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4 ESTRATÉGIAS DE PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

4.4 OS INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO

Percorreram-se caminhos e descaminhos. Em consequência, obtiveram-se informações por meio de observações de campo, realizadas pela própria pesquisadora, que foram sistematizadas em um Diário de Bordo.

Vale dizer que a observação é uma forma de captar a realidade empírica e, para que se torne válida, há que se ter um planejamento em relação ao que observar e como observar.

Gonçalves (1994) relata que a observação direta do processo de trabalho em ato abre espaço para uma maior visibilidade de sua lógica interna, visto que permite acompanhar e registrar os movimentos, os discursos e as ações dos trabalhadores envolvidos.

Portanto, no presente estudo utilizou-se a observação do tipo participante como observador, em que segundo Minayo,

o pesquisador deixa claro para si e para o grupo sua relação como meramente de campo. A participação, no entanto, tende a ser a mais profunda possível através da observação informal, da vivência juntos de acontecimentos julgados importantes pelos entrevistados e no acompanhamento das rotinas cotidianas. A consciência dos dois lados de uma relação temporária (enquanto dura o trabalho de campo) ajuda a minimizar os problemas de envolvimento que inevitavelmente acontecem, colocando sempre em questão a suposta “objetividade” nas relações. (1999, p. 142).

Diante da opção pelo tipo de observação, planejou-se como deveria ser a entrada e a permanência no campo, tendo em vista aspectos relacionados ao vínculo pesquisador-enfermeiro-equipe e ao acompanhamento do processo de trabalho nos turnos da manhã e da tarde. Assim, levou-se em consideração a necessidade de permanência integral nos turnos de trabalho, durante a primeira semana de observação, que se configurou como uma espécie de “aquecimento”.

Transcorrida a primeira semana, as observações foram realizadas não contemplando, necessariamente, turnos de seis horas. Por outro lado, tomou-se o cuidado de a permanência não ser inferior a três horas.

Dessa forma, foram realizadas 62 horas de observação do trabalho do enfermeiro (atos cuidadores), durante os meses de maio e junho de 2005, nos turnos da manhã e da tarde. Vale dizer que foi utilizado o critério de saturação (POLIT; HUNGLER, 1995), quando se considerou que as informações se tornaram reincidentes e deram mostras de exaustão.

Percebeu-se, nos primeiros dias, que um dos enfermeiros observados sentia-se pouco à vontade, como se estivesse sendo “espionado”, mas já se sabia que haveria a necessidade de empatia e confiança e, sendo assim, quando surgiam brechas, colocavam-se algumas questões acerca do estudo, ou seja, que não se estava ali para julgar o “certo” ou o “errado”, mas para entender que movimentos

estão/estiveram presentes no processo de trabalho do enfermeiro, levando-o a produzi-lo de determinada forma.

É importante dizer, também, que a pesquisadora, durante sua permanência na unidade, foi apenas um expectador, para que o trabalho da Enfermagem seguisse seu fluxo cotidiano. Ressalta-se que, em muitos momentos, foi oferecida ajuda, como: transportar pacientes da maca para o leito; colocar biombos para a realização de procedimentos e dar algumas orientações técnicas acerca de alguns procedimentos, quando solicitadas pelo enfermeiro (salinização de cateteres, realização de curativos, sobre diabetes e mecanismo de ação das insulinas).

Foi possível perceber que, em muitos momentos, os enfermeiros tinham a necessidade de trocar informações com a pesquisadora posto que constatou-se que tal envolvimento facilitou sua aceitação no campo, abrindo espaços férteis para a realização de observações.

No que tange aos técnicos em Enfermagem, embora os mesmos não fossem foco de observações, foi necessário apresentar-se no instante que se adentrou o campo, o que foi de grande valia, uma vez que os mesmos foram muito receptivos e não expressaram preocupação com essa presença. Muitas vezes se teve a impressão de que “era como se não estivéssemos lá”, pois eles falavam sobre aspectos de trabalho com o enfermeiro, utilizando, muitas vezes, expressões verbais e corporais despidas de caráter técnico-profissional, sem o menor constrangimento em relação à pesquisadora.

Outro fato que chamou a atenção foi o desinteresse dos técnicos em Enfermagem e dos enfermeiros em saber o que se estava registrando no Diário de Bordo (conteúdo dos registros), uma vez que (realizavam) anotações no ato das observações. Tal fato pode ser explicado tendo em vista que, ao se iniciar as

atividades de observação no campo, explicou-se a todos (principalmente para os enfermeiros e posteriormente para os técnicos) o objetivo dos registros no Diário de Bordo e, caso alguém tivesse o desejo de apreciá-lo, o mesmo estaria disponível.

Minayo (1994) tece que para o grupo observado importa mais o comportamento do observador do que a base lógica dos seus estudos, pois as pessoas querem ter a certeza de que não serão traídas ou prejudicadas.

Assim, assumiu-se a postura como observadora, mas sempre com a preocupação de deixar um canal aberto para o diálogo, que também fez parte da constituição do Diário de Bordo, visandoa criar proximidades e confiança. Percebeu- se, também, a necessidade de afastamento em algumas situações, não sendo possível acompanhar todos os diálogos e as atividades, ou seja, teve-se atenção especial para a linguagem não-verbal do enfermeiro e no que diz respeito ao seu espaço de atuação, como uma preocupação ética.

Em relação à utilização do Diário de Bordo para efetuar os registros das observações, cita-se Baremblitt (1998), que mostra que a cartografia foi criada a partir de relatos objetivos e subjetivos, em uma espécie de Diário de Bordo de uma “viagem” única e irrepetível.

Dessa forma, o Diário de Bordo, com seu movimento, velocidade e intensidade, pode também se constituir em um “mapa”, que pode possibilitar a outros viajantes construírem sua própria caminhada.

Por conseguinte, neste estudo, pôde-se apontar a existência de dois mapas: o mapa conceitual, que buscou construir sustentações teóricas no início do estudo, e um outro mapa, originado a partir das observações realizadas no campo das práticas e registradas no Diário de Bordo.

e das atividades, a transcrição das falas dos sujeitos, bem como a descrição de alguns comportamentos não-verbais dos enfermeiros e da equipe com o enfermeiro, incluindo ainda conversas com os participantes.

Há, ainda, comentários pessoais da pesquisadora, suas impressões e algumas inferências diante de algumas situações, tendo em vista as construções teóricas realizadas.

Embora tenha sido difícil registrar os fatos no momento em que aconteciam, procurou-se fazer anotações breves que, ao final do turno de observações, eram complementadas e detalhadas. Por outro lado, registraram-se na íntegra trechos de diálogos do enfermeiro com outros agentes envolvidos no processo de produção, para que fossem fiéis ao ocorrido.

Portanto, ao final de cada dia de observação, o diário foi reescrito manualmente, “passado a limpo”, para que as informações ficassem legíveis e organizadas para fins de documentação.

É importante lembrar que os fatos/diálogos observados não estiveram desprovidos de análise, uma vez que as ferramentas teóricas direcionaram o olhar e aguçaram os sentidos da pesquisadora o tempo todo; sendo assim, foi um processo dinâmico de ver e se rever.