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José Ángel Brandariz García

II.1 Transformações condicionantes da marginalização progressiva do objetivo da inclusão

2.3 A gestão penal da exclusão social Linhas teóricas para avançar na investigação

2.3.3 A gestão da exclusão no modo de governo neoliberal

Uma terceira linha de interpretação sobre as transformações que afetam a gestão contemporânea da exclusão emoldura-se em uma perspectiva de análise mais realçada, menos onicompreensiva e – provavelmente – mais frutífera que as anteriores, em particular no tangente à sociedade de consumidores. Trata-se de um campo teórico que supõe que, enquanto a gestão por meio da inclusão e da padronização é uma característica fundamental do modo de governabilidade social, a transição para uma governabilidade neoliberal introduz mutações relevantes. Este tipo de argumentos acolhe, de uma ou de outra maneira, as epistemologias remissivas às teses das

49 Cf , nesse sentido, BaudRillaRd, 2005: 48 s., 81 ss.; Bauman, 2002: 82 ss.; 2004: 106 ss.; 2005: 40 ss.; 2007a: 153 ss., 177 ss., 212 s., 230; 2007c: 43 ss., 77 s., 92 s., 169 s.;

leWKoWicz, 2006: 19, 32 ss , 79, 106; lóPez heRnández/RodRíguez lóPez, 2010: 217 ss., 252 ss., 436, 468 – referindo-se à sociedade de proprietários –; PéRez cePeda, 2007: 46

s ; RoSe, 1999: 164 s Sobre o tema, cf ainda BaRcellona, 1996: 125 ss

50 Cf Bauman, 2005: 64 s.; 2007b: 134 ss.; 2007c: 82, 170, 174 s.; leWKoWicz, 2006: 133; milleR/RoSe, 2008: 114 s., 140 s.; RoSe, 1999: 86 ss.

51 Bauman considera que na sociedade de consumidores as instituições de controle já não podem pretender um comportamento rotineiro dos sujeitos, já que isso tenderia a

anular sua capacidade de escolha. Por consequência, os antigos dispositivos disciplinadores seriam perturbadores para o sujeito-consumidor, e seriam desastrosos em uma sociedade organizada sobre o desejo e a escolha. Em síntese, o autor considera que, na atualidade, a obediência tende a lograr-se mais por causa da sedução que da coerção A respeito, cf Bauman, 2005: 45, 51 s., 55, 139; 2007a: 153, 168, 203, 208; 2007c: 79 ss., 129; 2010: 76.

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sociedades de controle de Deleuze ou das sociedades de segurança de Foucault, e – sobretudo no âmbito anglo-saxão – aos marcos sólidos de análise que se desenvolveram a partir da teoria da governabilidade do segundo pensador francês.55

Essas teses, à medida que se ocupam das formas de governo da vida coletiva, ou das relações entre certos diagramas de poder, vão claramente mais além do campo de análise aqui abordada. Não obstante, enunciam teses muito sugestivas sobre as transformações nos dispositivos de controle após o ocaso da governabilidade welfarista, entre as quais cabe mencionar a ideia de que o controle já não pretende a normalização dos sujeitos nem a superação dos fenômenos de desvio, senão fundamentalmente a gestão e a distribuição de riscos, em particular a partir de uma perspectiva do utilitarismo economicista.56 Em conformidade, o governo dos riscos e das desordens

contemporâneas tende a se disseminar muito além da instituição estatal,57 em consonância com uma governabilidade neoliberal que

se plasmou em formas muito mais fluídas e descentralizadas que os conceitos clássicos de soberania, como se analisa na teoria da

governance. Ainda, essas teses assinalam que o controle social tende a se acomodar em modos de gestão por meio do modelo de

escolha, de forma que se busca o incentivo da liberdade dos cidadãos como mecanismo de organização da estabilidade da vida coletiva.58

Este modelo soft de controle social seria uma grande medida consoante às teses discursivas sobre uma sociedade de consumidores, nas

53 Cf deleuze, 1995: 273 ss ; 2003: 299 ss Sobre essa tese, cf , por todos, aRRigo/milovanovic, 2010: 107 ss ; igleSiaS SKulj, 2011: 67 ss ; lazzaRato, 2006: 73 ss , 230 ss ;

PoRtilla contReRaS, 2007: 32 ss ; Razac, 2008: 112 ss.

54 A tese foucaultiana de referência pode ser verificada em esboço, fundamentalmente, em Foucault, 1991: 163 ss ; 2004a: 7 ss , 47, 67 s Sobre esta tese cf , entre uma

bibliografia extensa, Bietlot, 2003: 58 ss.; Bigo, 2011: 93 ss ; diltS, 2008: 77 ss.; diltS/haRcouRt, 2008: 1 ss.; de gioRgi, 2000: 15 ss ; 2002: 97 ss ; valveRde, 2008: 201 ss.

Tudo isso não supõe equiparar uma tese com outra, nem desconhecer a ruptura epistemológica – e pessoal – que se produziu entre deleuze e Foucault Sobre o tema, cf moReno, 2010: 88.

55 Cf Foucault, 2004a: 119 ss ; 2004b: passim Sobre o tema, cf ainda camPeSi, 2011: 159 ss ; caStel, 1991: 293 ss ; dean, 2010: pássim; goRdon, 1991: 3 ss ; milleR/RoSe,

2008: passim; RoSe, 1999: 15 ss , 137 ss ; vila viñaS, 2012: 44 ss

56 Cf , entre muitos outros, caStel, 1991: 288, 294; dean, 2010: 205 ss ; de gioRgi, 2000: 16 s., 35 ss., 44 ss.; 2002: 30, 108, 113 ss.; diltS, 2008: 80, 84 s., 90; Foucault, 2004a:

8, 11; 2004b: 261; igleSiaS SKulj, 2011: 91 ss ; PoRtilla contReRaS, 2007: 41, 71; RodRíguez, 2003: 126, 129 ss ; SantoRo, 2004: 127 s ; vila viñaS, 2012: 94 ss , 120 ss

57 Cf , por todos, Bauman, 2004: 149 s ; eRicSon, 2007: 5 s ; gaRland, 2005: 315, 317. Esta tendência é especialmente ressaltada pelos autores que acolhem a tese do

prudencialismo privado, anteriormente mencionada

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quais a sedução e a organização da capacidade de eleição se convertem em paradigmas de governo. Não é menos consoante com as teorias que analisam o trânsito para um modo de produção pós-fordista, no qual o conjunto da vida, e (notavelmente) as capacidades relacionais, comunicativas e criativas humanas se tornam os principais instrumentos de produção de valor, de modo que a normalização subjetiva resulta plenamente disfuncional.59

Em síntese, essas teses evocam um paradigma de controle social – e, em particular, penal – tão descentralizado como brando, que se distancia dos modos disciplinares e, – ainda mais – soberanos do passado. Sem prejuízo de que, como grande caracterização geral das sociedades neoliberais, esta perspectiva possa resultar sugestiva, a história dos últimos dez anos obrigou a enfatizar algumas qualificações. Em efeito, essas teses não ocultam que esses paradigmas neoliberais de poder têm necessariamente que se deparar enfrentar-se com a existência de certas cotas de excesso e exclusão.60 A gestão desses grupos humanos, por mais que adote também formas neoliberais –

sobretudo, no âmbito da assistência social –, reclama a presença de instrumentos penais dissuasivo-preventivos, mas também neutralizadores. Nesse ponto, surgiu uma pluralidade de argumentos que recomendam atender à sobrevivência no modo de governo contemporâneo de formas mais autoritárias das pretendidas pelo neoliberalismo, e que remetem de novo às lógicas soberanas. Em suma, trata-se de ver que na governabilidade contemporânea, o governo, mediante a organização da liberdade, hibrida-se com formas de exclusão do excedente humano que ecoam na inveterada racionalidade da soberania.61 Nesse ponto encontra-se também o sistema penal em sua aproximação ao

governo do excedente, pois, apesar de seu evidente processo de expansão, não somente se articula mediante a neutralização carcerária, tampouco renuncia por completo a continuar operando mediante as lógicas soberanas do inimigo e da exclusão.62

59 Cf , em particular, haRdt/negRi, 2002: 37 ss , 302 ss

60 Cf caStRo, 2010: 77; dean, 2010: 171; gaRland, 2005: 314, 318; de gioRgi, 2002: 31, 53 ss , 72 ss , 104 s , 111 s ; Razac, 2008: 113 s.; RoSe, 1999: 86 ss.

61 Cf ButleR, 2006: 82 s., 125, 129 s.; dean, 2007: 77 s., 91, 93 ss., 104, 126, 156 ss.; 2010: 8 s., 12, 30, 155 ss.; igleSiaS SKulj, 2011: 112 ss , 243 ss ; o’malley, 2006: 67 s ;

PoRtilla contReRaS, 2007: 39 s , 69; Razac, 2008: 30 s., 165 s. Como parece evidente, a recuperação da tese da soberania teve muito a ver com o trabalho de agamBen (cf

agamBen, 2003a: passim; 2003b: 9 ss )

O próprio Foucault já sustentava essa tese de hibridação ou superposição de diversas racionalidades ou diagramas de controle em um mesmo momento histórico

(cf Foucault, 2004a: 8 ss., 111; 2005: 81 ss., 87, 103).

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As três teses anunciadas estão distantes, em sua abstração, de produzir análises imediatamente aplicáveis à gestão penal da exclusão. Não obstante, se há pretensão de seguir aprofundando o estudo das mutações dessas dinâmicas de administração do corpo coletivo, provavelmente as análises mais frutíferas serão provenientes de uma consideração mais cuidadosa dessas teorias. Como se havia avençado, este não é o momento para continuar essa trabalhosa tarefa de investigação, senão para indicar um possível caminho epistemológico. Não obstante, parece necessário deter-se, antes de concluir, em um segundo momento de descontinuidade que não pode ser desatendido: o correspondente ao choque financeiro global, expresso este último adjetivo com todas as cautelas.