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A GERAÇÃO TOTALMENTE NOVA

No documento A Face Oculta Da Natureza - Anton Zeilinger (páginas 77-81)

III. DO PROVEITO DO INÚTIL

3. A GERAÇÃO TOTALMENTE NOVA

“Informação é de natureza física." ROLF LANDAUER Todos os computadores são máquinas de processamento de informação. O interessante é que cada informação que o computador processa pode ser apresentada em qualquer outro computador de uma mesma maneira, isto é, na forma de bits. Um bit é a menor quantidade de informação possível e pode ter apenas o valor “0” ou “1”. Toda informação existente em um computador é composta por tais bits, sendo totalmente indiferente se tratamos de um número matemático, do texto de uma carta, de uma foto ou mesmo do próprio programa em que o computador processa. Tudo isso não é nada além que acúmulos em massa de muitíssimos bits, dos quais cada registro pode ser “0” ou “1”. Todas essas grandes quantidades de bits em um computador precisam ser realizadas de algum modo em termos físicos. Há muitíssimas possibilidades de realizar um bit em um sistema físico. A possibilidade mais simples é considerar um disjuntor elétrico como um sistema físico. Se esse disjuntor está fechado, e flui corrente elétrica, designamos tal coisa de “1”. Se o disjuntor está aberto e não flui corrente elétrica, designamos isso de “0”. Podemos dizer também que o valor de bit “1” corresponde à posição do disjuntor “ligado”, e o valor “0”, à posição "desligado”. Nesse sentido — por exemplo todas as vezes em que ligamos e desligamos a luz de um quarto —, alteramos o estado de um sistema físico, isto é, do disjuntor, o qual corresponde a um determinado valor de bit. Essa alteração da posição do disjuntor tem então outros efeitos físicos, em especial aquele que liga e apaga a luz. Os primeiros computadores foram construídos a partir de tais disjuntores, acionados eletricamente. Naturalmente não se vai muito longe com esses disjuntores, sendo impossível realizar muitas operações com eles, mas o princípio é o mesmo que o dos computadores modernos de alta velocidade.

Também nos computadores modernos há muitíssimas possibilidades diferentes de realizar bits individuais, seja no próprio computador, sejam em mídias de armazenamento. Como uma possibilidade em princípio relativamente simples, mencionemos aqui os CDs. Nesse caso, os bits

são realizados fisicamente (“corporalmente”) através de pequeníssimas concavidades no CD. Elas podem ser vistas mantendo um CD à luz do sol, quando se podem observar, sob determinado ângulo, reflexos coloridos. Esses reflexos coloridos são sinais de muitas concavidades diferentes que apresentam bits, e aqui é, mais um vez, totalmente indiferente se essas informações representam uma sinfonia de Beethoven ou um novo programa de computador, tudo é gravado da mesma maneira no CD.

O que a física quântica altera nessas considerações? Para expor em termos físicos um bit individual, necessitamos de um sistema quântico que pode existir em pelo menos dois estados distintos. Podemos identificar esses dois estados com os valores de bit “0” e “1”, da mesma maneira que no nosso disjuntor elétrico. Tomemos novamente um exemplo físico simples, como a polarização de um fóton, de uma partícula de luz. Se o fóton está horizontalmente polarizado, tal coisa poderia corresponder, por exemplo, ao valor de bit “0”, se está verticalmente polarizado, isso corresponderia ao valor de bit “1”. De resto, é claro que é totalmente arbitrário designar este ou aquele estado físico com este ou aquele valor de bit. Precisamos apenas assegurar que os dois estados que correspondem aos dois valores de bit sejam facilmente distinguíveis e que não possam ser confundidos. Além disso, quando queremos empregar os fótons para a troca de informação, por exemplo, todos precisamos estar de acordo em efetuar a mesma atribuição de valores de bit aos mesmos estados, pois do contrário não poderíamos identificar a informação. Seria como se empregássemos todas as mesmas letras do alfabeto, mas que o “A”, por exemplo, significasse para um leitor algo diferente do que para o outro.

As novas possibilidades do computador quântico surgem então das duas propriedades essenciais da física quântica já mencionadas: a superposição e o emaranhamento. Por superposição havíamos entendido o fato de um sistema quântico poder existir na superposição de estados diversos (no caso do experimento da dupla fenda, era a superposição do estado de o sistema passar por uma fenda e do estado de o sistema atravessar a outra fenda). Para o nosso bit, isso significa que um sistema quântico, que pode existir nos estados que correspondem a “0” e “1”, também é capaz de existir em uma superposição desses dois estados, ou seja, em uma superposição de “0” e “1”. Além disso, as partes de “0” e “1” podem ter tamanhos completamente diferentes. Essa superposição de diversos valores da informação é algo que até hoje não pôde ser realizado em computadores, pois todos os computadores existentes funcionam segundo os princípios da física clássica. A superposição é, por isso, algo inteira e qualitativamente novo. Por esse motivo, o físico americano Bem Schumacher propôs introduzir, para o bit da física quântica, isto é, para o bit quântico, o neologismo qubit. Com esse termo caracterizamos o fato de um bit quântico poder existir nesse peculiar estado de superposição.

Que papel pode agora desempenhar o emaranhamento no computador quântico? Vimos acima que o emaranhamento é aquele modo singular pelo o qual dois ou mais sistemas quânticos podem se relacionar mesmo que a grandes distâncias. Para entender sua importância no caso do computador quântico, precisamos imaginar a informação que pode ser armazenada em no mínimo dois qubits. Se fossem bits clássicos, haveria para cada um deles a possibilidade de ser "0" ou “1”. O que resulta nas quatro combinações “00", “01", “10" e, finalmente, “11”. Isso significa que um sistema formado de dois bits clássicos pode existir exatamente em quatro estados distintos, não mais. Bem diferente é a situação no caso de dois qubits. Aqui cada um dos dois qubits já pode se encontrar em uma superposição qualquer de “0” e “1”. Entendemos por “superposição qualquer” o fato de todas as diversas partes de “0” e “1" serem realmente possíveis. Há para cada um dos dois qubits

muitíssimas possibilidades e, com isso, também muitíssimas possibilidades de combinação binária. Mas por ora isso não implica ainda um emaranhamento. Para que o emaranhamento entre em jogo, devemos refletir sobre a seguinte situação. Suponhamos que soubéssemos, independentemente como, que os dois qubits são iguais, e que soubéssemos concretamente que ambos representam ou o “0” ou o “1”. Formulado de outro modo, que soubéssemos que temos diante de nós ou a combinação “00” ou a combinação “11”. Se fossem bits clássicos, diríamos que as possibilidades “00” ou “11” se apresentam cada qual com uma probabilidade de 50:50. O mesmo não se passa com os qubits. Tínhamos visto na dupla fenda que, sempre que há duas ou mais possibilidades de estado de um sistema quântico, temos de contar com uma superposição, caso não exista nenhuma informação sobre qual dos dois estados se apresenta de fato.

O que isso significa no caso dos qubits? Havíamos partido da suposição de que sabemos que eles são “00” ou “11”. Portanto, se nenhuma outra informação existe, precisamos partir de uma superposição dessas duas possibilidades. Temos diante de nós, desse modo, uma situação extremamente peculiar. Nenhum dos dois qubits possui um valor bem definido. Porém, se um dos dois é medido, ele fornece, puramente por acaso, o valor “0” ou “1”, e o segundo qubit assumirá exatamente o mesmo valor de forma automática, no mesmo momento. Ou seja, em um certo sentido, os próprios qubits não portam mais nenhuma informação bem definida. Não apenas não sabemos que informação eles portam, e ela não está de modo algum definida. Eles trazem, no entanto, uma informação em comum: que ambos precisam ser idênticos, caso sejam medidos alguma vez.

Para o computador quântico, isso gera uma consequência interessante. Imaginemos, por exemplo, que aos valores de bit representados de maneira binária “00” corresponde o número “0”, e aos valores “11”, o número 3, pois “11” corresponde a lx2 + lxl = 3. Portanto, se alimentamos o computador quântico com dois qubits que se encontram na superposição de “00” e “11”, o estamos alimentando, na realidade, com uma superposição de dois números diferentes, a saber, “0” e “3”. O computador quântico executará agora, ao mesmo tempo, seus cálculos com esses dois inputs, e novamente em uma superposição. Isso significa que o computador quântico inteiro se encontra em uma superposição muito complicada, correspondendo aos diversos processos que transcorrem se o alimentamos com “0” ou com “3”.

Em seu “output”, ele fornecerá então uma superposição dos resultados de cálculo para o input “0” e para o input “3”. Portanto temos dois resultados ao mesmo tempo e não precisamos introduzi- los no computador sucessivamente. Ou seja, o único problema é que temos diante de nós, justamente no output, uma superposição das duas possibilidades. Em uma medição do output, obteríamos, puramente por acaso, a resposta para “0” ou a resposta para “3”. No entanto permanece essencial que, se buscamos certas propriedades comuns de inputs diferentes ou de números diferentes, estas podem ser encontradas por um computador quântico de maneira muitíssimo mais rápida do que por um computador clássico. Basta alimentá-lo com uma superposição de todos os inputs diferentes e perguntar sobre essa propriedade comum no output do computador.

O interessante é que essa apresentação um tanto abstrata tem consequências bem concretas em determinados procedimentos matemáticos de cálculo, que se chamam “algoritmos”. Um problema célebre na matemática é a decomposição de um número em seus fatores primos, por exemplo, 15 = 3x5. Para números pequenos não há nenhum problema em executar a fatorização, a decomposição em números primos. A questão é se existe uma possibilidade rápida de decomposição também para números muito grandes. Evidencia-se então que, no caso de um número muito, muito longo e grande, não existe um caminho mais rápido do que simplesmente testar por quais números primos ele pode ser dividido (partimos da hipótese de que já são conhecidos todos os números primos necessários

para a decomposição). E não há nenhuma possibilidade, pelo menos não se conhece nenhuma, de acelerar substancialmente esse procedimento.

Peter Shor descobriu então, em 1994, que um computador quântico possibilitaria uma aceleração considerável dessa decomposição. Um ponto central na fatorização por meio de um computador quântico é a aplicação de estados emaranhados. E a importância da descoberta de Shor reside, entre outras coisas, em que a dificuldade fundamental, há pouco mencionada, na decomposição de grandes números em fatores primos é empregada hoje para cifrar informações secretas. Para o processo de cifrar, emprega-se simplesmente números tão grandes que sua decomposição em fatores primos não pode ser resolvida por nenhum computador moderno em tempo previsível. Porém, se o algoritmo de Shor fosse realizado em um computador quântico, esse método de cifrar ficaria, de repente, obsoleto. Naturalmente há ainda outras vantagens de um computador quântico, mas não há como discuti-las aqui. O importante é o reconhecimento fundamental de que há algoritmos que seriam processados em um computador quântico de maneira muito mais rápida do que em um computador clássico.

É uma questão em aberto se esses computadores quânticos existirão em tempo previsível e qual sua forma. Atualmente, está em curso uma grande corrida internacional nesse sentido, e essa corrida representa a pedra fundamental para uma nova tecnologia.

Agora basta de todas essas coisas técnicas. Voltemos a nos dedicar, no restante do livro, à importância filosófica desses experimentos. Minha convicção é que a alteração de nossa imagem de mundo, necessária por causa deles, será tão grande que todas as possíveis consequências técnicas parecem pequenas se comparadas a isso.

No documento A Face Oculta Da Natureza - Anton Zeilinger (páginas 77-81)