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A gramática nos manuais didáticos e nos documentos oficiais

No documento 2018RosangelaHannel (páginas 42-47)

2.1 O estado do conhecimento: uma trajetória necessária

2.1.1 A gramática nos manuais didáticos e nos documentos oficiais

Neste tópico, reunimos estudos que objetivam explicitar e analisar como o ensino de gramática é abordado nos manuais didáticos e nos discursos oficiais que visam orientar o trabalho dos professores em sala de aula, temática recorrente nos materiais selecionados para o estado do conhecimento.

Silva (2008) analisou como os livros didáticos passaram a abordar gramática após a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Como objetos de análise documental foram selecionados os seguintes documentos e manuais didáticos: Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), do 1° ao 4°ciclo; projetos curriculares do Estado de Pernambuco, de 1.ª a 4.ª e de 5.ª a 8.ª séries e da cidade de Recife, de 1.ª a 8.ª séries; Guia de Livros Didáticos do Programa Nacional do Livro Didático - PNLD14, de 1997 a 2007; três coleções de livros didáticos de 1.ª a 4.ª séries, aprovadas pelo PNLD de 2007.

12 A opção pelo GT Alfabetização, Leitura e Escrita deu-se pela concentração de estudos vinculados à área da

linguagem.

13 Os trabalhos rastreados na Revista Brasileira de Educação (RBE) referem-se ao recorte temporal de 1995 a

2015, já que a primeira publicação da revista ocorreu no ano de 1995.

14Os Guias de Livros do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) são um dos documentos mais importantes

disponibilizados pelo MEC para auxiliar os professores na escolha dos livros didáticos para as escolas das redes de ensino municipais e estaduais. Nesses Guias, encontram-se resenhas e informações sobre cada obra aprovada para compor o Programa. Neste sentido, apresentam aos docentes análises, reflexões e orientações quanto ao conteúdo e à estrutura das obras e às suas potencialidades pedagógicas. Além de serem disponibilizados a cada rede de ensino de forma impressa, os Guias também podem ser acessados na versão digital no site do MEC.(http://portal.mec.gov.br/reuni/195-secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2007048997/12637-guias- do-programa-nacional-do-livro-didatico.Acesso em: 03/04/2018, às 10h 32 min)

Em relação aos livros didáticos, o autor analisou três conteúdos de análise linguística, frequentes nas coleções selecionadas, a saber: ortografia, classes de palavras e características de gêneros de textos, tipos ou suportes de texto. A abordagem de tais conteúdos previa: identificação, classificação, comparação, análise, produção, conceituação. Além disso, foi observada a unidade sobre a qual o aluno atuava nas atividades propostas: letra, sílaba, palavra, frase, oração e período, parágrafo, texto, conceitos/terminologias. Os conteúdos classes de palavras e ortografia foram os mais presentes nos manuais didáticos analisados por Silva (2008). Apoiado em estudos de Neves (2003), o autor partiu do pressuposto segundo o qual “os discursos acadêmicos mais recentes sobre o ensino de Português sugerem, em substituição ao estudo de nomenclaturas e classificações em si mesmas, a adoção, em sala de aula, de uma gramática relacionada aos usos da língua e, mais que isso, a serviço deles” (2008, p.26). Conforme ele, os livros didáticos apresentam tentativas de mudanças em relação ao ensino tradicional de gramática, embora não exatamente como têm sido defendidas pelos discursos acadêmicos.

Os projetos curriculares das redes de ensino e os Guias do PNLD (de 1997 a 2007), analisados por Silva (2008), também sinalizam para mudanças, já que os objetivos de ensino explícitos nesses materiais consideram que o ensino da gramática deve contribuir para o desenvolvimento de capacidades de leitura/escrita e de produção de textos orais e escritos. Em todos os projetos analisados, segundo o autor, há críticas ao ensino tradicional da gramática. Já nos Guias e nos livros didáticos, elas não aparecem de maneira explícita. O autor ressalta, também, que os Guias do PNLD consideram a presença de atividades que favoreçam a reflexão metalinguística como um dos critérios importantes para a qualidade dos manuais didáticos e, portanto, para a sua escolha. Ao referir-se à reflexão metalinguística, Silva (2008) remete esse conceito aos estudos de Gombert (1990, 2003), para quem a capacidade metalinguística é um subdomínio da metacognição, envolvendo tanto as atividades de reflexão sobre a linguagem e ao seu uso como as capacidades de controle e de planificação pelo indivíduo de seus próprios processos de tratamento linguístico (SILVA, 2008, p.36). Apoiado em pesquisas de Rey- Debove (1978), Silva (2008, p.33) aponta que a linguagem é usada não somente para falar do mundo e das coisas, mas também é usada para falar dela mesma, isto é, tem uma função metalinguística. O autor observa que, apesar de acenarem para a necessidade de uma reflexão sistemática, explícita e consciente sobre a língua no contexto da sala de aula, os livros didáticos analisados não a assumiam como uma tarefa com aquela envergadura.

A tese de Silva (2008) desdobrou-se em um trabalho apresentado na Reunião Anual da Anped, em 2009. No artigo, Silva e Morais (2009) procedem à análise documental dos livros didáticos aprovados pelo PNLD – 2007, com vistas a compreender como os manuais didáticos, legitimados pelas instâncias de poder, instituem determinadas concepções e práticas de ensino de gramática ou de análise linguística na escola nem sempre concernentes aos discursos acadêmicos e oficiais sobre o que se espera desse eixo estruturante do ensino da língua na escola. Segundo os autores, “as inovações observadas nos livros didáticos não substituíram, inteiramente, as ‘velhas’ maneiras de ensinar gramática, mas revelaram tentativas de mudanças em tempos de transição” (MORAIS; SILVA, 2009, p.14).

Uma pesquisa semelhante à de Silva (2008) foi a de Silva (2006), que também investigou o tratamento dado à análise linguística por autores de livros didáticos de Língua Portuguesa, destinados aos 3° (terceiro) e 4° (quarto) ciclos do ensino fundamental e recomendados no âmbito do PNLD de 2005. Mais especificamente, foram submetidas à Análise de Conteúdo, com base teórica em estudos de Bardin (1977), duas dessas coleções e o tratamento didático dado aos conteúdos: ortografia, pontuação, variação linguística e referenciação. De acordo com o autor, o critério de escolha das coleções foi a incidência dessas obras nas redes de ensino municipais e estaduais de Recife/PE. O objetivo da pesquisa foi estabelecer um diálogo entre os saberes acadêmicos que tratavam do eixo da análise linguística e a didatização proposta para o ensino da língua. Nas duas coleções, verificaram-se tentativas de um trabalho reflexivo, mas também a presença muito forte de um ensino de gramática voltado à definição de termos, estabelecimento de exemplos e atividades de repetição, característicos do ensino tradicional.

Nas áreas de Linguística e de Letras, localizamos três estudos relacionados ao tratamento dado ao ensino da gramática nos livros didáticos e/ou por diretrizes oficiais, a saber, Rodrigues (2011), Nóbrega (2012) e Santos (2015). A pesquisa de Rodrigues (2011) voltou a análise para as diretrizes do ensino da Língua Portuguesa estabelecidas por documentos oficiais, desde o ano de 1986 até o ano de 2009, tanto do Estado de São Paulo quanto do governo federal, procurando estabelecer paralelos entre eles. Além da análise dos documentos oficiais, a pesquisadora também entrevistou professores do Ensino Médio sobre as novas propostas curriculares para o ensino de gramática. As entrevistas versaram sobre o uso do material disponibilizado pelo Estado; o modo de trabalhar a gramática; a posição do professor em relação às diretrizes oficiais e à formação profissional. Dentre as conclusões mais importantes dessa pesquisa, destacam-se a falta de continuidade entre as propostas de educação, como é o caso da

Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008), que contradiz os PCN (BRASIL, 1998); a necessidade do estabelecimento de uma política pública em longo prazo, que assegure a continuidade de diretrizes para o ensino da língua portuguesa; o apreço pela gramática tradicional, evidente nas falas de todos os professores; a metodologia aplicada pelos professores, predominantemente tradicional, com uma clara defesa da memorização como uma prática necessária para o aprendizado. As posições da pesquisadora em defesa do ensino de gramática sustentam-se na concepção sócio-histórica da linguagem de Lev S. Vigotski, no conceito de enunciação de Mikhail Bakhtin e nas abordagens feitas por Geraldi (1981), Mendonça (2006), Bagno (1999; 2000; 2001), Possenti (1987; 1999), Marcuschi (1999; 2004) e Antunes (2007) do ensino da língua e da gramática na escola. Segundo a pesquisadora, o seu estudo “parte da concepção de linguagem como forma de interação e entende o ensino de gramática como o estudo que leva o aluno à percepção dos efeitos de sentido resultantes das construções linguísticas escolhidas numa situação enunciativa” (2011, p.12).

O estudo de Nóbrega (2012), por sua vez, teve como objeto de análise a concepção de gramática, presente no livro didático de Língua Portuguesa “A Escola é Nossa”, utilizado no 5° (quinto) ano do ensino fundamental, por escolas municipais de um município de Rondônia, confrontando-a com a concepção de gramática presente entre os professores. A autora, fundamentando-se “no conjunto de conhecimentos que caracterizam a gramática funcionalista” (2012, p.14), com base, especialmente em estudos de Neves (1997, 2002, 2004), Travaglia (2008) e Possenti (2007), verificou se a concepção de gramática veiculada pela obra e os objetivos propostos pelos PCN estavam em consonância, observando em especial se existe uma restrição do tratamento que simplifica o conteúdo gramatical em descrição. Aos professores foram aplicados questionários a fim de identificar as abordagens teóricas que orientavam o trabalho desenvolvido por eles.

Segundo conclusões da autora, o livro didático analisado ainda trata a gramática como um conteúdo isolado, revelando, portanto, uma prática questionável nos dias atuais. Para ela, há uma contradição entre o que a autora do livro propõe-se fazer, entre o que o PNLD verifica como aporte teórico satisfatório e a (pseudo) análise linguística realizada (2012, p.102). O livro didático analisado não partilha de abordagem reflexiva proposta pelo PCN, conforme pontua a pesquisadora. Por outro lado, os professores revelaram um conhecimento relativamente satisfatório das teorias linguísticas e isso, segundo ela, “potencialmente capacita os professores a sustentar os propósitos de uma educação linguística baseada na abordagem funcionalista, pautada nos propósitos defendidos pelos PCN (2012, p.103). Enquanto o livro fragmenta e isola

o componente gramatical, os professores defendem-no como subsidiário da produção textual e não como conteúdo desvinculado das experiências vivenciadas nas atividades de uso da linguagem. Para a pesquisadora, é importante que os professores tenham clareza sobre como a gramática funciona; por isso, defende o estreitamento das relações entre linguistas e pedagogos. Conforme salienta a autora, “as teorias linguísticas devem chegar aos ambientes escolares, motivando as bases para a construção do conhecimento e sobre a língua” (2012, p.104). Frisamos que, de acordo com a autora, a pesquisa não se estendeu ao domínio prático, pois avaliou a concepção de gramática explicitada nos discursos dos professores e não a sua concretização da prática.

No campo da Linguística, as pesquisas de Aparício (2006), Nóbrega (2012) e Santos (2015) dialogam com a Educação, uma vez que pesquisam temáticas que se aproximam e assumem caminhos metodológicos semelhantes. Este último investigou de que modo o ensino de análise linguística tem se modificado ao longo da última década e como os livros didáticos incorporaram essas mudanças. A pesquisa, de natureza documental, teve como corpus o Guia do Livro Didático de Português, do PNLD, do Ensino Fundamental II, dos anos de 2005, 2008, 2011 e 2014, e a Coleção “Português: linguagens”, de Cereja e Magalhães, única presente em todas as edições do PNLD, uma das mais escolhidas entre os professores do ensino fundamental, do 6° (sexto) ao 9° (nono) ano, em uma cidade do Estado do Paraná, a coleção sendo uma das mais distribuídas nacionalmente pelo PNLD é, portanto, representativa de como e do quanto as mudanças nos princípios e critérios do PNLD podem ter impactado na produção e na concepção do livro didático de Português (2015, p.50).

O estudo, segundo Santos (2015), partiu do questionamento sobre como as teorias linguísticas, pós-virada pragmática, chegam até a sala de aula e influenciam os modos de ensino de gramática. Tais teorias, assumidas como base para a sua análise, concebem a língua “como uma atividade, um processo discursivo e não como um produto fechado” (SANTOS, 2015, p.16) e constituem a perspectiva enunciativa e discursiva da linguagem, segundo a qual a interação verbal é a realidade fundamental da língua que se manifesta por meio da enunciação. Figuram entre as suas referências: Bakhtin (2009, 2011), Geraldi (1984), Castilho (2003), Faraco (2003), Marcuschi (2003), Neves (2006, 2010), Antunes (2003). O trabalho constata que o ensino da gramática numa perspectiva de análise linguística não se efetiva na coleção analisada. Conforme a autora, ainda prevalece, com muita frequência, um ensino prescritivo em detrimento de uma abordagem reflexiva e analítica da língua.

A pesquisa de Santos (2015) mostrou que, em dez anos, o PNLD aprimorou a compreensão do trabalho discursivo/pragmático com os conhecimentos linguísticos e, consequentemente, a perspectiva e os procedimentos de análise. Há, conforme a autora, um refinamento na compreensão dos conceitos que foram base para a elaboração do PNLD. Por outro lado, o livro didático, apesar de o Manual do Professor indicar uma inovação nas práticas de ensino de gramática, permanece muito preso a uma abordagem tradicional, principalmente no que diz respeito à apresentação dos conceitos e às propostas de exercícios. Ela ressalta, porém, que as propostas de reflexão textual, semântica e discursiva, estão se tornando cada vez mais acertadas e recorrentes ao longo dos anos. Mesmo assim, quando se trata de estudar conteúdos gramaticais, a metalinguagem, circunscrita ao nível frasal, ganha destaque.

Frisamos que os estudos que abordaram a temática do ensino da gramática nos livros e manuais didáticos, bem como em alguns documentos curriculares orientadores acerca de seu ensino, trazem resultados bastante semelhantes. Os documentos oficiais mantêm um discurso pautado nas inovações, na concepção de língua numa perspectiva discursiva e interacionista, porém, essas inovações não se efetivaram completamente nos manuais didáticos utilizados pelos professores. Os trabalhos revelaram que ainda predomina um ensino prescritivo, em que os conceitos são apresentados prontos, acompanhados por uma lista de exercícios que não possibilita uma reflexão sobre a gramática. Portanto, há um distanciamento entre as recomendações dos documentos norteadores e a efetivação de propostas didáticas que contemplem essas orientações ou concepções teóricas nos manuais didáticos. Isso indica que a didática do ensino da gramática permanece um desafio também quando se pensa em manuais didáticos e documentos norteadores do ensino.

No item que segue, trazemos as perspectivas de alunos e pais sobre a relevância do ensino da gramática na escola, temática de interesse da área da Linguística. Já na área da Educação, visualizamos uma preocupação maior com as concepções dos professores a respeito da importância da gramática nas aulas de Língua Portuguesa.

No documento 2018RosangelaHannel (páginas 42-47)