma vez os propósitos da pesquisa, os desejos. Sentimentos e palavras de cooperação se fizeram presentes no discurso do enfermeiro, o que propiciou um momento de bem-estar ante o desafio: deixar que aparecessem as mazelas do cotidiano de trabalho; mostrar-se por inteiro: “vou fazer como sempre faço, sem esconder as coisas como elas são!”

As preocupações reveladas engendram no seu íntimo múltiplos elementos, como: jogos de poder, estar na vitrina, camuflar situações de trabalho conflitivas, dualidades formação/trabalho, etc. Entendeu-se a necessidade posta e salientou-se que tudo funciona em prol da manutenção da vida institucional.

Sigamos em frente, navegando em terra movediça!

5.1.1 A LIDA COTIDIANA É UMA PARANÓIA: MÁQUINA DE CAPTURA

Todo absurdo é apenas o avesso de uma coisa que parece lógica e racional, como o lado de uma tapeçaria, escondido contra a parede. O absurdo é o avesso do mundo. Aí fiquei a me perguntar: Esse absurdo é o avesso de quê? (ALVES, 2000 p. 30).

Receber plantão, checar prontuários, realizar o aprazamento de medicações e procedimentos técnicos (punções venosas, curativos, etc.) e, quem sabe, tentar olhar de fato para o usuário.

O enfermeiro entra em um quarto e tenta desobstruir um acesso venoso, enquanto