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As vozes de alunos, pais e professores acerca do ensino da gramática na escola

No documento 2018RosangelaHannel (páginas 47-54)

2.1 O estado do conhecimento: uma trajetória necessária

2.1.2 As vozes de alunos, pais e professores acerca do ensino da gramática na escola

Embora pouco frequente nas pesquisas, o ensino de gramática na ótica de alunos e pais foi localizado em nossa revisão bibliográfica. Dois estudos abordam as representações e as expectativas dos discentes do ensino fundamental e do Ensino Médio, bem como dos pais de

alunos do Ensino Médio. Os estudos foram desenvolvidos por Montemór (2008) e Ferreira (2008), na área da Linguística.

Montemór (2008) investigou não apenas a importância de estudar gramática para a vida profissional, mas também observou se existem diferenças entre as representações dos alunos da rede pública e da rede privada, no que se refere à utilidade da gramática. Com isso, o estudo também teve o propósito de refletir se os professores de Língua Portuguesa devem ou não privilegiar o ensino das regras da língua padrão. O trabalho de Montemór (2008) evidenciou que os alunos tanto das instituições públicas quanto privadas consideram útil a aprendizagem da teoria gramatical, pois entendem que, ao aprender tal teoria, poderão conhecer e dominar a norma padrão da língua. Os alunos afirmaram, também, que isso iria beneficiá-los em suas vidas profissionais.

No estudo de Montemór (2008), o caminho metodológico assumido foi a pesquisa interpretativista e de diagnóstico. Os sujeitos da pesquisa foram os alunos do 3° (terceiro) ano do Ensino Médio de uma escola particular e de escola pública, ambas localizadas em Pindamonhangaba/SP. Segundo a autora, foram confrontadas as respostas dos alunos da rede pública com as dos alunos da rede privada. Para que isso fosse possível, primeiramente, a autora desenvolveu uma pesquisa piloto, na qual perguntou aos alunos do 3° (terceiro) ano do Ensino Médio, jovens entre 16 e 17 anos, de uma escola privada, se gostariam de ter aulas extraclasses sobre teoria gramatical. Pontua a pesquisadora que 90% dos alunos disseram ser favoráveis a ter aulas sobre a gramática, em horários extras. A partir disso, houve uma conversa informal para verificar as concepções dos alunos sobre as aulas de gramática, a sua importância na vida escolar e profissional. Com base nas falas mais recorrentes, elaborou-se um questionário de múltipla escolha, que serviu como apoio para a análise dos dados. Os dados foram tratados de forma qualitativa, também foi realizada uma análise estatística dos valores numéricos obtidos, a partir dos questionários aplicados.

A autora conclui que tomar a teoria gramatical como um conhecimento importante que contribui não apenas para o domínio da norma padrão, mas também para a capacidade de adequar a linguagem a diferentes contextos comunicativos é necessário. Revela, ainda, o valor social atribuído ao domínio da língua padrão pelos sujeitos ouvidos. Montemór (2008) recupera diferentes estudos sobre o ensino de gramática como para abordar a história da gramática recorre a Auroux (1992), Neves (2004) e Fávero (1996); sobre a crise do ensino de Língua Portuguesa a autores como Bechara (2005), Leite (1999) e Travaglia (2003); para analisar a utilidade do ensino de teoria gramatical, assume as considerações de Vigotski ( 2005) sobre

pensamento e linguagem e formação de conceitos; e apoia-se em estudos de Lipman (2001) para discutir a natureza do pensamento crítico. A autora justifica a utilização de teorias de diferentes procedências pela intenção de “promover a imbricação entre estas e o ensino da teoria gramatical na escola” (MONTEMÓR, 2008, p.19).

Já o estudo de Ferreira (2008)15 diferencia-se do trabalho anterior porque, além de considerar o que pensam os alunos do Ensino Médio, investigou também o posicionamento dos pais desses alunos acerca do ensino da gramática. Segundo a pesquisadora, o interesse pelo tema surgiu devido às constantes reclamações e aos questionamentos de pais e alunos face ao material didático utilizado, pois não apresentava teoria gramatical e limitava as aulas ao ensino de leitura e produção de textos. Muitos pais, inclusive, afirmavam, conforme mostra o estudo, que os seus filhos não estavam aprendendo “português”. Os dados revelaram que a maioria dos pais e dos alunos atribuiu uma significativa importância para o ensino e o domínio de regras da norma culta e considerou que, além de atividades de leitura e produção de textos, as aulas de língua portuguesa deveriam contemplar aulas de gramática. Para muitos alunos, professores e pais ensinar português significa ensinar gramática.

Ferreira (2008) investigou as expectativas de pais e alunos com relação ao ensino de Língua Portuguesa e utilizou, como caminho metodológico, a pesquisa qualitativa e, como instrumento de levantamento de dados, entrevistas, contendo perguntas objetivas a respeito da importância do ensino da teoria gramatical nas aulas de Língua Portuguesa. Foram sujeitos da pesquisa pais e alunos das três séries do Ensino Médio de uma escola da rede particular de ensino do sul de Minas Gerais. Ressaltamos que tivemos acesso apenas ao resumo desta dissertação.

Frisamos, no entanto, que os resultados apresentados pelas duas pesquisas mostraram a importância atribuída ao ensino da gramática, seja pelos alunos das escolas privadas e públicas, seja pelos pais. Eles consideram a aprendizagem da norma padrão da língua necessária ao bom desempenho no uso da língua e para a vida futura. Estudar a língua padrão é visto como uma forma de aprender português e, fundamentalmente, uma ferramenta importante para o desenvolvimento pessoal, social e profissional. Ambas revelam o caráter da tradição que o ensino da gramática mantém em nossa sociedade. Aprender gramática significa aprender a falar e escrever corretamente e isso figura como condição para o desenvolvimento do cidadão.

15Não foi possível acessar o texto completo de Ferreira (2008). O estudo foi desenvolvido na Universidade de

Taubaté – São Paulo (UNITAU). Conforme o que informa o site da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Universidade, o arquivo somente é liberado para alunos da instituição ou está retido por ordem do autor. As informações que trazemos neste texto foram identificadas no resumo.

As concepções dos professores sobre o ensino de Língua Portuguesa aparecem como temáticas pertinentes nos estudos da área da Educação. Lima (2013) investiga as representações sociais de professoras dos anos iniciais do ensino fundamental, do 1° (primeiro) ao 5° (quinto) ano, do sistema público de um município do Estado de Goiás, sobre o processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa na escola. Para tanto, recorre à Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 2003) e a conhecimentos dos campos de estudo sobre formação de professores e linguagem. Para a compreensão das representações dos professores, a autora busca referências em estudos de Bakhtin (2006), para quem “a prática discursiva não é uma ação individual, ela é de natureza social, pois está ligada às condições de comunicação e estão entrelaçadas às estruturas sociais” (LIMA, 2013, p.4), e em pesquisas de Vygotsky (2006, 2007), com vistas a destacar o conceito de mediação e a importância da interação na construção de significados sobre o mundo (2013, p.5).

Considerando como pressuposto o fato de que o livro didático é um dos materiais mais utilizados pelos professores, além de ser um dos meios principais de acesso à cultura letrada, tanto dos docentes quanto dos alunos, e também entendendo que o uso desse material na maioria das escolas brasileiras pode estar relacionado à formação inicial, Lima (2013) desenvolve um trabalho de campo em dois cursos de licenciatura em Letras, de instituições públicas de ensino superior de Recife: a UFRPE e a UFPE. Ao longo de três anos, foram realizados 156 contatos com professores para alcançar os índices de representação social deles. Ao iniciar com o estudo piloto para conhecer o universo nocional, foram realizadas entrevistas com seis professoras; na segunda fase, foram contatadas 100 professoras, valendo-se da técnica de associações livres para identificar a estrutura das representações sociais; na terceira fase, 50 professores foram entrevistados, o que possibilitou identificar o conteúdo representacional em formato contextualizado. As falas dos professores foram gravadas, transcritas e organizadas com o auxílio de dois programas computacionais: o software EVOC, usado para processar o material coletado com a técnica de evocações livres, e o software ALCESTE, utilizado para processar os textos recolhidos através das entrevistas.

A autora concluiu que, para os sujeitos da pesquisa, o ensino e a aprendizagem da língua portuguesa é constituído por elementos apoiados na valorização social do uso apropriado da língua na sociedade e nas práticas de leitura realizadas em sala de aula. De acordo com Lima (2013), as professoras consideram o fomento à leitura um dos princípios fundamentais a ser desenvolvido nas aulas de língua portuguesa, já que essa prática orienta outras práticas, como a escrita de textos.

Albuquerque (2015) aproxima-se do trabalho de Lima (2013). A pesquisa de Albuquerque (2015) assumiu conceitos da Análise do Discurso de linha francesa, abordados por Orlandi (2010,1990), Foucault (1985; 2008), Pêcheux (1995) e Maingueneau (2005), para identificar a imagem de profissionalidade que os docentes carregam e propagam, seja enquanto atuam em sala de aula ou quando falam sobre a sua profissão. Os sujeitos dessa pesquisa são docentes de cursos de licenciatura em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa, de universidades públicas federais situadas no Estado de Pernambuco. Segundo a autora, 18 professores autorizaram a observação de aulas e 11 deles preencheram questionários. O estudo também analisou materiais produzidos por agências multilaterais sobre o ensino superior, a saber: um relatório do Banco Mundial e uma Declaração da UNESCO. Albuquerque (2015) afirma que, entre os formadores de professores, prevalece a visão de profissionalidade que visa superar a imagem do docente transmissor de conhecimentos especializados para incorporar a figura do profissional do ensino que deseja ensinar aos futuros profissionais da educação básica as habilidades de linguagem escrita, necessárias ao desenvolvimento de uma vida mais plena, na qual possam utilizar essas ferramentas para agir em sociedade. Com isso, o autor deu visibilidade ao fato de que boa parte dos professores tem o desejo de melhorar as suas práticas e tornar-se um profissional que possa garantir aos alunos um ensino de qualidade.

Albuquerque (2015) e Lima (2013) revelaram a importância do ensino da Língua Portuguesa devido ao valor social e cultural que essa disciplina impõe para a vida em sociedade e para o desenvolvimento de habilidades necessárias ao uso da língua. Além disso, ficou evidente, também, que as práticas de leituras assumidas pelos professores em sala de aula são um meio de oferecer aos alunos conhecimentos que poderão ser necessários para viver na sociedade atual e que a gramática é vista como um conhecimento que leva ao domínio da norma culta, conhecimento considerado de extrema importância para agir em sociedade.

Encontramos ainda dois estudos que apresentam uma aproximação com a temática estudada por Albuquerque (2015) e Lima (2013). Tratam-se dos trabalhos de Duarte (2014) e Cavalcanti (2015). O primeiro deles teve como objetivo analisar as relações que se estabelecem entre as concepções de linguagem do professor de Língua Portuguesa e a prática de ensino de análise linguística. Para atingir esse propósito, o pesquisador analisou as concepções presentes nos materiais didáticos, nos documentos oficiais, nos Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco, bem como os diários de classe de professores. Para compreender a relação que se estabelece entre a teoria e a prática em relação ao trabalho com a análise linguística, ele também acompanhou as aulas de duas professoras da rede estadual de ensino de

Olinda/Pernambuco, que trabalhavam com turmas de alunos do 6° (sexto) e 9° (nono) ano do ensino fundamental, as quais também concederam entrevista ao pesquisador. Para Duarte (2014), não existe uma linearidade entre a concepção de linguagem que norteia o trabalho de cada professora e a prática de análise linguística efetuada em sala de aula. Afirma ainda que entre o domínio da teoria e a efetivação da prática podem haver muitas variáveis, dentre elas as escolhas didáticas do professor e as condições oferecidas pelas redes de ensino.

Cavalcanti (2015), por sua vez, objetivou identificar as concepções de língua, ensino e currículo nas propostas curriculares para o ensino de Língua Portuguesa em uma escola do MST (Movimento dos Sem Terra). O estudo buscou também verificar as concepções de língua e currículo dos professores e as suas metodologias de trabalho em relação às especificidades da língua. Segundo o que afirma Cavalcanti (2015), os três professores investigados, que atuavam no ensino fundamental II de uma escola de rede municipal, localizada em um assentamento, não possuíam conhecimentos sobre as propostas educativas do MST, assim como não tiveram acesso aos documentos oficiais do movimento que abordassem reflexões sobre o ensino de língua naquela realidade.

Com base em estudos de autores que assumem a perspectiva do ensino respaldados pela Linguística, especialmente Antunes (2002), Geraldi (1997; 2009), Soares (2002) e Suassuna (2006), em Apple (2006) e Moreira (2003) e seus estudos sobre currículo, e em Arroyo (1999, 2005), Caldart (2009) e Fernandes (2009) sobre a educação no campo, Cavalcanti (2015) reitera que os professores organizam os seus trabalhos a partir das concepções que possuem sobre a língua. E entre essas concepções figura uma ideia de língua como algo que precisa ser ensinado para que os alunos possam interagir na sociedade, sendo aceitos por ela. Entre as três professoras pesquisadas, duas valorizam procedimentos didáticos próximos do ensino numa perspectiva tradicional.

Assinalamos que ambas as pesquisas abordam o distanciamento entre as concepções teóricas a respeito da língua e a prática realizada pelo professor em sala de aula. Nelas, é destacada a fragilidade dos professores em incorporarem em suas práticas as concepções teóricas que eles próprios defendem. Existe um afastamento entre o que diz sobre o ensino da língua e o que se faz na sala de aula. Estudos dessa natureza também apontam para a necessidade de avançarmos na discussão acerca da didática da língua, das questões metodológicas que permeiam o ensino da gramática, em especial, para criar oportunidades aos professores realizarem, em sala de aula, um ensino produtivo e eficiente aos alunos.

O estudo de Soares (2011), que abordou as crenças dos professores das séries iniciais do nível fundamental de uma rede municipal sobre o ensino de gramática, ajuda a compreender essa aparente contradição. Os dados indicam que, por um lado, os professores compreendem que o ensino da gramática precisa estar atrelado aos usos reais da língua; por outro, que muitas crenças dos professores estão ancoradas, visivelmente, em preceitos tradicionais. De acordo com o que relata Soares (2011), segundo os professores entrevistados, para que uma boa aula de gramática ocorra, é preciso considerar os seguintes fatores: estar relacionada com a realidade do aluno; haver motivação e interação entre os alunos; verificar-se a necessidade de assimilação dos conteúdos gramaticais, o acompanhamento do livro didático e a resolução dos exercícios que ele propõe e a manutenção da diversidade textual nas aulas. O estudo aponta também que as crenças dos professores em relação ao ensino de gramática têm relação direta com o processo formativo, as experiências vividas e o investimento acadêmico ao longo da carreira profissional.

As pesquisas de Duarte (2014), Soares (2011), Cavalcanti (2015) adotaram as mesmas bases teóricas na abordagem das concepções de linguagem, a saber: Bakhtin (2010), Travaglia (2006), Geraldi (1984), Marcuschi (2007). Na discussão sobre o ensino da gramática e a análise linguística, os autores recorreram, fundamentalmente, a Travaglia (2001; 2004; 2006), Geraldi (1984), Antunes (2002; 2009;2007) e Neves (2004; 2007).

Outro estudo que caminha na mesma direção, publicado nos Anais da Anped Nacional, é o trabalho de Silva (2012), que analisou os depoimentos de professores dos anos iniciais do ensino fundamental sobre o ensino da gramática, procurando focalizar mudanças em relação ao ensino tradicional da gramática escolar. Em conformidade com Silva (2012), as mudanças estão sendo incorporadas nos discursos dos professores, pois, nos depoimentos, eles expressaram as intenções de realizar um trabalho “prazeroso” de aspectos normativos, “a partir de textos” e no esforço de não identificação com a transmissão de regras e categorias gramaticais desvinculadas dos textos”, porém, na prática, segundo o autor, os professores não conseguem incorporar os discursos oficiais e tendem a manter um ensino tradicional, já que ainda existe uma crença de que é importante aos alunos aprender a reconhecer, classificar palavras e utilizar uma nomenclatura, pois isso ajudaria os estudantes a tornarem-se melhores leitores e produtores de textos.

Silva (2012) observa que, ao serem questionados se articulavam as aulas de gramática às atividades de leitura e produção de texto, todos os docentes responderam afirmativamente e a maior parte dos entrevistados afirmou também que usava os textos para extrair-lhes palavras de determinadas classes gramaticais. Conforme o pesquisador, isso mostrou que professores

usavam o texto como pretexto para o ensino da gramática. A pesquisa revelou que, para os professores, essa seria uma forma renovada de ensinar gramática, uma vez que as palavras não seriam mais apresentadas isoladamente, mas retiradas de um texto.

Ainda em relação à articulação entre o ensino de gramática e o trabalho com a leitura e a produção de textos, o estudo apontou que algumas docentes mencionaram que realizavam, em sala de aula, atividades de revisão dos textos produzidos pelos alunos e, nessas revisões, consideravam alguns aspectos gramaticais, como pontuação, escrita correta de palavras, os significados das palavras, o sinônimo, a conjugação dos verbos. Todos os docentes revelaram, em seus depoimentos, ter mudado a sua forma de ensinar gramática; a metade deles afirmou que a mudança relacionava-se ao uso de textos para as aulas de gramática. Convém destacar que os professores participantes dessa pesquisa tinham formação em Pedagogia, com exceção de um, sendo que dois deles já haviam realizado curso de pós-graduação na área de educação. Com base nos estudos apresentados neste tópico, é possível verificar que, apoiados na tradição, alunos, professores e pais entendem que a gramática deve ser ensinada na escola, porém, os estudos sinalizam as fragilidades dos professores para estabelecer uma aproximação coerente entre as perspectivas teóricas e as possibilidades metodológicas que envolvem o processo de ensinar e aprender a gramática.

Na seção a seguir, apresentamos outro núcleo de investigações que envolve o ensino da gramática, voltado mais especificamente ao âmbito da relação entre a formação de professores de Língua Portuguesa e a sua atuação em sala de aula.

2.1.3 Formação de professores de Língua Portuguesa e o ensino da gramática: fragilidades e

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