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O termo ‘governança’ é tradicionalmente associado com o Estado - a instituição. Mas, a concepção de governança está integrada ao processo de governança em que a instituição estatal é apenas uma entre os vários atores envolvidos na governança (CROZIER, 2008; KOOIMAN, 2003, 2008; JENTOFT, 2006, 2007; CHUENPAGDEE; JENTOFT, 2007, 2009). O processo de governança é considerado hoje como uma interação de atores múltiplos e das influências de cada um deles nos outros. Esse processo é chamado por Kooiman (2003) como governança interativa. No processo de governança interativa, todos os atores – estado, sociedade civil, mercado, associações, partidos políticos, universidades entre outros são fundamentais e estão envolvidos.

Chuenpagdee e Jentoft (2009, p. 111) definem a governança como “um processo coletivo, agregado e integrado desses atores, que pode ser mais ou menos organizado e rotineiro, raramente harmonioso, mas tipicamente interativo”. Segundo Jentoft (2007) o conceito de governabilidade dos recursos naturais pressupõe os limites e os níveis do sistema a ser governado. Alguns recursos são altamente complexos, dinâmicos e possuem variabilidade espacial. Portanto, esses tipos de sistema não podem ser totalmente controlados e essa avaliação é fundamental pela complexidade e dinamicidade dos recursos de várzea.

Inicialmente, a teoria da governança interativa elaborada por Kooiman (2003) era aplicada para avaliar o manejo dos recursos pesqueiros e do sistema costeiro. Mas hoje essa teoria está sendo usada para avaliar a governança dos recursos naturais de modo geral. Na concepção de Kooiman (2003, 2008, p. 173), a governabilidade é “a capacidade global de governança de qualquer entidade social ou sistema." Ele considera essas entidades como sistema a ser governado (system to be governed-SG), o sistema do governo (governance system – GS) e as interações (governing interactions - GI) entre os dois.

Segundo a teoria de governança interativa, a interação também é um processo diverso, complexo, dinâmico e vulnerável (JENTOFT, 2007, p. 361). É diverso porque a interação em cada sociedade depende da maneira como esta se organiza. A interação é complexa e dinâmica porque envolve diferentes atores sociais com relações múltiplas. A vulnerabilidade do processo advém da sua complexidade e diversidade. O sistema do governo deve responder a diversidade e complexidade do sistema a ser governado com sensibilidade e inclusividade. A dinamicidade e a vulnerabilidade são respondidas pela flexibilidade e cautela.

Na realidade da várzea, temos os recursos aquáticos, os recursos florestais, os recursos de pasto, entre outros a serem governados. Temos também, os atores sociais que formam o sistema de governo como PAE, Colônia de Pesca, INCRA, IPAM, SIRSAN, Associações, Igrejas, etc. As interações entre esses atores e o sistema a ser governado são complexas e carregam interesses variáveis (CASTRO, 2003). A dinamicidade, a complexidade, a diversidade e a vulnerabilidades dos sistemas naturais e sociais da várzea são perceptíveis e são significantes para análise do manejo dos recursos dessa região.

Na percepção de Jentoft (2007, p. 360), a interação na governança dos recursos comuns que envolvem valores sociais e princípios éticos. Esses valores e princípios devem ser considerados na tomada de decisões, especialmente quando os recursos comuns são usados pela comunidade local como na várzea amazônica. O envolvimento dos stakeholders, representantes

do estado, do mercado e da sociedade civil são essenciais para o bom funcionamento do processo de governança interativa (JENTOFT, 2007, p. 360).

Jentoft (2007) considera a governança interativa como uma relação entre dois sistemas: o sistema do governo e o sistema a ser governado. O sistema do governo é um sistema social e é feito por pessoas. Esse sistema não somente inclui as instituições, mas também seus instrumentos de operacionalidade e seus mecanismos. O sistema a ser governado é parcialmente natural e parcialmente social. Tal sistema inclui o ecossistema e seus recursos, sistema de uso e os stakeholders, estes últimos formam a coalizão política e institucional entre si.

No processo de governança interativa, é essencial conhecer as relações e interações entre os dois sistemas. O sistema social afeta mudança no sistema natural e os dois são interdependentes e vulneráveis. Os dois sistemas são capazes de limitar a potencialidade dos usuários dos recursos. Essa interação dos sistemas é coevolucionária, mas não é linear. Na várzea Amazônica, o sistema do governo inclui todas as instituições, tanto formais como informais, que nele atuam. O sistema a ser governado abrange tanto os RC como os usuários desses recursos. A interação entre os dois sistemas é extremamente importante para compreender a sustentabilidade dos recursos de várzea.

A teoria da governança interativa é um processo de aprendizagem (KOOIMAN, 2003, 2008; JENTOFT, 2007) no qual os atores envolvidos aprendem mutuamente e refletem juntos sobre esse processo. O resultado dessa interação é a governança eficiente dos RC e os conflitos são negociados com base em consensos e compromissos. As lideranças não são consideradas como exercício de autoridade, mas são de mediação e construção de consensos.

Dentro da teoria da governança interativa, Chuenpagdee e Jentoft (2009) elaboram um framework para avaliar governabilidade e suas limitações. Esses autores consideram a governabilidade como a capacidade do sistema para adaptar e responder às pressões internas e externas ou as demandas. Quando um sistema não consegue adaptar-se às mudanças ambientais que estão acontecendo ao seu redor, este sistema está com baixa governabilidade. Para uma análise mais completa, o sistema a ser governado pode ser dividido em dois subsistemas: sistema natural e sistema socioeconômico (CHUENPAGDEE; JENTOFT, 2009). O framework é para avaliar os resultados do desempenho (performance outcome) no processo de interação entre sistema do governo e o sistema a ser governado. Esse resultado depende da eficiência, efetividade, legitimidade e justiça do sistema do governo e a diversidade, complexidade, dinamicidade e escala do sistema a ser governado.

Governabilidade não é uma capacidade pronta e sem nenhuma possibilidade de mudança. Pelo contrário, ela muda com o tempo, dependendo de fatores externos e internos do sistema. Essa mudança pode acontecer, às vezes inesperadamente e às vezes por meio de uma ação deliberada. Quem governa não tem controle nem influência sobre os fatores externos. Somente por meio de esforços da ação coletiva e institucional esses fatores podem ser controlados ou influenciados.