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IV. O VÉU DE ElNSTEIN

8. LUZ DO PASSADO

No experimento mental de Einstein com a dupla fenda, foi o pesquisador quem escolheu qual propriedade da fenda de entrada, o que determinou se o caminho ou a imagem da interferência seria observado. O pesquisador precisa decidir-se novamente todas as vezes antes de um fóton ser enviado ao aparelho. Isto é, todas as vezes antes de uma partícula ser enviada através do aparelho, é estabelecida qual das duas grandezas complementares será concretizada no aparelho. Se ele deixa a fenda de entrada em repouso, podemos determinar o caminho, se a deixa em um determinado lugar, vemos a imagem de interferência. Isso significa que é justamente a influência do observador o que estabelece, por sua seleção do aparelho apropriado e pela definição de suas propriedades, o estado do sistema, determinando assim qual das duas (ou mais) propriedades complementares podem se tornar realidade. Sem problemas até aqui. Perguntamos, porém, se a decisão “caminho” ou “interferência” pode acontecer também em um momento posterior. Nesse sentido, ternos propostas muito interessantes de John Archibald Wheeler, que são os experimentos de delayed choice [decisão retardada].

interferômetro de Mach e Zehnder (figura 21). Temos de novo aqui nosso espelho semirefletor que decompõe uma onda incidente em duas semiondas, e, além disso, nossos espelhos totalmente refletores, que refletem as duas semiondas. Agora temos uma escolha. Podemos nos decidir empregar ou não um espelho semirefletor no ponto em que os dois raios se cruzam. É claro que, se não empregamos o espelho semirefletor (imagem direita), podemos detectar simplesmente com a ajuda de dois detectores qual caminho o fóton tomou, dependendo de qual dos dois detectores soar. Nesse caso — e somente nesse caso — podemos falar do caminho que o fóton tomou. O fato de um dos dois detectores na imagem direita da figura 21 fazer “clique” significa que ocorre um colapso da função de onda. Das duas semiondas em superposição resta apenas uma. O essencial agora é que essa é uma argumentação que também se aplica ao passado. Para a construção de todos os resultados de medição imagináveis, é completamente indiferente se supomos que o colapso da função de onda se realiza só no momento em que o detector faz “clique” ou se já se realizou antes, mas de tal maneira que resta exatamente a semionda que leva ao “clique” observado mais tarde.

Por outro lado, aprendemos para o caso em que empregamos o espelho semirefletor (imagem esquerda) que cada um dos dois raios de saída apresenta uma superposição de semiondas que vieram ao longo dos dois caminhos. Se o ajuste do espelho é perfeito, o que vamos supor aqui, então vemos que o fóton em nossa figura só pode sair no raio de saída direito e não no superior, pois no raio superior as duas semiondas se extinguem por inteiro. Empregando-se o espelho semiprateado, o fato de nós registrarmos todos os fótons somente no detector direito e nenhum no superior é a assinatura da interferência. Agora adiamos a escolha entre as duas grandezas complementares “informação do caminho” e “interferência” para um momento depois de a partícula já ter concluído sua viagem através da estrutura da interferência. E apenas no último momento possível decidimos qual das duas é realidade.

A formulação de Wheeler é um pouco mais exacerbada ao considerar, no caso em que determinamos o caminho, que a partícula tomou um dos dois caminhos, no outro caso, evidentemente, dois caminhos, pois só dois caminhos juntos podem levar à interferência. Wheeler expressou-se da seguinte maneira: “[...] o fóton [...] toma somente um caminho, mas ele toma dois caminhos, ele toma dois caminhos, mas ele toma somente um caminho. Que absurdo! Evidente que a teoria quântica é contraditória!”. Segundo Niels Bohr, no entanto, ela não é de modo alguma contraditória. O que está em jogo é a estrutura inteira do experimento que aduzimos para fazer a análise das propriedades de um sistema, e a estrutura experimental é qualitativamente distinta dependendo de o último espelho semirefletor ser empregado ou não. Sendo empregado, não temos manifestamente nenhuma informação sobre o caminho que a partícula tomou. O interessante na física quântica é justamente que esse não-saber leva a algo qualitativamente novo, isto é, à interferência das duas possibilidades. De maneira correta, portanto, não se deveria afirmar que a partícula tomou dois caminhos, mas que não sabemos — e ninguém sabe — qual caminho a partícula tomou nesse caso.

Consideremos o todo novamente, com maior exatidão: o estado mecânico-quântico do fóton é uma superposição de dois semiestados que correspondem à propagação do fóton ao longo de um caminho e à propagação ao longo do outro caminho. Se o segundo espelho semirefletor se encontra no interferômetro, colocamos em superposição essas semiondas nos dois raios de saída. A probabilidade de encontrar a partícula em um ou outro detector é uma consequência direta da interferência construtiva ou destrutiva. Se deixamos de fora o segundo espelho semirefletor, a mecânica quântica fornece unicamente a predição de que cada um dos dois detectores registra o fóton com a mesma probabilidade de 50%, mas não dánenhuma informação sobre qual. Aqui entra em jogo novamente o puro acaso, não redutível a mais nada. Só no momento em que um dos detectores

disparou, podemos informar qual caminho o fóton tomou. Antes, isso é completamente indeterminado. Ao contrário, no caso em que o espelho semirefletor é empregado, absolutamente nada pode ser dito a respeito do caminho do fóton. Não podemos dizer nem que ele tomou um caminho, nem que ele tomou o outro, nem que ele tomou os dois ao mesmo tempo. Nenhum desses enunciados têm fundamento. Portanto lidamos aqui com uma inâeterminação fundamental, um não-saber de nossa parte que é fundamental e por princípio. Em troca, sabemos outra coisa com certeza, isto é, qual dos dois detectores na saída registrará o fóton.

John Archibald Wheeler exacerbou ainda mais a questão dos experimentos de delayed choice, estendendo o experimento a grandezas cósmicas, naturalmente só como experimento mental. Ele buscou um interferômetro de Mach e Zehnder que em princípio é tão grande como nosso universo. Aqui uma observação muito interessante vem nos auxiliar. Entre os fenômenos astronômicos mais distantes, estão os assim chamados quasares. O nome quasar vem de objeto quase estelar. Esse objeto aponta já em seu nome que não sabemos exatamente do que se trata. Uma coisa, no entanto, é clara, a saber, que todos esses quasares estão muitos bilhões de anos-luz distantes de nós. Isso significa, por outro lado, que eles são também objetos que pertencem a um universo muito remoto, a um universo milhões de anos atrás, pois a luz precisou de muito tempo até nos alcançar.

O interessante agora é que há quasares que vemos no céu logo de maneira dupla ou até múltipla, um bem ao lado do outro. É como se víssemos estrelas não só de uma vez, mas duplamente. A razão disso é extremamente interessante. Embora a luz se propague em geral de forma retilínea, ela pode ser desviada no espaço pelo efeito da gravidade. No caso dos quasares, isso significa que ocorre um desvio dos raios de luz quando esta, no caminho do quasar até nós, tem de passar voando por galáxias muito maciças, que podem desviar a luz. Esse desvio pode se dar em diversas direções, dependendo de qual lado do raio de luz passa junto à galáxia. Na Terra, eventualmente constatamos que a luz do quasar nos alcança de duas ou às vezes até mais direções diversas. Esse desvio é designado de efeito de lente gravitacional. Por princípio teórico, Einstein já havia previsto esse efeito antes de ele ter sido observado de fato pela primeira vez em 1979. Naturalmente, é preciso comprovar aqui que os dois quasares que vemos no céu são de fato um e o mesmo objeto. Isso acontece ao medirmos exatamente o espectro dos quasares. O espectro nada mais é do que a decomposição exata dos comprimentos de onda na luz que nos alcança. Independentemente da composição do objeto, de sua estrutura, sua temperatura e outros parâmetros, há comprimentos de onda da luz que aparecem frequentemente e aqueles que aparecem mais raramente. Fala-se então de linhas no espectro, e a intensidade dessas linhas é característica de cada quasar individual. Portanto, se vemos dois quasares que possuem exatamente o mesmo espectro e que ainda estão um bem ao lado do outro no céu, comprovamos univocamente que ambos devem ser relacionados ao mesmo objeto astronômico.

Depois que o primeiro objeto dessa espécie foi comprovado em 1979, conhecemos hoje cerca de cinquenta casos dessas imagens múltiplas do mesmo quasar no céu. A proposta radical de John Archibald Wheeler é então reunir e colocar em superposição a luz que chega do quasar até nós ao longo de dois caminhos (figura 22). Nesse caso teríamos de lidar com o interferômetro abstrato mais gigantesco possível.

A pesquisadora poderia decidir também aqui, no último momento possível, se quer medir qual caminho a luz trilhou, ou se gostaria de ver a superposição das duas semiondas. E isso, em todo caso, posteriormente, para um fenômeno que já começou há bilhões de anos. Ou seja, uma pesquisadora pode decidir hoje se a luz tomou ou não um caminho bem definido. Se não empregamos o espelho semirefletor, a luz desencadeará um dos dois detectores, e isso nos dirá que a luz passou pela galáxia à direita ou à esquerda. Por outro lado, se o espelho semirefletor é empregado, podemos falar de uma onda que tomou os dois caminhos. Em um certo sentido, por conseguinte, a decisão sobre se o fóton tomou ou não um caminho bem definido é feita em um instante quando ele já fez essa viagem há muito tempo.

A maneira correta de falar sobre esse estado de coisas é novamente aquela mostrada por Niels Bohr. Não podemos falar sobre o caminho de uma partícula antes de termos efetuado o experimento. Imaginar que o fóton individual passou pela galáxia à esquerda ou à direita, antes de o experimento todo ter acabado, antes de o fóton ser detectado, é absolutamente inadmissível. Não faz nenhum sentido falar sobre coisas para as quais não há nenhuma evidência imediata. Niels Bohr expressou isso ao dizer: “Nenhum fenômeno é um fenômeno, exceto se é um fenômeno observado”. Logo, sem a observação não há nenhum fenômeno.

No documento A Face Oculta Da Natureza - Anton Zeilinger (páginas 116-120)