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Os estudos de Fátima Martins Lopes acerca das missões de aldeamento na Capitania do Rio Grande nos mostram um resultado impressionante, bem diferente dos discursos oficiais do desaparecimento da população nativa que se consolidaram no século XIX, que já abordamos no capítulo anterior e que permearam grande parte da produção historiográfica norte-rio-grandense. No momento histórico de transformação das antigas missões em vilas sob o amparo legal do Diretório Pombalino, no início da segunda metade do século XVIII, havia um contingente de população indígena no Rio Grande que resistia à dominação colonial apesar do impacto que a ocidentalização trouxera para suas vidas: as guerras de conquista, a escravização, as doenças e a própria tentativa de homogeneizá-la nas missões religiosas.1 Quase sete mil índios, em números redondos, viviam em Extremoz, Arez, São José, Vila Flor e Portalegre2, em 1763, quando o processo de implantação das novas vilas do Diretório já tinha sido concluído.3 Destas apenas a Vila de Portalegre situava-se no interior da capitania, nos espaços da ribeira do Apodi, enquanto as demais estavam localizadas nas proximidades do litoral.

Perguntamo-nos a respeito das populações indígenas que habitavam na Freguesia do Seridó, sita na porção centro-sul da capitania, na segunda metade do século XVIII. Os levantamentos populacionais que dispomos para a Capitania do Rio Grande no período mencionam a quantidade de habitantes das vilas de índios e apenas referem-se ao conjunto dos moradores da Freguesia do Seridó, sem discernir índios de não índios: 3.174 em 17674,

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LOPES, Fátima Martins. Missões Religiosas: índios, colonos e missionários na colonização da Capitania do Rio Grande do Norte. 1999. 210f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1999. p. 181; Id. Em nome da liberdade: as vilas de índios do Rio Grande do Norte sob o Diretório Pombalino no século XVIII. 2005. 700f. Tese (Doutorado em História do Brasil) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005. p. 22.

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A Vila de Portalegre foi instalada em 1761 na Serra do Regente (ou de Santana), com índios vindos da antiga Missão do Apodi (LOPES, Fátima Martins. A Vila de Portalegre: povos e instituições. In: CAVALCANTE, Maria Bernadete; DIAS, Thiago Alves (orgs.). Portalegre do Brasil: história e desenvolvimento. Natal: EDUFRN, 2011. p. 40-1).

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Os números exatos das populações dessas vilas de índios foram assim contabilizados no “Extrato do Mapa geral de todas as Vilas e Lugares que se tem erigido de 20 de maio de 1759 até o último de agosto de 1763, das antigas Aldeias do Governo de Pernambuco e suas Capitanias Anexas” (apud LOPES, Fátima Martins. Em nome da liberdade: as vilas de índios do Rio Grande do Norte sob o Diretório Pombalino no século XVIII, p. 550): Estremoz: 1438; Arez: 954; Portalegre: 1805; São José: 1235; Vila Flor: 1452.

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Informação baseada em róis de desobriga enviados pelos curas das freguesias para a administração da Capitania de Pernambuco e anexas. Cf. IDÉA da População da Capitania de Pernambuco, e das suas anexas, extenção de suas Costas, Rios, e Povoações notaveis, Agricultura, numero dos Engenhos, Contractos, e

3.382 em 17765, 2.699 em 17776 e 3.630 em 1782.7 Esses arrolamentos, que fazem parte da fase proto-estatística,8 encaixam-se na lógica reformista da administração do Marquês de Pombal, em que “(...) a população constituiu-se em objeto de política de Estado (...)”9, isto é, os dados recolhidos poderiam ser aplicados de diversas maneiras na organização, melhoramento e uniformização das práticas administrativas e fiscais nos domínios ultramarinos. As reformas administrativas, econômicas e sociais propostas pelo Marquês de Pombal para o Império Português, assim, somente seriam empreendidas com eficácia à medida que houvesse uma compreensão melhor da realidade da metrópole e das possessões coloniais situadas no ultramar em termos de população.10

Rendimentos Reaes, aumento que estes tem tido &. ª &.ª desde o anno de 1774 em que tomou posse do Governo das mesmas Capitanias o Governador e Capitam General José Cezar de Menezes. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 40 (1918), p. 13, 1923.

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PORTUGAL. Lisboa. AHU – Capitania de Pernambuco (CPE). Cx. 127, Doc. 9665. Ofício do [governador da capitania de Pernambuco], José César de Meneses, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar], Martinho de Melo e Castro, remetendo o mapa da enumeração dos povos da dita capitania – 1777. (Documento manuscrito microfilmado, digitalizado e integrando CD-ROM – Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco).

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PORTUGAL. Lisboa. AHU – CPE. Cx. 126, Doc. 9545. Carta do Bispo de Pernambuco, D. Tomás [da Encarnação Costa e Lima], ao rei [D. José I], remetendo uma relação de todas as freguesias, capelas, ermidas e oratórios que tem o dito Bispado, e o número de clérigos seculares que existem em cada uma das freguesias – 1777. (Documento manuscrito microfilmado, digitalizado e integrando CD-ROM – Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco).

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MAPPA dos Habitantes da Commarca de Pernambuco dividida pelas classes abaixo em virtude da ordem de Sua Magestade, contido em IDÉA da População da Capitania de Pernambuco... Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 40 (1918), p. 105-7, 1923.

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Estamos adotando, aqui, a sistematização feita por Maria Luiza Marcílio para os levantamentos populacionais do Brasil. A fase proto-estatística corresponde a um período em que é possível constatar um esforço notável de sistematizar e coletar informações sobre as populações da América portuguesa, no âmbito mais amplo da crise colonial, dos anos de 1750 em diante. O primeiro sub-período dentro da fase proto-estatística vai de 1760 a 1797, quando “(...) tem início um processo generalizado na Colônia, dividida segundo as Capitanias, para sistematizar as relações de habitantes das freguesias que as compunham.” (MARCÍLIO, Maria Luiza apud SMITH, Robert. A presença da componente populacional indígena na Demografia Histórica da Capitania de Pernambuco e suas Anexas na segunda metade do século XVIII. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS DA ABEP, 13., 2002, Ouro Preto, MG. Anais... Ouro Preto: ABEP, 2002. Disponível em <http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2002/Com_IND_ST6_Smith_texto.pdf> Acesso em: 19 jul.2002. p. 12).

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WAGNER, Ana Paula. O Império Ultramarino Português e o recenseamento de seus súditos na segunda metade do século XVIII. In: JORNADA SETECENTISTA, 6., 2005. Comunicações... Curitiba: Aos Quatro Ventos/Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses, 2006. p. 121.

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Sobre os arrolamentos censitários realizados na América portuguesa ver BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e nação no Brasil do século XIX. 1998. 256f. Tese (Doutorado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998. O autor, em conformidade com a análise que Dauril Alden fez sobre um levantamento ordenado pelo secretário da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, em 1776, comenta acerca das inconsistências dos mapeamentos da população realizados entre a segunda metade do século XVIII e a primeira década do século XIX, sobretudo por serem originados de diversas fontes. Segundo ele, “Em geral, os capitães-generais (cabeças da administração das capitanias gerais) reportavam-se aos capitães-mores (que encabeçavam as administrações municipais) e aos vigários das paróquias para que elaborassem tabelas da população local. A partir das listas de ordenanças (listagens de habitantes com finalidades militares ou fiscais) e de desobrigas (listagens de paroquianos que se confessavam na freguesia e pagavam as desobrigas), estes funcionários locais enviavam os dados solicitados”. (BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Op. cit., p. 18).

Dispomos, para a primeira década do século XIX, de dois mapeamentos da população da capitania que trazem números da população indígena, porém, circunscritos ao Rio Grande do Norte como um todo. O primeiro, cujos dados referem-se ao ano de 1801, apresenta a população classificada em brancos, pretos (livres e cativos), pardos (livres e cativos) e índios domésticos. Nesse levantamento, encaminhado pelo capitão-mor Lopo Joaquim de Almeida Henriques ao Reino em 1804, a população nativa estava na casa dos 3.260 habitantes11, sendo considerados, aqui, aqueles índios relacionados ao projeto civilizacional implantado nas vilas laicas que já mencionamos.

O segundo, enviado em 1806 por José Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, capitão-mor do Rio Grande, ao Reino, dividiu a população da capitania em cidade, vilas e freguesias, classificando seus moradores em brancos, pretos e mulatos. Os indígenas foram registrados à parte e em duas categorias: aqueles “anexados” às vilas do Diretório e os “Índios Livres”. Segundo essa estatística, que se refere ao ano de 1805, a população do termo da Vila do Príncipe, sede da Freguesia do Seridó, era de 4.317 moradores. Os índios livres, em toda a capitania, somavam 708 pessoas12, sendo presumível que, dentre estes, estivessem os que habitavam na Freguesia do Seridó, além dos que estavam localizados em outros espaços da capitania fora da órbita das vilas erguidas na época do Diretório Pombalino.

É impraticável, dessa maneira, estabelecer um perfil quantitativo dos nativos que habitavam a Freguesia do Seridó a partir do início da segunda metade do século XVIII. Com base nos registros de paróquia – que se iniciam nos anos de 1780 – e na tradição oral analisada no tópico anterior supomos que os índios remanescentes das guerras de conquista e dos primeiros contatos com os colonizadores luso-brasílicos encontravam-se, em meados dos Setecentos, em duas situações, no território da Freguesia do Seridó: a) vivendo nas povoações e fazendas, como moradores ou assistentes, engajados com a criação de gado e/ou a agricultura de subsistência; b) dispersos pelo sertão, vivendo como errantes e mendigando favores aos fazendeiros; c) e, por último, devemos acrescer que, oportunamente, é possível

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PORTUGAL. Lisboa. AHU – Capitania do Rio Grande (CRG). Cx. 9, Doc. 565. Carta do [capitão-mor do Rio Grande do Norte], Lopo Joaquim de Almeida Henriques, ao príncipe regente [D. João] remetendo o mapa demonstrativo dos distritos e vilas da capitania, constando da população, situação económica e comercial e fazendo comentários sobre os dados – 1804. (Documento manuscrito microfilmado, digitalizado e integrando CD-ROM – Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco).

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PORTUGAL. Lisboa. AHU –CRG. Cx. 9, Doc. 623. Carta do [capitão-mor do Rio Grande do Norte], José Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque, ao príncipe regente [D. João] remetendo um mapa da população do Rio Grande do Norte e uma relação dos distritos que necessitam de novas companhias de ordenanças – 1806. (Documento manuscrito microfilmado, digitalizado e integrando CD-ROM – Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco).

que ainda houvesse índios homiziados nas serras e grotas, escondendo-se do mundo colonial que, gradativamente, ia se instalando nas ribeiras.

Para confirmar esse pensamento examinemos um relato da tradição oral recolhido por Ana Maria Miguel Guimarães e que diz respeito ao desbravamento da Serra de Santana no espaço onde, nos dias atuais, ergue-se o município de Lagoa Nova. Segundo a educadora, no ano de 1777,13 onde aconteceu terrível seca, o gado de dona Adriana Lins de Holanda,14 viúva do coronel Cipriano Lopes Galvão e depois de Félix Gomes Pequeno, tinha sido quase totalmente devastado. Moradora no sítio Totoró, a rica fazendeira suspeitou que, além das cabeças de gado mortas pelos efeitos da seca, alguma deveria ter escapado em lugar onde a água se conservasse, mesmo na estiagem.

Certo dia, dona Adriana notou que uma porção de marrecos vindos das bandas da Serra de Santana sempre passavam pela sua casa de morada e pela tarde voltava na mesma direção de origem. Desconfiando da presença de água na serra, organizou uma expedição15 com o fim de subir suas encostas, que foi encabeçada por dois filhos seus e um escravo com uma carga de comida e água num burro. O relato dá conta de que a Serra Azul – como era chamada, então, a Serra de Santana – era habitada por índios, que viviam da caça. Os pastos da fazendeira, até então, eram conhecidos apenas até o Riacho da Areia, onde os expedicionários dormiram. Segundo Ana Maria Miguel Guimarães,

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Segundo Manuel Antonio Dantas Corrêa, autor da mais conhecida crônica das secas no sertão do Rio Grande do Norte, houve grande seca “(...) na era de 78 (...) e foi a morrinha nos gados tão excessiva neste Seridó que havendo proprietários que já recolhiam quinhentos a mais bezerros, vindo o anno seguinte só recolheram quatro bezerros; e os mais fazendeiros á proporção; a fome no povo não foi considerável por ainda não ser então grande número; e mesmo já haver alguma indústria.” (CORRÊA, Manuel Antônio Dantas. Sem título. In: GUERRA, Phelipe; GUERRA, Theophilo. Seccas contra a secca. 4.ed. Mossoró: Fundação Vingt-Un Rosado/Fundação Guimarães Duque, 2001. p. 10).

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Na verdade, trata-se de dona Adriana de Holanda e Vasconcelos, que nasceu na década de1720 e morreu em 1793. Casou, em Igaraçu, com Cipriano Lopes Galvão, coronel de milícias e filho de Cipriano Lopes Pimentel e Tereza da Silva. Posteriormente migraram para a Ribeira do Seridó, onde se estabeleceram com fazenda de criar gado no Totoró. Com a morte de Cipriano Lopes (já era falecido em 1764), dona Adriana casou com Félix Gomes Pequeno. Novamente viúva, casou com o coronel Antonio da Silva e Souza (MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas famílias do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1981. p. 369-70).

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É possível que essa subida da serra tenha se dado antes de 1777, considerando que as duas sesmarias que dona Adriana de Holanda requereu ao governo da Capitania do Rio Grande no território do maciço foram ofertadas em 1764. Na primeira delas, em seu requerimento, dona Adriana de Holanda afirmou que “(...) ella a custa de sua fazenda descobriu huma serra de plantas rossas que confina com hum citio de criar gados chamado Totoró (...) cuja serra corre de huma parte para Assú e da outra p.a o ciridó (...)” (CAPITANIA DO RIO GRANDE (CRG). Sesmaria nº 464 – 1764, doada a Dona Adriana Holanda de Vasconcelos. Doc. fac-similar do original arquivado no IHGRN e publicado por FVR. IHGRN. Sesmarias do Rio Grande do Norte, v. 4 (1764-1805). Mossoró: Gráfica Tércio Rosado/ESAM, 2000. p. 381-5). A outra data foi de sobras na mesma serra (CRG. Sesmaria nº 465 – 1764, doada a Dona Adriana de Holanda. Doc. fac-similar do original arquivado no IHGRN e publicado por FVR. IHGRN. Sesmarias do Rio Grande do Norte, v. 4 (1764-1805), p. 385-8). Câmara Cascudo anotou, a propósito dessas duas sesmarias, que a serra fora descoberta “(...) por intermédio dos escravos (...)” de dona Adriana de Holanda (CASCUDO, Luís da Câmara. Nomes da Terra: história, geografia e toponímia do Rio Grande do Norte. Natal: Fundação José Augusto, 1968. p. 172).

Pela manhã, os rapazes resolveram subir a serra até então desconhecida por eles. Subiram com muita dificuldade, abrindo veredas, cortando mato, tapando buracos. Logo que conseguiram subir a serra notaram que o clima mudava, bem como a vegetação, o emaranhado de cipós de diversos tipos. A folhagem da mata, mesmo seca, era bem diferente das terras do sertão, onde o mato estava estorricado, sem folhas. Logo começaram a encontrar vestígios de caças e pequenas varedas feitas pelas pisadas do gado na terra arenosa da serra. Isto já era à tardinha e voltaram novamente, notaram que os marrecos baixaram perto do local onde eles se encontravam, seguiram um pouco e encontraram a lagoa, chamaram-na de LAGOA NOVA. Era água potável. Os índios que ali moravam às vezes comiam do gado da fazendeira. Dona Adriana negociou a retirada dos índios, deu-lhes uma vaca gorda e da terra se retiraram.16

Essa versão da história – idílica e pacífica – da ocupação da Serra de Santana pelos luso-brasílicos, rememorada pela tradição oral, ratifica a ideia de que alguns indígenas, procurando esquivar-se do modus vivendi colonial nas pequenas povoações ou nas fazendas procuraram lugares ermos para continuar a viver em meio à natureza selvagem – ainda que, pelo relato aqui apresentado, consumissem “o gado da fazendeira”. A presença nativa nas proximidades da lagoa foi confirmada por Joaquim Coutinho, estudioso da história de Lagoa Nova, para quem os índios que por lá habitaram deixaram “sinais” de sua estadia: “(...) bem próximo à lagoa havia um desses lugares, onde se via claramente o local das cabanas, ou seja, o conjunto das casas em sentido circular, como também restos de vasilhames de barro que eles usavam.”17

A existência, nas redondezas da atual cidade de Lagoa Nova, de artefatos e cacos de louça feitos a partir da argila da própria lagoa foi relatada por seu Joaquim Coutinho, em entrevista concedida em 2004, bem como por dona Josefa Bezerra de Medeiros Assunção, dona Maria Macêdo Guimarães, seu Elias Coutinho Cruz e seu Francisco Castilho de Medeiros, moradores da localidade.18

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GUIMARÃES, Ana Maria Miguel. História de Lagoa Nova: fragmentos. Disponível em: <http://www.lagoanova.hpg.ig.com.br/sociedade/22/index_int_2.html>. Acesso em: 04 jul. 2002.

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COUTINHO, Joaquim. História de Lagoa Nova. Currais Novos: Tipografia Padre Ausônio, 2006. p. 18.

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Seu Joaquim Coutinho, falando desses vestígios, afirmou, baseado no que lhe contava o seu avô Joaquim Félix Pequeno, que “(...) eles [os índios] não moraram aqui definitivamente, eles moravam temporariamente, talvez um demorasse mais do que o outro, aqui mesmo na minha propriedade tem, o lugar onde eles moraram, a aldeia deles (...). Eu encontrei munto, muito pedaço assim de [inaudível] de de louça usada deles de utilidade muito aqui da serra”. Cf. COUTINHO, Joaquim. Entrevista [Lagoa Nova-RN, 10 ago 2004]. Entrevistador: Silvério Técio de Carvalho Alves. In: ALVES, Silvério Técio de Carvalho. História oral dos caboclos brabos do município de Lagoa Nova. Caicó: UFRN/CERES, 2004. 1 fita cassete. Acervo sob guarda do LABORDOC; ASSUNÇÃO, Josefa Bezerra de Medeiros; GUIMARÃES, Maria Macêdo. Entrevista [Lagoa Nova-RN, 13 ago 2004]. Entrevistador: Silvério Técio de Carvalho Alves. In: Ibid.; CRUZ, Elias Coutinho. Entrevista [Lagoa Nova-RN, ca.nov. 2004]. Entrevistador: Francisco Ônio de Lima. In: LIMA, Francisco Ônio de. Trabalho de pesquisa dos caboclos brabos. Caicó: UFRN/CERES, 2004. 1 fita cassete. Acervo sob guarda do LABORDOC;

No livro que escreveu sobre a história de Lagoa Nova, Joaquim Coutinho também expõe esse relato acerca do reconhecimento da Serra de Santana pelos colonizadores luso- brasílicos, todavia, não aborda a retirada dos índios por meio da negociação de dona Adriana de Holanda. Aliás, em sua versão dessa história, foi o coronel Cipriano Lopes Galvão, num ano de seca, que ordenou aos seus vaqueiros a subida da serra em busca do gado, o qual poderia ter se embrenhado nas grotas em procura por água para beber.19 Independente de quem tenha ordenado a subida do maciço, o importante é anotar que, após a descoberta da lagoa e da constatação de que a chã não se prestava somente para a pecuária, mas, também, para a agricultura, seus territórios passaram a ser utilizados para o plantio da mandioca e produção de farinha.

No inventário de dona Adriana de Holanda, realizado em 1793, além da sua propriedade do Totoró de Cima havia duas datas de terra no planalto, destinadas a plantar lavouras, “(...) na serra chamada Santana, com o título de antiguidade Serra Negra ou Serra Azul (...)”, uma delas “(...) já cultivada e situada (...)”. Em cima da mesma serra havia duas casas, uma de morada e outra de fazer farinha, com todos os seus aviamentos velhos. Ambas as propriedades mais as duas casas em cima da serra valiam 1:275$000, soma com a qual poderiam ser comprados, naquele ano, cerca de 106 bois.20 Observemos, a partir de agora, que questões nos coloca a documentação paroquial acerca dos índios que habitaram o Seridó no fim do século XVIII.