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A natureza jurídica e a dominialidade da várzea são importantes para elaborar planos de proteção ou manejo dos recursos dessas áreas. Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 20, inciso III, são bens da União todas as correntes de água que banham mais de um Estado, bem como seus terrenos marginais, ou seja, os que contornam o seu leito. Como a calha do rio Amazonas cruza mais de um estado, é óbvio que as águas e os seus terrenos marginais são bens da União ou seja, possuem dominialidade federal. Portanto, a várzea é um bem público. Segundo o Código Civil Brasileiro (Lei nº. 10.406/2002) no seu artigo 99 classifica os bens públicos em:

II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Os bens dominicais que não são afetados e podem ter destinação para assegurar rendas ao estado.

Ainda, o artigo 100 do Código Civil Brasileiro considera que os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto, o artigo 101 afirma que os bens públicos dominicais podem ser alienados, observando-se as exigências da lei. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído conforme lei especial.

De acordo com os artigos da Lei nº 9.433/97, as águas são bens públicos de uso comum e não podem ser alienadas. Os terrenos de marinha e os marginais são considerados bens dominicais, que podem ser alienados. Ocorre que, a várzea é constituída por água – inalienável; e terreno de marinha – alienável. Eis a complexidade. É difícil permitir a alienação da parte que engloba e é adjacente à várzea, já que esta é terreno de marinha e incorpora a água (SURGIK, 2005, p. 26). Assim, a várzea comporta um sistema híbrido juridicamente. Essa peculiaridade deve ser considerada na gestão dos recursos comuns na várzea.

Os bens de uso comum, em tese, podem ser utilizados por qualquer sujeito em igualdade de condições com os demais membros de coletividade. Mas, pode haver hipóteses em que esses bens sejam utilizados por particulares com exclusividade. São três instrumentos estatais de outorga de uso privativo do bem comum – autorização, permissão e concessão.

Autorização de uso é o ato administrativo unilateral e discricionário, pelo qual a Administração consente, a título precário, que o particular se utilize do bem público com exclusividade (DI PIETRO, 2006, p. 658). Aqui a utilização não é conferida com finalidade pública, mas no interesse do particular.

A permissão de uso também é um ato unilateral, discricionário e precário, gratuito ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta a utilização privativa de bem público, para fins de interesse público (DI PIETRO, 2006, p. 660). Aqui, o uso privativo do bem incidente sobre bens de uso comum do povo. A permissão é conferida no interesse predominantemente público.

Concessão de Uso é um contrato administrativo pelo qual o Poder Público outorga a terceiro a utilização privativa de bem público, para que este a exerça conforme a sua destinação.

É um direito pessoal, podendo ser oneroso ou gratuito. A concessão exige licitação. Quando a concessão implica utilização de bem de uso comum do povo, a outorga só é possível para fins de interesse público.

No contexto de reforma agrária, o Contrato de Concessão de Uso é um documento provisória utilizado pelo Poder Público para “permitir a uma família beneficiária de terras pela reforma agrária os direitos de uso de uma terra e seus recursos naturais” (CARVALHO et al., 2013, p. 27)

Os bens dominicais podem ser utilizados por particulares por meio do instrumento da Concessão de Direito Real de Uso - CDRU. Segundo Di Pietro (2006), esse instrumento caracteriza-se por ser direito real resolúvel, que se constitui por instrumento público ou particular sendo inscrito e cancelado em livro especial. Poder ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado e a sua finalidade só pode ser a que vem expressa no artigo 7º, caput do Decreto-Lei nº 271/67 – urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social. É transferível por ato intervivos ou causa mortis e resolúvel, antes do termo se o concessionário der ao imóvel uma destinação diversa da estabelecida no contrato ou termo, ou descumprir cláusula resolutória do ajuste, perdendo, neste caso, as benfeitorias de qualquer natureza (DI PIETRO, 2006, p. 667).

No caso da várzea, os institutos mais adequados para que o Poder Público faça a cessão para o uso privado são: a Concessão de Uso, a Concessão de Direito Real de Uso e o direito de superfície. O uso desses instrumentos depende do interesse público e a limitação legal (BENATTI, 2005). Qualquer que seja a possibilidade de uso de várzea, o domínio é sempre da União e a transferência do usufruto para o ocupante se fará pelo contrato administrativo, assegurando os interesses ambientais da sociedade.

Enquanto os interesses ambientais da sociedade forem mantidos, o direito de uso não predatório de várzea é garantido aos beneficiários do contrato de concessão. Assim, enquanto o uso adequado da área, conforme o contrato, não for violado, os herdeiros dos beneficiários também possuem o direito de uso da área dentro de vigência do tempo do contrato (BENATTI, 2011). Mas por descumprimento das cláusulas do contrato, a área retorna para o domínio da Administração Pública.