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O conceito de recursos comuns (RC) e as questões relacionadas com a governança desses recursos são fundamentais para a sobrevivência da humanidade. A água, o ar e a floresta são recursos naturais partilhados por todos e a forma como as pessoas interagem, transformam ou usam esses recursos são fatores determinantes para a manutenção ou destruição destes. Os recursos comuns podem ser locais (exemplo um lago), nacionais (rios) ou transnacionais (mar). Desde a discussão trazida por Hardin (1968), a preocupação com a governança desses recursos tornou-se significante para os cientistas sociais de vários países. O uso dos recursos comuns está baseado em dois atributos: a dificuldade da exclusão dos beneficiários e a subtração para o seu uso (SCHLAGER, 1994; FEENY et al., 1990; BECKER; OSTROM, 1992, 2012; SEIXAS; ARAUJO; PICCOLO, 2013).

Os valores dos bens dependem em termos de como uma pessoa consegue excluir o outro beneficiário potencial daquele bem encontrado na natureza. Segundo Ostrom (2012, p. 130), recursos comuns incluem os bens que sejam suficientemente abundantes, tanto que a exclusão de potenciais beneficiários de utilizá-los é muito difícil. Uma pessoa pode excluir o outro por meio físico, cercando o bem. Mas a efetividade desse método depende do direito de propriedade legalmente conhecido e economicamente viável. A natureza dos bens e as instituições jurídicas presentes em cada local dos recursos também podem determinar a efetividade da exclusão dos usuários. No caso dos PAEs de várzea, onde os moradores possuem Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) da terra, podem legalmente proibir o uso dos recursos comuns ali presentes por outras pessoas da região que não pertencem aos PAEs.

Mas, a exclusão dos beneficiários ou limitação do uso dos RC é um problema por vários motivos, especialmente pela própria natureza do recurso. O recurso comum pode ser tão extenso e móvel que impossibilita a exclusão de alguns dos usuários. Por exemplo, recursos hídricos como rios que não têm como fechar ou cercar. Em outros casos, o custo de exclusão pode ser tão alto que esta não valeria a pena. Segundo Becker e Ostrom (1995), quanto maior a dificuldade da exclusão dos usuários, a ocorrência de atitude de free-riding (obtém vantagens a custo dos esforços dos outros) no uso dos RC também é maior.

Segundo Bromley (1992, p. 11), há uma diferença fundamental entre "recursos de acesso livre" e "recursos de propriedade comum", uma diferença que gira em torno do próprio conceito

de propriedade. Propriedade é uma reivindicação que assegura um fluxo de benefícios futuros. Não há nenhuma propriedade em uma situação de acesso livre, apenas a oportunidade de usar algo. O aludido autor considera que pessoas podem ver situações de acesso aberto e impropriamente considerá-las como de propriedade comum. Ao mesmo tempo, as pessoas têm visto os regimes de propriedade comum funcionando sem reconhecê-los como tal. Para Bromley (1992) o melhor exemplo de um regime de propriedade comum é o sistema de irrigação. Nesse sistema existe um grupo bem definido, cuja associação é restrita, um recurso a ser gerenciado como fluxo anual de benefícios e uma necessidade de gestão de grupo do capital social para ter certeza de que o sistema continua a produzir benefícios para o grupo. O verdadeiro problema é a ausência de regimes de gestão comunitária eficazes para permitir o uso sustentado da base dos recursos ao longo do tempo.

Recursos comuns incluem a pesca, vida selvagem, a água, fauna e florestas. É imprescindível delinear as características compartilhadas por esses recursos e para distinguir entre o recurso e o regime de direitos de propriedade em que o recurso é encontrado (FEENY et al., 1990). O valor das coisas depende do grau de subtração dos bens pelas pessoas. Por exemplo, se um pescador pescar uma tonelada de peixe, esse peixe não está disponível para os outros. Além disso, os RC podem ser quantificados em termo de unidades do recurso em estoque (SCHLAGER, 1994). Essas unidades podem ser subtraídas do estoque total do recurso. Por exemplo, um pescador pode subtrair uma tonelada de peixe do estoque total de peixe no mar. Essas unidades subtraídas são fluxos de um estoque de recursos.

Essa distinção entre o estoque de recursos e o fluxo de unidade dos recursos é relevante para analisar a capacidade regenerativa dos recursos renováveis, especialmente os recursos naturais da região Amazônica. Para manter a preservação dos recursos naturais, o grau de apropriação das unidades dos recursos deve ser menor do que o grau de capacidade generativa dos recursos. Quando um recurso não tem sua capacidade regenerativa naturalmente, qualquer subtração desse recurso pode levar a sua extinção, reduzindo a possibilidade das próximas extrações. Essa análise é tão significante em relação aos recursos naturais aquáticos, quanto aos demais recursos florestais da Amazônia.

Alguns RC podem ser caracterizados pelo seu grau de mobilidade das unidades dos recursos e a ausência de seu estoque. Por exemplo, peixe que migra ou fluxo de água do rio. O estoque significa a capacidade de estocar e manter a unidade colhida. Essas considerações são de extrema importância na construção do arranjo institucional no manejo dos RC, tais como os recursos hídricos (SCHLAGER, 1994; BEKER; OSTROM, 1995, p. 117).

Outro fator fundamental na análise dos RC é o valor do mercado desses recursos. Esse valor influencia a exploração dos recursos naturais. Os recursos que têm alto valor no mercado são mais explorados do que aqueles que não têm.

A gestão dos RC pelas instituições também depende do caráter físico ou biológico desses recursos (OSTROM, 2012, p. 130). Segundo Ostrom (2012, p. 129), uma instituição destinada para manejo de um recurso fixo, como minerais, tem mais dificuldade para administrar recursos biológicos, como o peixe, que tem inumeráveis espécies; ou floresta, que tem um ecossistema complexo. A gestão dos recursos da várzea Amazônica envolve todas essas características. A complexidade dos RC da várzea e a especificidade jurídica do local onde se encontram esses recursos precisam ser levadas em consideração na análise da gestão dos RC na região Amazônica. Não apenas o embasamento técnico e científico deve ser analisado na gestão dos recursos naturais da Amazônia, mas também é importante considerar as demandas específicas das populações que vivem nessas regiões.