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A GERONTOLOGIA: A VELHICE, O PROCESSO DE

PARTE II – BASES TEÓRICAS

CAPÍTULO 4 A GERONTOLOGIA: A VELHICE, O PROCESSO DE

O envelhecimento da população é uma realidade que vem recebendo destaque em diversos campos, gerando, por conseguinte, debates e inovação e desafios no que se refere à gestão dos problemas sociais. No que diz respeito ao campo dos estudos acerca da velhice, esforços têm sido empreendidos com o intuito de analisar, problematizar e propor novas formas de compreensão do fenômeno da velhice e do processo de envelhecimento. Tais esforços procedem de várias áreas do conhecimento como, a medicina, a psicologia, a sociologia, a educação e a antropologia, sem deixar de mencionar a emergência da gerontologia como um campo multi e interdisciplinar, já que integra todas as áreas do conhecimento. (SILVA, 2008).

Para Papaléo Netto (2006), o século XX marcou os grandes avanços da ciência do envelhecimento, fruto, de um lado, do crescimento do interesse nas pesquisas e estudos sobre o processo de envelhecimento e, por outro lado, o aumento da população idosa em todo o mundo exerceu pressão massiva sobre o desenvolvimento desse campo. O termo gerontologia foi evidenciado em 1903 por Elie Metchnikoff, que propôs um campo de investigação dedicado ao estudo exclusivo do envelhecimento, da velhice e dos idosos, em vez de aceitar a inevitabilidade da decadência e da degeneração do ser humano com o avançar dos anos. Seis anos depois, surgiu a especialidade médica denominada geriatria – estudo clínico da velhice -, introduzido em 1909 pelo médico Ignatz Nascher, considerado o pai da geriatria, por ter estimulado pesquisas sociais e biológicas sobre o envelhecimento, Nascher também fundou a Sociedade de Geriatria de Nova York em 1912.

A geriatria e a gerontologia foram os saberes emergentes que se debruçaram, respectivamente sobre o corpo velho e sobre os aspectos sociais da velhice, determinando em grande parte o estabelecimento desta como categoria social (SILVA, 2008).

Durante duas décadas a gerontologia ficou restrita aos aspectos biológicos do envelhecimento e da velhice. Somente a partir da década de 30 que Marjory Warren iniciou a avaliação muldimensional e a importância da interdisciplinaridade. Foram surgindo, então, numerosos trabalhos científicos específicos de cada área, que hoje compõem a ciência do envelhecimento, acrescentando conhecimentos aos já existentes. Por meio desses estudos foi possível estabelecer o limite entre senescência (envelhecimento primário) e senilidade

(envelhecimento secundário a processos fisiológicos), entre envelhecimento saudável ou bem- sucedido e envelhecimento comum (SILVA, 2008).

Nas décadas de 1950 a 1970, foram criados grupos de pesquisa sobre a velhice e a vida adulta, destacando-se os realizados em Bonn (1951, 1969), Kansas City (1964), na Pensilvânia (1958) e em West Virginia (1972). Foram os trabalhos desses grupos que lançaram as bases do paradigma de desenvolvimento ao longo da vida (life-span). Em apenas nove anos – entre 1950 e 1959 – foram publicados mais estudos sobre a velhice do que nos 115 anos anteriores. E entre 1969 e 1979 a pesquisa na área aumentou em 270 % (NERI, 2001a; PAPALÉO NETTO, 2006).

Ver o envelhecimento simplesmente pelo prisma biofisiológico é desconhecer a importância dos problemas ambientais, psicológicos, sociais, culturais e econômicos inerentes aos idosos. Ao contrário, é relevante a visão global de envelhecimento como sendo um processo e do idoso como um ser humano. Assim, define-se gerontologia como “uma disciplina científica multi e interdisciplinar, cujas finalidades são o estudo das pessoas idosas, as características da velhice enquanto fase final do ciclo de vida, o processo de envelhecimento e seus determinantes biopsicossociais” (PAPALÉO NETTO, 2006, p. 7).

O processo de envelhecimento, a velhice e o velho constituem um conjunto, cujos componentes estão intimamente relacionados. Portanto, envelhecimento pode ser conceituado, de acordo com Papaléo Netto (2006), como a fase de todo um continuum que é a vida, que começa com a concepção e termina com a morte. É um processo dinâmico e progressivo, no qual se estabelece modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas, onde há uma perda da capacidade de adaptação ao meio ambiente, ocasionando maior vulnerabilidade e maior incidência de processos patológicos que terminam por levar o indivíduo à morte.

Para Beauvoir (1970, apud LOUREIRO, 2000, p.19-20), a velhice é como “[...] um fenômeno biológico com reflexos profundos na psique do homem, perceptíveis pelas atitudes típicas da idade não mais jovem nem adulta, da idade avançada”. Para Loureiro (2004b, p. 41), “Ser idoso significa apenas estar vivendo outra fase da vida; ter outros ideais, diferentes das aspirações juvenis, mas também com possibilidades, se considerados os limites recolocados pela idade”.

Não existe nitidez na identificação e na demarcação das fases dos ciclos da vida, o que impossibilita considerar a exata idade expressa em anos como marco para ingresso na velhice (LOUREIRO, 2000). A ONU define o início da velhice aos 60 anos de idade em países em

desenvolvimento e aos 65 anos em países desenvolvidos. Para fins didáticos é comum que se estabeleça uma idade como marco de ingresso à velhice, mas convém lembrar que a velhice “é uma fase da existência diferente da juventude e da maturidade, mas dotada de um equilíbrio próprio, deixando aberta ao indivíduo uma ampla gama de possibilidades” (BEAUVOIR, 1970 apud LOUREIRO, 2000, p. 21).

De acordo com Goldstein e Siqueira (2003), heterogeneidade traduz as diferenças entre as pessoas em razão de suas distintas histórias de vida e a diversidade está associada à posição que as pessoas e grupos ocupam na sociedade e em suas instituições. Os fatores de diversidade, como as questões de gênero, etnia, classe social, exercem influência na historia de vida das pessoas, sobretudo do idoso com maior construção do seu ciclo de vida, refletindo-se na heterogeneidade de experiências na velhice.

As diversas formas de viver a velhice devem ser analisadas por critérios combinados de gênero e classe social. Para Motta e Debert (1999 apud NERI, 2001b), mulheres de classe baixa e média costumam afirmar-se pela atividade e participação em espaços de lazer e convivência usando esses espaços como símbolos de liberdade. As de classe mais elevada tendem a ir para as universidades, que lhes permitem aprenderem sobre o mundo e si próprias, num contexto a que sempre sonharam pertencer. Em contrapartida os homens de classe baixa e média geralmente se engajam em federações e confederações de pensionistas e aposentados no intuito de lutar pelos seus direitos.

No que diz respeito aos arranjos familiares é comum encontrar mulheres sem companheiros, devido ao maior número de viúvas e também ao crescente número de separadas ou de solteiras com filhos. Essas mulheres muitas vezes assumem papéis de chefes de famílias que podem nunca ter se constituído completas (MOTTA, 1999). Uma das idosas entrevistadas, nesta pesquisa, foi mãe solteira, educou seu filho sozinha, assumiu papel de pai e mãe. Assim diz D. Dada:

Agora em relação a mim eu acho um troféu, eu me acho uma heroína por ter cuidado

do meu filho sozinha.

Para as mulheres a vida é menos institucionalizada que para os homens, mas para elas eventos como o casamento e nascimento do primeiro filho têm não apenas um impacto maior, mas também explicam o modo como elas interpretam suas próprias vidas (DEBERT, 1997).

De acordo com Schabbel (2005), a mulher, antes vista como subordinada e muitas vezes submetida ao homem passa, a partir da segunda metade do século XX, a assumir uma posição mais ativa e responsável, adquirindo direito às escolhas e liberdade em suas próprias

decisões. Essas conquistas femininas têm provocado mudanças significativas nas relações entre homens e mulheres e na estruturação familiar.

Estudos têm mostrado que as mudanças nas práticas sociais relativas à convivência entre as gerações aumenta a probabilidade de que mulheres idosas de variados níveis sociais passem a viver sozinhas ou venham a ser cuidadoras do cônjuge ou dos ascendentes (NERI, 2001b). Os dados desta dissertação comprovam essa realidade, já que duas idosas entrevistadas relataram morar sozinhas.

Para Debert (1997, p. 120):

Tratar da terceira idade é se referir a um conjunto de discursos (amplamente divulgados pela mídia) e de novos espaços de sociabilidade (como os grupos de convivência e as universidades para a terceira idade) empenhados em desestabilizar expectativas e imagens culturais tradicionais associadas a homens e mulheres de mais idade.

Mais recentemente temos observado a superação de restrições impostas ao comportamento do idoso, oportunizando a estes novas possibilidades de se expressar sem os constrangimentos, os estereótipos e padrões de comportamento baseados na idade, que vigoravam em outras épocas. Este novo padrão é conhecido como “descronologização” do curso de vida. No entanto, é fato que, muitas vezes, os velhos não sabem o que fazer ante estas novas possibilidades, como por exemplo, em relação ao comportamento amoroso, modo de vestir, de falar, que atividades de lazer praticar (GOLDSTEIN; SIQUEIRA, 2003).

Por outro lado, de acordo com Rodrigues e Soares (2006), vem sendo disponibilizado para esse segmento um arsenal de bens e serviços no propósito de se mascarar o envelhecimento ou eternizar a juventude, tais como, clínicas e academias, dietas, cosméticos, cirurgias plásticas. “A subjetividade produzida nessa representação onde só é velho quem quer, tem o poder de desencadear angústias que podem levar o indivíduo a se culpar por sua velhice” (RODRIGUES; SOARES, 2006, p. 10).

A indústria da beleza, da saúde e do bem estar contribui para disseminar atitudes fantasiosas a respeito da velhice entre mulheres dos segmentos médios urbanos, fazendo apologia da velhice como estado de espírito e condição que pode ser disfarçada, adiada ou remediada por meio de recursos gerados pela ciência e medicina (MOTTA; DEBERT, 1999 apud NERI, 2001b).