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Dispositivos metodológicos que instrumentalizaram a investigação e a elaboração de

No documento 2018RosangelaHannel (páginas 140-148)

Como compreender os movimentos que produzem as crianças quando as reflexões metalinguísticas são acionadas por elas ou pela professora, no curso de uma organização didática que objetive potencializar e desencadear essas reflexões? Não há dúvidas de que a tarefa é complexa e desafiadora.

Para ser possível retratar esse fenômeno, organizamos um conjunto de dados, com a intenção de responder à nossa problemática. Nesta seção, portanto, temos o propósito de expor a geração e a produção dos dados da pesquisa, os quais sinalizam o percurso da investigação que ocorreu em espaço escolar. Temos clareza que organizar o conjunto de materiais construídos durante o trabalho de campo exige um olhar especial do pesquisador, pois sabemos

que diz respeito a um conjunto complexo de informações. Além disso, explicitaremos a forma de organização para a análise dos dados: episódios de interação.

A geração de dados é o momento em que se obtém as informações necessárias que, posteriormente, comporão o objeto de análise. Em vista disso, esse procedimento exige muita seriedade e planejamento do pesquisador, uma vez que é preciso prever que aspectos serão colocados em discussão e quais informações são necessárias para fazê-lo. Ao abordar a questão da geração dos dados, Moroz (2002) destaca que o pesquisador precisa planejar o modo como vai proceder. A autora afirma:

Não há a priori uma forma adequada de coletar os dados; o pesquisador deve considerar seu problema de pesquisa e escolher, em função deste, a melhor forma de obter as informações que lhe permitirão respondê-lo, levando em conta as características específicas de sua pesquisa, o tempo disponível, os recursos financeiros que possui, os recursos humanos com os quais vai contar, etc. (MOROZ, 2002, p. 62).

De acordo com o que expressamos anteriormente, elaboramos, em conjunto com a professora da turma do 4° (quarto) ano, uma SDG para ser desenvolvida com as crianças. Essa SDG foi planejada durante encontros presenciais que ocorreram entre os meses de julho e agosto de 2016. A SDG foi desenvolvida durante as aulas de Língua Portuguesa, nos meses de outubro, novembro e dezembro do mesmo ano, sendo que foram necessárias doze aulas para a sua realização. Essas aulas foram videogravadas, resultando em 18 horas e 17 minutos de gravação.

Acentuamos, ainda, que os dados foram gerados mediante um conjunto de registros escritos, fotografados e filmados. No que diz respeito aos registros escritos, destacamos o uso do Diário de Campo, a descrição dos vídeos e as suas transcrições, materiais produzidos pelas mãos das pesquisadoras. Em relação ao uso dos recursos filmados ou fotografados, Minayo (2004) afirma que esse tipo de registro amplia o conhecimento do estudo, porque proporciona documentar situações que ilustram o cotidiano vivenciado, assumindo um papel importante na organização dos dados. Sobre o uso do Diário de Campo, Minayo (2004) frisa: “[...] é um instrumento ao qual recorremos em qualquer momento da rotina do trabalho que estamos realizando [...]”. Nele diariamente podemos colocar nossas percepções, angústias, questionamentos e informações que não são obtidas através da utilização de outras técnicas (MINAYO, 2004, p.62).

Além da utilização desses recursos, também temos os registros escritos das crianças, produzidos por elas durante o desenvolvimento da SDG. Em relação a esse material,

destacamos que foram selecionados para a análise: a) registros individuais: opinião sobre Pedro Malasartes; primeira e segunda produção do artigo de opinião; b) registros coletivos: informes sobre “oração”, protocolos de observação da língua; mural das aprendizagens e mural dos objetivos.

Para procedermos à seleção de informações que comporiam os dados de análise, considerando a nossa problemática de pesquisa, primeiramente, assistimos a todos os vídeos produzidos durante a aplicação da SDG, fizemos uma descrição resumida de cada um deles, além de uma leitura detalhada dos registros escritos das crianças, bem como do diário de campo elaborado. A partir desse olhar minucioso, selecionamos cenas e registros escritos das crianças e da pesquisadora, considerando, para isso, as reflexões metalinguísticas acionadas tanto pelas crianças quanto pela professora, nos processos de relações dialógicas que ocorrem na sala de aula, que indicam o potencial da proposta didática posta em ação pela professora.

Para a organização dos dados, nem todos os materiais produzidos foram utilizados, especialmente as gravações em vídeos. No entanto, esses materiais ficarão guardados em um banco de dados que o GEPALFA dispõe para que possa ser utilizado em estudos futuros. Frisamos que o recorte dos materiais é um procedimento necessário, considerando a quantidade de informações que são coletadas e, fundamentalmente, o foco da investigação.

Nesse contexto de produção e de organização da análise de dados, salientamos que retratar os movimentos de aprendizagem que acontecem na dinâmica da sala de aula tem sido um desafio constante para aqueles que se propõem, com seriedade, a dar maior visibilidade aos processos de interação que ocorrem nos espaços escolares. Para o pesquisador, não é uma tarefa fácil fazer a exposição dos dados de modo que não venha a prejudicar o alcance dos objetivos a que se propôs, já que busca revelar, com a maior clareza e veracidade possível, os movimentos, as ações, os conteúdos, as vozes dos sujeitos e, especialmente, as aprendizagens que ocorrem nesses espaços.

Para o GEPALFA, isso é um desafio. Por isso, temos discutido intensamente uma forma de exposição das pesquisas que realizamos. Essas pesquisas contemplam os espaços de educação formal, seja na Educação Infantil, seja nos anos iniciais de escolarização. Somos desafiadas a pensar caminhos metodológicos que, de fato, consigam dar visibilidade a esses movimentos e que, fundamentalmente, respeitem as construções elaboradas nesses espaços, especialmente as vozes e as elaborações linguísticas das crianças, foco de nossas investigações.

Com muita frequência, perguntamo-nos se o modo como estamos organizando os nossos estudos está traduzindo o motor desses movimentos de aprendizagens, ou ainda: estamos

construindo uma estratégia adequada de percepção e de exposição dos fatos que ocorrem nos espaços de aprendizagem? Na verdade, o nosso interesse é reconstruir, em uma linguagem acadêmica, os processos de aprendizagem que ocorrem na sala de aula. Desejamos expor o que observamos na pesquisa de campo de modo que os nossos interlocutores possam também compreender esses processos e usá-los como possíveis caminhos de transformação de suas práticas, sejam elas de pesquisa ou de ensino. Por isso, entendemos que o nosso compromisso com os fatos exige uma constante vigilância na escrita, na forma de exposição e na análise dos dados que apresentamos.

Neste sentido, o GEPALFA tem utilizado uma forma de tratamento dos dados denominada “episódio de interação”, que busca possibilitar a produção dos dados de modo respeitoso e comprometido com os processos de interação e de aprendizagem ocorridos nas salas de aula, bem como um modo de exposição que permita aos nossos leitores sentirem-se envolvidos em todo o processo investigativo e, ainda, sendo capazes de reconhecer as potencialidades de nossas crianças no que se refere à construção de conhecimentos. Portanto, além de objetivarmos olhar para esses processos de aprendizagem e apontar o que e como as crianças aprendem, buscamos, intensamente, uma forma de exposição dos dados que se apoie na ética da pesquisa que se faz com crianças e com professores e na aproximação da realidade de forma mais verdadeira e legítima.

Mesmo tendo clareza que nenhuma pesquisa consegue revelar todos os movimentos e que, em certa medida, todas elas serão sempre incompletas, no sentido de “dizer” tudo o que aconteceu a respeito de um determinado fenômeno, já que sabemos que a realidade nunca será revelada por completo, a escolha por episódios de interação tem sido um caminho possível e pertinente para o tratamento dos dados. Para o GEPALFA, na dinâmica das interlocuções entre os pares, os sentidos vão sendo construídos e a estrutura de um episódio favorece a explicitação dessas interações e desses movimentos. Na verdade, o GEPALFA pretende atingir uma clareza conceitual que expresse o episódio de interação como uma unidade de análise, que busca compreender as ações, os movimentos, as construções e as reconstruções dos sujeitos, em situações de interação, em diferentes contextos.

Ao refletirmos sobre a construção de um episódio de interação é pertinente ter clareza que ele deve contemplar uma série de elementos que possam dar visibilidade aos fenômenos que ocorrem na sala de aula. Por isso, ao optarmos pelo tratamento dos dados a partir de episódios de interação, é relevante problematizar algumas questões com o intuito de

aproximarmo-nos, ao máximo, de uma elaboração conceitual pertinente com o que desejamos expor nos episódios interativos.

Três questões parecem-nos essenciais quando pensamos em episódios de interação, a saber: a função de um episódio; o conteúdo que ele poderá abordar e a estrutura que deverá possuir. No que diz respeito ao propósito de um episódio de interação, entendemos ser o de apresentar o processo pelo qual as crianças constroem e reconstroem, aperfeiçoam, elaboram e reelaboram conhecimentos que estão sendo abordados no contexto da sala de aula, por meio das interações que ocorrem entre todos os sujeitos envolvidos nesse processo.

Para Bakhtin (1997), as relações dialógicas são relações de sentido, o que, implica, portanto, estabelecer relações de sentido com a palavra do outro. Nos episódios de interação que elaboramos, temos a intenção de trazer à tona essas produções de sentidos, mediadas pela palavra não apenas da professora, mas também das crianças. Destacamos que as relações de sentido ocorrem não apenas mediante as produções de enunciados integrais, mas também por meio de uma única palavra ou mesmo pelo silêncio ou por gestos produzidos nesses contextos de interação. Bakhtin salienta que “as relações dialógicas podem penetrar no âmago do enunciado, inclusive no íntimo de uma palavra isolada se nela se chocam dialogicamente duas vozes” (1997, p. 184).

Em relação ao conteúdo, frisamos que o GEPALFA foca os seus estudos na área da linguagem, em processos de ensino e aprendizagem da língua oral e escrita. Portanto, os conteúdos dirão respeito a esses processos de aquisição e desenvolvimento da língua, seja em propostas intencionais e planejadas pelo professor ou pesquisador, seja em observações de situações não planejadas. Neste sentido, o desenvolvimento da linguagem, as construções linguísticas das crianças, as reflexões que fazem sobre o funcionamento da língua, o movimento didático promovido pelo professor em sala de aula são objetos de estudo centrais em nossas investigações.

Outra questão que se impõe ao pensarmos a constituição de um episódio diz respeito à sua estrutura, ou seja, o modo de exposição dos movimentos ocorridos na sala de aula e quais os recursos linguísticos seriam necessários para organizá-lo. No que concerne a essa questão, poderíamos afirmar que um episódio de interação deve contemplar diferentes elementos em sua constituição: as vozes dos alunos e da professora, os gestos, as imagens, o contexto situacional do episódio (o começo, o desenvolvimento e o fechamento), o objetivo das propostas didáticas que estão ali sendo descritas, o conteúdo explorado (quando há um trabalho pedagógico intencional – no nosso caso, a SDG), os registros efetuados, sejam eles da pesquisadora, sejam

dos alunos, os comentários esclarecedores da pesquisadora com vistas a recompor aspectos não presentes nas fontes coletadas, transcrições das filmagens e informações extraídas dos diários de campo, dos registros individuais ou coletivos das crianças.

Nas palavras de Bortolini, Bica e Perin:

O episódio é composto por um fio condutor percebido a partir da intencionalidade dos sujeitos diante de um motivo. Portanto, é resultado de uma atividade que, apesar de materializar-se a partir do conjunto de ações objetivadas que buscam sanar uma necessidade de aprendizagem sobre a língua, prioriza respeitar as múltiplas vozes e as interações que emergem do contexto de uma sala de aula, atendo-se aos movimentos tanto do professor quanto dos alunos. Destarte, um episódio pode ser composto por cenas de diferentes aulas, a partir dos mais distintos movimentos dos sujeitos, desde que seja conduzido na temperança entre o macro e o micro, ou seja, entre a unidade (composta de começo, transcurso e fechamento) e a singularidade (composta de detalhamento e sentido). (BORTOLINI; BICA; PERIN, 2016, p.2).

Os episódios de interação compostos para análise caracterizam-se pelo agrupamento de um conjunto de situações didáticas que desafiam as crianças a formular ideias sobre a língua, a representar as reflexões que desenvolveram em momentos das aulas, sejam elas individuais ou em pares. Ao compormos os episódios de interação, elegemos diferentes cenas de situações didáticas diferenciadas, considerando não apenas os objetivos e os conteúdos de ensino que se apresentavam nas cenas eleitas. Fundamentalmente, a seleção tem por base a observação da ocorrência do fenômeno que orienta o nosso problema de pesquisa: as reflexões metalinguísticas que as crianças elaboram, por meio das interações que se efetivam na sala de aula.

5 ATIVIDADES METALINGUÍSTICAS: O QUE DIZEM AS CRIANÇAS SOBRE A LÍNGUA EM SITUAÇÕES DIDÁTICAS DESENVOLVIDAS PARA ESSE FIM

Quando contemplo no todo um homem situado fora de mim e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque em qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora de mim, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar - a cabeça, o rosto, e sua expressão -, o mundo atrás dele, toda uma série de objetos e relações que, em função dessa ou daquela relação de reciprocidade entre nós, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele. Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila dos nossos olhos. Assumindo a devida posição, é possível reduzir ao mínimo essa diferença de horizontes, mas para eliminá-la inteiramente urge fundir-se em um todo único e tornar-se uma só pessoa. (BAKHTIN, 2011, p.21)

Neste capítulo, temos o propósito de apresentar o diálogo que procuramos estabelecer entre nossos estudos e o material que resultou de nossa entrada no campo, com vistas a refletir sobre o nosso problema de investigação, a saber: que movimentos produzem as crianças quando reflexões metalinguísticas são acionadas por elas mesmas, pelos pares ou pela professora, no curso de uma organização didática que tem em vista desencadear e potencializar essas reflexões?

Os dados produzidos junto à turma de 4º (quarto) ano do Ensino Fundamental foram organizados em dois episódios de interação, os quais incluem cenas em que as crianças são desafiadas a refletir sobre diferentes estruturas linguísticas, visando mobilizar reflexões metalinguísticas acerca do conceito de oração. O primeiro episódio constitui-se de três cenas. Na primeira, as crianças definem critérios para dividir diferentes sentenças linguísticas. Na segunda cena, elaboram conceitos iniciais sobre oração e, na terceira, estabelecem critérios para a definição de frases aceitáveis e inaceitáveis. O segundo agrega duas cenas, sendo que, na primeira delas, as crianças são motivadas a refletir sobre a estrutura básica da oração: o grupo do nome e o grupo do verbo. Além disso, a reconhecer o verbo como elemento central da oração. Na segunda, apresentamos situações em que as crianças manipulam orações, ampliando-as e reduzindo-as, assim como sistematizam, por meio de um informe, os conhecimentos construídos sobre o conceito de oração.

A unidade de cada episódio é dada por um conjunto de problemas expostos às crianças pela professora e por respostas dadas por elas às consignas que orientaram o trabalho. Além disso, destacam-se, nas cenas de ambos os episódios, reflexões linguísticas que exigem aportes

conceituais para que sejam compreendidas. Por isso, a apresentação de cada cena será sucedida por sua análise com base em nossos referenciais teóricos, mas antecedida pelo detalhamento do contexto que permitiu a produção dessas cenas.

Em nossa proposta didática, temos, como campo de estudo, a sintaxe da língua, a “parte da gramática que estuda as orações e suas partes” (PERINI, 2009, p.62). Dele, extraímos o conceito de oração, limitado à organização gramatical básica da oração, ou seja, estruturada, essencialmente, por dois grupos: o grupo do nome e o grupo do verbo, ou também denominados, respectivamente, por sujeito e predicado. Temos clareza que um falante, no uso da língua, tem à sua disposição inúmeras possibilidades de organizar “a oração”, como, por exemplo: sem a presença do sujeito, invertendo a ordem dos termos da oração, utilizando uma única palavra, entre outras. Mas o que todas elas têm em comum é a exigência de um verbo, sendo ele o elemento central da organização da estrutura oracional. Seguimos, portanto, a definição proposta por Perini (2010): “Uma oração é uma estrutura que tipicamente contém um verbo e muitas vezes um ou mais complementos (sujeito, objetos e/ou sintagmas preposicionados, adjetivos ou adverbiais). Além disso, a oração pode comportar um ou mais adjuntos” (PERINI64, 2010, p.65). Em função disso, optamos por aproximar as crianças do conceito de oração, problematizando a estrutura predicativa sujeito/predicado e a centralidade do verbo na sua constituição.

As análises que apresentamos neste capítulo objetivam compreender as reflexões que as crianças realizam a respeito da língua, na interação com os seus pares e com os adultos, e os enlaces que elas produzem entre os conhecimentos prévios e os conhecimentos linguísticos aportados pela professora, no curso de uma proposta de organização didática que vise desencadear e potencializar reflexões metalinguísticas e que coloque em ação e beneficie-se do pensamento da criança, bem como analisar a função da metalinguagem na explicitação dos conhecimentos que já possuem e que estão a construir. Nesse contexto, também objetivamos averiguar a pertinência da SDG, como uma proposta de organização do ensino da língua que potencializa reflexões metalinguísticas.

64 Optamos pela definição do conceito de oração a partir dos estudos de Perini (2010), uma vez que tal definição

contempla a estrutura de oração que foi explorada na SDG; estrutura, fundamentalmente, constituída pela presença do verbo e também, em muitas ocasiões, a presença de complementos; entre eles, o sujeito e os objetos. Ademais, a escolha por esse autor também se pauta pela importância que ele atribui aos estudos gramaticais na escola, considerando a gramática como uma disciplina científica e, por isso, precisa ser estudada como um elemento importante para a formação científica e intelectual dos alunos.

No documento 2018RosangelaHannel (páginas 140-148)