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A história regional para além do eurocentrismo: uma possibilidade?

Nas obras até aqui apresentadas constatamos, em algumas mais, em outras menos, o reforço da proeminência de famílias com componente português em sua constituição na qualidade de principais sustentáculos do processo de territorialização do espaço antes ocupado pelos nativos. É preciso considerar que esses trabalhos não estão descolados do tempo e do espaço onde foram produzidos, ou seja, são livros que guardam marcas da historicidade dos autores, de suas vivências e de suas visões de mundo. Manoel Dantas, José Augusto Bezerra de Medeiros, José Adelino Dantas, Jayme Santa Rosa e Olavo de Medeiros Filho, dessa maneira, promovem uma operação histórica que é indissociável do seu lugar de produção e da sua própria escrita63.

Esses autores têm um traço bastante peculiar e que lhes é comum: nos galhos mais distantes de suas árvores genealógicas estão os patriarcas de tradicionais famílias do Seridó cuja importância histórica eles mesmos revalidam em suas obras, como Tomaz de Araújo Pereira, Caetano Dantas Corrêa, Rodrigo de Medeiros Rocha, Sebastião de Medeiros Mattos, Antonio de Azevêdo Maia e Cipriano Lopes Galvão. Suas versões da história da ribeira do Seridó, portanto, mesclam o peso que seus avoengos tiveram na constituição das nobiliarquias sertanejas ao ritmo com que ocuparam importantes cargos nas instâncias administrativas da região, dos tempos coloniais até a República. Tal afirmação corrobora o pensamento de Olívia Morais de Medeiros Neta, para quem autores como Manoel Dantas e José Augusto Bezerra de Medeiros – e poderíamos acrescer, aqui, José Adelino Dantas, Jayme Santa Rosa e Olavo de Medeiros Filho – escreveram sobre “um Seridó enredado à árvore genealógica”, fundando, pois, um “discurso historiográfico [que] é produzido como forma limite para o espaço e para

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A inspiração para pensar essas questões advém das discussões empreendidas por Michel de Certeau. Para o autor, “a operação histórica se refere à combinação de um lugar social, de práticas ‘científicas’ e de uma escrita” (CERTEAU, Michel de. A operação histórica. In: Id. A escrita da história, p. 65). No caso dos livros que estamos analisando, trata-se de um discurso historiográfico que não foi gestado em uma instituição científica e tampouco seus autores tinham formação específica na área de História. É necessário refletir, por outro lado, que quatro dos cinco autores tinham formações acadêmicas (Manoel Dantas e José Augusto Bezerra de Medeiros eram advogados; José Adelino Dantas, enquanto sacerdote, era filósofo e teólogo; Jayme Santa Rosa era químico), além de que todos eram membros de sociedades de pesquisa histórica, como o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

justificar ou reafirmar a presença e relevância de determinadas linhagens genealógicas no Seridó potiguar.”64

Não podemos deixar de anotar que dois desses autores foram sujeitos ativamente participantes da cena política do Rio Grande do Norte. Manoel Dantas, militante do Partido Liberal e depois do Partido Republicano, chegou a ser Intendente do município de Natal. José Augusto Bezerra de Medeiros, por sua vez, dentre diversos cargos eletivos, foi governador do Estado do Rio Grande do Norte na década de 1920, tendo participado ativamente, junto com Juvenal Lamartine de Faria, da ascensão e fortalecimento do “Sistema Político do Seridó”65

. Não é coincidência, portanto, que os seus escritos sejam marcados por tons de enaltecimento aos patriarcas lusitanos que ergueram fazendas e construíram famílias no Seridó, os quais se tornaram, com o passar do tempo, raízes de extensas linhagens que desembocaram na oligarquia algodoeiro-pecuarista – a qual, nas duas primeiras décadas do século XX, dominou a cena política no território potiguar.

É de se atentar, também, que os cinco autores mencionados eram sócios efetivos do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), entidade fundada em 1902 na efervescência da chamada “Questão de Grossos”66

, cujos objetivos, previstos estatutariamente, eram os de “coligir, metodizar, arquivar e publicar os documentos e as tradições (...) pertencentes a historia, geografia, arqueologia e etnografia, principalmente do Estado, e a lingua de seus indígenas (...)”.67

Tais objetivos se coadunavam com o espírito dos demais institutos históricos situados no território brasileiro, surgidos após a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1838.

Podemos dizer, desse modo, que as pesquisas realizadas pelos historiadores ligados ao IHGRN tinham sua matriz teórica influenciada pela historiografia produzida no IHGB e demais institutos no decurso do século XIX, que interessava-se pela construção de “histórias locais”, como já afirmamos anteriormente. Os historiadores ligados a esses centros de

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MEDEIROS NETA, Olívia Morais de. Ser(Tão) Seridó em suas cartografias espaciais, p. 16.

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O processo de fortalecimento do “Sistema Político do Seridó” pode ser visualizado em LINDOSO, José Antonio Spinelli. Coronéis e oligarcas no Rio Grande do Norte (Primeira República e outros estudos). Natal, RN: EDUFRN, 2010. p. 25-59, bem como em MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. A penúltima versão do Seridó: uma história do regionalismo seridoense, p. 181-99.

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A falta de clareza entre os limites da Capitania do Rio Grande e da Capitania do Ceará, desde o século XVIII, gerou conflitos de ordem jurisdicional que desembocaram nessa questão, que tomou o nome de Grossos por ser o território deste atual município um dos pontos do dissenso. A questão dos limites foi decidida judicialmente, através do concurso de renomados juristas, que se valeram de importante documentação histórica para atestar a posse do Rio Grande do Norte. A reunião desses documentos, passado o conflito judicial, foi um dos motivos que ensejou a criação de um instituto histórico no território potiguar.

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ESTATUTOS do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte citados por MENEZES, Karla. O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte: um perfil de sua historiografia entre 1902 e 1907. Caderno de História – UFRN, Natal, v. 3/4, n. 1/2, jul./dez.1997/jan.jun.1998.

pesquisa, pois, contribuíram para a “construção de uma história branca e européia para o Brasil”68

, ao centrarem suas preocupações na questão da raça.

Grupos sociais minoritários, como índios, negros, mestiços, ciganos e cristãos-novos69 aparecem com pouca frequência nas obras que foram comentadas nos parágrafos anteriores. Estas produziram determinadas versões da constituição familiar da ribeira do Seridó em que outras histórias foram, de certa maneira, eclipsadas por uma maneira ocidentalizante de produzir o conhecimento histórico. Essa literatura, pois, acabou reproduzindo o sentimento de superioridade tão caro ao Ocidente, espelhando o paradigma eurocêntrico de história, ou, dizendo em outras palavras, uma maneira eurocentrada de perceber o processo histórico e, via de regra, a própria realidade.

A crítica a esse paradigma eurocentrista vem sido feita, nos últimos anos, por intelectuais da área das Humanidades, que o abordam, em linhas gerais, como uma estrutura mental fundada na crença de uma suposta superioridade do modus vivendi e do ritmo do desenvolvimento da Europa70. Essa estrutura mental – que, partindo do entendimento de Aníbal Quijano71, pode ser entendida como um paradigma – estaria presente não apenas na construção do conhecimento histórico, mas, também, na própria compreensão da realidade. Nos textos da historiografia, todavia, a ênfase a essa superioridade europeia-ocidental estaria mais presente. Basta lembrar, aqui, da literatura moderna do Iluminismo (Kant, Hegel e Voltaire, por exemplo), que deturpou a visão dos europeus acerca dos demais povos do mundo até então conhecido, vistos, em geral, como “crianças” a serem educadas pelo poder das luzes da Razão; da Filosofia da História do século XIX (sobretudo Marx e Engels), em suas diversas vertentes, que procurou construir interpretações evolutivas das sociedades humanas, tendo como síntese a ser atingida o ideal de progresso firmado pela historicidade europeia-ocidental; e das teorias sociais do século XIX (em especial os estudos de Spencer e de Comte), que, ao tratar as sociedades e povos fora da Europa como “pré-modernos” ou

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SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870- 1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 136.

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Segundo Olavo de Medeiros Filho, considerando as informações fornecidas pela tradição oral, a Freguesia do Seridó teria sido colonizada, também, por cristãos-novos imiscuídos dentre os conquistadores vindos do Reino (MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas famílias do Seridó, p. 5).

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Verificar, a exemplo, SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990; AMSELLE, Jean-Loup. L’Occident décroché: enquête sur lês postcolonialismes. Paris: Stock, 2008; WALLERSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu: a retórica do poder. São Paulo: Boitempo, 2007, apenas para citar exemplos.

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QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais – perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 227-78.

“arcaicos”, os colocavam na perspectiva de serem enquadrados como estágios de um caminho civilizacional único, cujo fim seria a Europa Ocidental72.

Observamos, dessa maneira, que o paradigma eurocentrista procura incutir, através de sua disseminação nos textos historiográficos, uma convicção de que a Europa seria o centro do mundo e, como lugar irradiador do progresso, por excelência, o ideal e a origem de toda a civilização. Seria mais apropriado, todavia, falarmos de convicções que o pensamento eurocentrado tenta reafirmar como sendo superiores: econômico-social (o capitalismo), cultural (a modernidade), religiosa (a cultura judaico-cristã) e, porque não dizer, “racial” (a “raça” branca).

Essa pretensa superioridade encadeia determinados processos históricos como sendo responsáveis pela formação da Europa – e da entidade cultural “Ocidente”. Anuncia, portanto, uma genealogia que coloca realidades que se superam, dando origem, progressivamente, a estágios cada vez mais “avançados”, cuja culminância é a Europa moderna: a Grécia antiga teria dado origem a Roma; esta, por sua vez, à Europa cristã; esta, à chamada Civilização do Renascimento; esta, ao Iluminismo; este, à democracia política, que, por sua vez, teria levado à Revolução Industrial e ao surgimento da democracia. Essa genealogia, que corresponde à morfogenia do Ocidente na acepção do filósofo Philippe Nemo, vem sendo criticada por pensadores que defendem a historicidade dos conceitos e o estudo de suas interconexões73 e ainda a desconstrução de determinados “mitos fundadores”, como o da modernidade e, via de regra, a desconstrução do próprio conceito de “modernidade” europeia74

.

Tomemos, novamente, as versões da história da ribeira do Seridó produzidas por Manuel Dantas, José Augusto, José Adelino Dantas, Jayme Santa Rosa e Olavo de Medeiros Filho, percebendo o ritmo dos acontecimentos a partir da sucessão que encarrilha a chegada dos conquistadores luso-brasílicos, os momentos de resistência nativa contra a ampliação da pecuária, a instalação de fazendas de gado nas ribeiras e a constituição de famílias tradicionais cujos descendentes – até a época de produção das obras dos autores referidos – mantinham-se ligados ativamente às esferas de poder político e econômico da região. Considerar essa narrativa linear como sendo a única maneira de perceber o processo histórico em que, no bojo da ocidentalização, construiu-se o território da Freguesia do Seridó, significa confirmar o paradigma eurocêntrico. Crer, dizendo de outra maneira, que no âmbito global, teríamos um

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BARBOSA, Muryatan Santana. Eurocentrismo, História e História da África. Sankofa – Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, São Paulo, n. 1, p. 47-8, jun. 2008.

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WOLF, Eric. Europa y La gente sin historia. México: Fondo de Cultura Económica, 1994.

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DUSSEL, Enrique apud LANDER, Edgardo. Marxismo, eurocentrismo e colonialismo. In: BORON, Atilo A.; AMADEO, Javier; GONZÁLEZ, Sabrina (orgs.). A teoria marxista hoje: problemas e perspectivas. Buenos Aires: CLACSO, 2006. p. 201-34.

permanente “centro” geográfico, avançado e inovador, irradiador de cultura e de modos de vida, da mesma forma que teríamos uma “periferia”, atrasada e arcaica, sempre pronta para receber inovações e se “modernizar” ao estabelecer laços com o “centro” e a imitá-lo. Esse pensamento de um “difusionismo eurocêntrico”, que tende a enaltecer a superioridade europeia, é criticado por James Blaut, que propõe aos historiadores a escrita de uma “história ao avesso”, ou seja, uma versão da história em que não esteja presente, espacial e temporalmente, a convicção de que os europeus têm qualidades especiais de raça, cultura, ambiente, mente ou espírito75.

A crítica de Blaut ao eurocentrismo, dessa maneira, nos incita a revisar o conhecimento histórico já produzido sobre o passado colonial da ribeira do Seridó a partir de outros referenciais que não apenas aqueles que concedem primazia ao conquistador. Perceber o papel dos mestiços, enquanto agentes mediadores entre o mundo nativo e o mundo colonial, por exemplo, se configura como um bom caminho para essa “desmontagem” da versão eurocentrada do processo histórico.

Para “descolonizar” esse saber instituído, usando, aqui, a formulação do pensamento de Walter Mignolo, é necessário que tenhamos consciência de que a América é uma invenção da Europa cristã, discursiva e territorialmente construída através das monarquias católicas que se impuseram sobre as terras recém “descobertas”; que a formação do mundo moderno- colonial é fruto de ações e narrativas produzidas, principalmente, em quatro línguas “imperiais” (português, castelhano, francês e inglês); que a enunciação, nos documentos da época, da figura do “índio”, do “negro” e dos “mestiços”, por exemplo, não é um processo naturalizado, mas, de construção de novas identidades culturais surgidas na efervescência da ocidentalização76.

Entender os mestiços enquanto sujeitos históricos do processo de formação das famílias da Freguesia do Seridó, ao lado dos demais grupos sociais, é o primeiro passo para que efetuemos essa operação historiográfica de “descolonizar” o saber. Perceber sua participação política e suas estratégias de sobrevivência, mesmo em fontes produzidas pelo conquistador, pode confirmar a possibilidade que temos de produzir um conhecimento histórico que não seja voltado, apenas para confirmar o eurocentrismo.

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BLAUT, James M. The colonizer’s modelo of the world: geographical diffusionism and Eurocentric history. New York/London: The Guilford Press, 1993.

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MIGNOLO, Walter D. Novas reflexões sobre a “idéia da América latina”: a direita, a esquerda e a opção descolonial. Caderno CRH – Revista de Ciências Sociais editada pelo Centro de Recursos Humanos da UFBA, Salvador, v. 21, n. 53, p. 239-52, maio/ago. 2008. Ver, a propósito, GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço.

Um dos livros da historiografia regional que se aproxima bastante desse modelo de “descolonização” do conhecimento é Os Álvares do Seridó e suas ramificações (1999), de autoria de Sinval Costa77. Na obra o autor promove um estudo sobre a família Alves, que se enraizou no Seridó a partir da instalação do português Domingos Álvares (ou Alves) dos Santos na fazenda das Lajes, ribeira do Quipauá. O seu casamento com Joana Batista da Encarnação resultou em catorze filhos conhecidos, cujos descendentes estabeleceram moradia em fazendas como Piató, Catururé, Raposa, Umari, Luiza, Lajes, Sabugi, Malhada da Areia, Angicos, Sobradinho e São Roque.

Embora trate da história e da genealogia de uma família descendente de um português radicado no Seridó, Sinval Costa demonstra os diversos tipos de relacionamentos entre seus descendentes, desde os oficializados pela Igreja Católica até aqueles considerados informais ou atípicos. Vejamos, a exemplo, o caso de Fidélis Alves dos Santos – filho de Domingos Alves e Joana Batista –, que casou, em 1789, com Antonia da Silva Freire, filha de Miguel da Rocha e Bárbara Araújo, tendo residido na fazenda Quinquê, ribeira do rio São José. A realização do seu inventário post-morten, em 1793, fez vir a lume um filho natural, José Fidélis Álvares dos Santos, gerado na parda Ana Maria. Este, por sua vez, casou em 1812, na fazenda Totoró, com Francisca Xavier de Moura, filha de criação e protegida do Capitão-mor Cipriano Lopes Galvão. A mãe de Francisca, Sebastiana Maria, era liberta do citado capitão- mor78.

Outro caso similar é o de Maria Joaquina da Anunciação, bisneta de Domingos Alves, a qual casou, em 1822, com José Garcia de Sá Barroso, filho de José Garcia de Sá Barroso e Ana Gomes de Oliveira, originando a família conhecida, popularmente, como os “cabras do Quipauá”. Segundo a tradição familiar, todavia, José Garcia era descendente do coronel Antonio Garcia de Sá, do Quimporó, com uma parda79. Tratando de Manuel Gonçalves Melo, português que casou com Joana Maria dos Santos – filha de Domingos Alves e Joana Batista –, Sinval Costa historiciza a sua chegada ao sertão junto com os irmãos João e Antonio Gonçalves Melo, mais precisamente ao Sabugi, Piató e Piatozinho, “com a finalidade de: povoar as terras, acomodar seus gados, situar casa, currais e lavouras à custa de suas fazendas”. Estabelecido no sertão, Manuel Gonçalves “apaixonou-se por uma bela cabocla, de rara e selvagem beleza, natural da região”, ato que muito desagradou a seus dois irmãos,

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Sinval Costa, nascido em Caicó em 1931, é graduado em Engenharia Civil, com pós-graduação em Engenharia Sanitária. Foi funcionário da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE e, atualmente, mora em Recife-PE. Desenvolve pesquisas na área de história e genealogia desde a década de 1960 e é uma referência, na contemporaneidade, dos estudos sobre as linhagens no Seridó.

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COSTA, Sinval. Os Álvares do Seridó e suas ramificações, p. 219-20.

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fazendo com que ambos retornassem ao Recife. No caminho de volta, ao arrancharem na fazenda Lajes, do patrício Domingos Alves dos Santos, foi “arranjado” o casamento com a filha deste último, Joana Maria80.

Além de fazer essas menções envolvendo diretamente a família de Domingos Alves, Sinval Costa incluiu, num dos apêndices de seu livro, um riquíssimo conjunto de informações contendo dados sobre casamentos de outros portugueses, índios e negros, coletados nos livros de assento da Freguesia de Santa Ana81. Isso nos leva a inferir que o autor acredita na possibilidade de ter havido agrupamentos familiares de outra natureza na ribeira do Seridó, envolvendo pessoas que não apenas os brancos e/ou descendentes de elementos vindos do Reino.

Tal possibilidade encontrou eco, também, na historiografia acadêmica produzida sobre o Seridó82, sobretudo dos anos de 1980 em diante, que tem revisado, gradativamente, o quadro proposto pelos historiadores regionais. Trabalho pioneiro, nesse sentido, é a dissertação de mestrado em História de Maria Regina Mendonça Furtado Mattos, estudo monumental do ponto de vista da quantidade de fontes analisadas, onde analisou os fatores responsáveis pela interrupção do desenvolvimento sócio-econômico da Vila do Príncipe, no período de 1850 a 1890, que acarretou a caracterização desse lugar como portador de população extremamente pobre. Perscrutando o perfil demográfico do Príncipe oitocentista, a autora demonstrou, através dos registros de paróquia, dos inventários post-mortem e dos recenseamentos oficiais que a população desse município era formada não apenas de brancos, mas, de parcela considerável de caboclos, pardos, negros e mestiços83.

80 Ibid., p. 236. 81 Ibid., p. 331-5. 82

Estudando o litoral, Fátima Martins Lopes apontou também para a mestiçagem da população indígena, em sua dissertação de mestrado e tese de doutorado em História, onde analisou, respectivamente: a) o papel das missões religiosas enquanto lugares de resistência e sobrevivência dos povos indígenas da Capitania do Rio Grande em meio à política de evangelização dos missionários; b) a política de implantação do Diretório Pombalino e a recepção dos indígenas vilados frente à política de imposição da cultura ocidental-cristã. Estudando o cotidiano das missões e das vilas do litoral da capitania, a autora verificou que tanto havia mestiçagem biológica (contingentes de grupos indígenas diversos foram reagrupados no contexto da Guerra dos Bárbaros, nas missões; bem como, nas vilas do Diretório, negros e mestiços se incorporaram à população) quanto cultural (os indígenas tendiam a incorporar determinadas práticas cristãs, todavia, sem esquecer totalmente dos cultos anteriores à chegada dos missionários e/ou à constituição da vila). Cf. LOPES, Fátima Martins. Missões Religiosas: índios, colonos e missionários na colonização da Capitania do Rio Grande do Norte. 1999. 210f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1999; Id. Em nome da liberdade: as vilas de índios do Rio Grande do Norte sob o Diretório Pombalino no século XVIII. 2005. 700f. Tese (Doutorado em História do Brasil) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005.

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MATTOS, Maria Regina Mendonça Furtado. Vila do Príncipe – 1850/1890. Sertão do Seridó – Um estudo de caso da pobreza. 1985. 247f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói,