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Bacharelanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Resumo: Artigo escrito em forma de ensaio sobre o filme O Amante da Rainha, de Nicolai Arcel. A escolha do filme se deu pela importância do movimento histórico para o estudo do Direito, principalmente em razão da retratação do fenômeno histórico e filosófico do Iluminismo e a sua relação com as ciências jurídicas, inclusive com a própria concepção de direito subjetivo

Palavras-chave: O amante da rainha; iluminismo; Nicolai Arcel; Dinamarca; Oscar 2013.

Abstract: This paper was written as an essay based on the film “A Royal Affair”, by Nicolai Arcel. The reason why this film was chosen was because of the importance of the historical movement for the study of law, especially the portrait of the historical and philosophical phenomenon of the Enlightenment and its relation with legal sciences, including the very concept of subjective law.

Key words: A Royal Affair; enlightenment; Nicolai Arcel, Denmark; the 2013 Oscars.

O filme se inicia com uma atmosfera peculiar: uma carta. Tal documento é destinado aos filhos da rainha caída, que a escreve para lhes contar sobre sua vida, e os motivos que a levaram a deles se separar. Um pedido de perdão e compreensão.

E, neste envolvimento, o filme O Amante da Rainha (Dinamarca, 2012) leva os expectadores ao século XVI retratando a história (e envolvimento amoroso) da então rainha, Carolina Matilde com o médico de seu marido, o rei Christian VII da Dinamarca. Poderia ser apenas um filme sobre as desventuras amorosas da nobreza, mas o pano de fundo é particularmente interessante: o nascimento do Iluminismo, o pensamento que lograva retirar a humanidade da escuridão e levar à luz da Razão.

Criada desde a tenra infância para se casar com Christian VII, Carolina foi educada para atuar tal qual uma rainha. Sua educação se deu afastada da Corte inglesa, e diz-se que apesar de não ser dona de beleza estética, possuía atributos que a destacavam: inteligente, falava fluentemente francês, italiano e alemão, e no filme, possuía talento especial ao tocar piano. Interpretada pela atriz Alicia Vikander,

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a rainha assume uma bela aparência, mas a atuação a mantém forte e distante, retratando-a como uma pessoa de pouco tato social. Familiarizada com a leitura, sofre ao chegar à Dinamarca e ter seus livros confiscados pela Censura, a qual considera as obras “inapropriadas”. A partir deste momento, a vida de Carolina torna-se uma clausura, agravada pela condição mental do rei Christian VII (interpretado pelo ator Mikkel Boe Følsgaard). Muito embora a atuação de Mikkel tenha representado alguns momentos de comédia durante a película, imagine-se um casamento arranjado com um rei, cuja mentalidade se assemelha a de uma criança, tornando-o facilmente manipulável pelos membros da nobreza e clero.

Com o agravamento da doença do rei, ele é aconselhado a ter um médico particular para tratar-lhe. Surge então Johann Friedrich Struensee (Mads Mikkelsen), o qual, graças à sua inteligência e articulação, facilmente tornou-se o escolhido do rei. Para tal fato, também foi necessária a intermediação de membros da nobreza, que abolidos do convívio com a Corte, viam na indicação e possível nomeação do médico seu passaporte de retorno ao palácio real.

Menosprezada pelo rei e observada pelo médico, logo se firmou o cenário inicial para o caso amoroso que chocou a Dinamarca do século XVI. Dessa relação nasceu uma menina, mas é no intervalo entre o desenvolvimento do relacionamento e a concepção da criança que se operam as mudanças ideológicas mais interessantes observadas pelo filme.

Percebendo a influência que Struensee possui sobre Christian, Carolina o aconselha a melhor usar de sua possibilidade. Não tardaria para que o rei, seduzido pelo médico, iniciasse uma série de reformas de linha Iluminista, como a vacinação obrigatória, uma medida controversa, mas impensável à época (pois significava desembolsos da nobreza para o custeio da saúde do povo) e a construção de uma rede de esgoto na cidade. Tais medidas, por óbvio, desagradavam aos nobres e ao clero, pois viam nelas uma despesa desnecessária e, a curto prazo, tais classes viram suas benesses reduzidas para custear tais obras.

Uma rede de intriga então se forma, e o caso da rainha com o doutor se torna uma arma para aqueles que o desejam longe da Corte, e, principalmente, para aqueles que não querem que ocorram mudanças na sociedade dinamarquesa. “Há algo de podre no reino da Dinamarca”, já dizia Shakespeare.

Interessante observar o desenvolvimento do Iluminismo, e o que ocorreu no reinado dos daneses. É possível traçar paralelos, pois o poder e a influência da comunicação se fazem presentes desde aquela época. Ao enfatizar o caso extraconjugal da rainha, as conquistas do pensamento iluminista daquele período são colocadas à prova, e, claro, sucumbem.

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O pensamento iluminista é um dos responsáveis pela “reflexão sobre as possibilidades do indivíduo em face do Estado, engendra

toda uma tradição a respeito dos direitos (surgindo assim a noção moderna de direito subjetivo), abrindo-se campo para as reflexões filosóficas modernas especificamente do direito” (masCaRo, 2010, p. 135). Representa a luta da classe burguesa contra os privilégios

absolutistas, e traz uma importante discussão sobre o papel do Estado, os limites de seus poderes e governo.

Era o pensamento que a soberania não era algo pertencente ao monarca, mas uma manifestação do povo, e para o povo. Tratava da separação da instância política e religiosa, já que esta última era o sustentáculo do Absolutismo e oráculo repetitivo do poder divino atribuído aos reis.

O ponto mais emocionante do filme é o momento em que se retrata a tortura que foi infligida ao Doutor Struessen. Como uma de suas medidas, calcadas no pensamento Iluminista, foi baixado decreto que proibia tal prática como método de obtenção de confissão dos presos. Afastado dos privilégios reais, o médico, preso, é torturado e seus algozes fazem questão de ressaltar que ele havia proibido a tortura, mas, agora, ela estava novamente instituída.

E o pensamento iluminista sobre tais práticas é claro nas palavras de Beccaria: “Quando se reflete sobre todas essas coisas é que

se é forçado a reconhecer com amargura que a razão quase nunca tem sido consultada nas leis que se deram aos povos”. Um exemplo

de avanço nas politicas criminais durante o período Iluminista foi o repúdio à tortura como método de investigação.

Salvaguardada pela sua origem nobre, é nas memórias da rainha Carolina que observamos o desenlace desta história. As conquistas do Iluminismo eram notadas por toda a Europa e a Dinamarca já tinha alcançado o status de uma nação à frente de seu tempo, e seu rei, Christian VII, uma pessoa ainda mais amada pelo seu povo, embora a Casa de Oldemburgo já gozasse de grande aceitação de seus súditos.

Acometida pela febre escarlate, abatida pela execução daquele a quem amara, afastada do convívio com seus filhos, a rainha narra todos os fatos na epístola, na esperança de que seus filhos, lendo-a em idade adequada para a compreensão, possam perdoá-la por tê-los abandonado (ou sido obrigada a abandoná-los).

Muito embora o filme esteja demasiado focado em uma visão romantizada dos fatos, é valido pela leitura de uma revolução filosófica que interessa não somente ao Direito, mas a todas as áreas sociais das ciências humanas.

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As crises e dificuldades para a solidificação do pensamento iluminista talvez se repitam ainda hoje, se observarmos a forma como os meios de comunicação tendem a transmitir informações parciais, carregadas de uma semântica preconceituosa, que muitas vezes perpetua ou justifica a desigualdade como algo natural, quando é um produto social que interessa a alguns.

Podemos atribuir o romantismo à liberdade poética de que o cinema se faz valer, e aproveitar o filme sem receio, pela sua bela fotografia e atuações marcantes. Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 2013, encontrou-se com outro filme difícil de superar e não levou a estatueta. Mas convenhamos, perder para Amor não é um caso crítico. Fica o destaque para o ator Mikkel Boe Følsgaard, grata surpresa no filme.