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É do vale do rio Acauã que vêm as evidências mais antigas de pessoas ligadas ao trato com o gado e que deixaram relatos escritos sobre a ribeira do Seridó. Nas margens do rio Acauã, próximo à foz do antigo riacho Carnaúba, estabeleceu-se com fazenda de criar gados Caetano Dantas Corrêa (1710-1797), que casou com Josefa de Araújo Pereira, filha de Tomás de Araújo Pereira e Maria da Conceição de Mendonça. Da união de Caetano Dantas e Josefa de Araújo, moradores da fazenda Picos de Cima, sobreviveram 17 filhos, a maioria instalada com fazendas de gado na ribeira do Seridó e de seus afluentes. Foi possuidor de grandes extensões de terra no sertão das capitanias da Paraíba e Rio Grande, onde também exerceu cargos militares de diversas naturezas1.

Segundo a tradição oral, Caetano Dantas era um homem “dotado de inteligência”2

e faleceu, no fim do século XVIII, “ainda com alguma robustez de corpo, e de suas faculdades intellectuaes”3

, tendo deixado um livro contendo apontamentos sobre sua vida.4 A crer-se, ainda, no testemunho da tradição, o patriarca dos Picos de Cima havia sido aluno de seminário na sua juventude5, o que, certamente, deu-lhe condições de incursionar pelos caminhos da leitura e escrita, considerando que, no período colonial, a Igreja Católica detinha grande parte do domínio sobre as formas de instrução ligadas ao ler e ao escrever6.

Seis dos seus dezenove filhos, ao menos, também tinham o domínio da palavra escrita, por meio de observação que fizemos em registros judiciais do século XVIII: Caetano Dantas Corrêa (o 2º), Simplício Francisco Dantas, Manuel Antonio Dantas Corrêa, Maximiana

1

Tenente da Cavalaria da Ribeira do Piancó, Capitão-mor das entradas na Ribeira das Piranhas (na Capitania da Paraíba), Capitão de Cavalos, Tenente-Coronel e Coronel da Ribeira do Seridó (Capitania do Rio Grande). Cf. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas famílias do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1981. p. 89; Id. Índios do Açu e Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1984. p. 152.

2

Id. A tradição popular e o coronel de milícias Caetano Dantas Correia. In: DANTAS, José Adelino. O coronel de milícias Caetano Dantas Correia: um inventário revelando um homem. Natal: CERN, 1977. p. 65.

3

CORRÊA, Manuel Antonio Dantas. Sem título. In: GUERRA, Phelipe; GUERRA, Theophilo. Seccas contra a secca. 4.ed. Mossoró: Fundação Vingt-Un Rosado/Fundação Guimarães Duque, 2001. p. 10.

4

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas famílias do Seridó, p. 123. Acreditamos que os descendentes de Caetano Dantas devem ter entrado em contato com esse livro, razão pela qual, no século XX, diversas narrativas de sua vida ainda estavam presentes no imaginário regional, tendo sido registradas pelo seu tetraneto José de Azevêdo Dantas (1890-1929) no jornal manuscrito O Momento.

5

Id. A tradição popular e o coronel de milícias Caetano Dantas Correia. In: DANTAS, José Adelino. O coronel de milícias Caetano Dantas Correia: um inventário revelando um homem, p. 61.

6

CARVALHO, Laerte Ramos de. A educação e seus métodos. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (dir.). História geral da civilização brasileira. 12.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. p. 89-91. t.I (A Época Colonial), v. 2 (Administração, Economia, Sociedade).

Dantas Corrêa, Silvestre Dantas Corrêa7 e Micaela Dantas Pereira8. Simplício Dantas e Manuel Antônio Dantas, respectivamente, deixaram importantes relatos em poesia e prosa acerca das coisas e das gentes do sertão do Seridó.

Simplício Dantas nasceu entre 1759 e 1763 e faleceu entre 1827 e 1829, tendo residido por um tempo na fazenda Retiro e, posteriormente, instalado-se na fazenda Xiquexique, no rio Carnaúba, tributário do rio Acauã. Casou três vezes: a primeira com Manuela Dornelles de Bittencourt, filha de Antonio Garcia de Sá Barroso e Ana Lins de Vasconcelos; a segunda com a sobrinha Ana Francisca de Medeiros, filha de João Crisóstomo de Medeiros e Francisca Xavier Dantas; e a última com Rita Maria da Conceição, filha de José Ferreira de Melo e Joana Maria de Castro. Além de criador de gado, exerceu, tal como seu pai, cargos militares ligados ao Regimento das Ordenanças da Vila Nova do Príncipe. Em 1789 era tenente, conforme o registro de sepultamento de sua filha Florência9. Seis anos depois, quando foi dar a sepultura ao filho João, foi registrado, no assento da freguesia, como capitão.10

Segundo José de Azevêdo Dantas11, baseado na tradição oral recolhida entre os moradores do rio Carnaúba, dentre os filhos de Caetano Dantas que “se destinguiram pelos seus elevados dotes intelectuais”12

estava Simplício Dantas, que “teve alta vocação para as lides poéticas”. Embora não tivesse “a educação vernacula", narra o seu trineto, foi um “exímio poeta”, tendo o hábito de, no pôr-do-sol, sentar alguns momentos numa pedra que ficava localizada nas proximidades de sua fazenda, no Xiquexique, onde sua inspiração lhe

7

RIO GRANDE DO NORTE. Fórum Desembargador Félix Bezerra (FDFB). Comarca de Acari (CA). Inventários e arrolamentos. Mç 01. Inventário de Caetano Dantas Corrêa. Inventariante: Josefa de Araújo Pereira. Vila Nova do Príncipe, Capitania do Rio Grande do Norte e Comarca da Paraíba do Norte, 1798. (Manuscrito).

8

DANTAS, José Adelino. Homens e fatos do Seridó antigo. Garanhuns: O Monitor, 1962. p. 85-9 (contendo a transcrição da Escritura de Doação para Patrimonio da Capella da invocação de Nossa Snra. da Conceição, que pretendem erigir nesta Ribra. do Siridó na Fazda. da Conceição que fazem a da. Doação o Tente. Antonio de Azevedo Maya e Sua mulher D. Micaella Dantas Pereira de seis centas braças de terra nesta fazda citada).

9

PARÓQUIA DE SANT’ANA DE CAICÓ (PSC). Casa Paroquial São Joaquim (CPSJ). Livro de Óbitos nº 1. Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó (FGSSAS), 1788-1811, fl. 8. (Manuscrito).

10

PSC. CPSJ. Livro de Óbitos nº 1. FGSSAS, 1788-1811, fl. 43. (Manuscrito).

11

Autodidata que nasceu (1890) e morreu (1929) no sítio Xiquexique (hoje, município de Carnaúba dos Dantas), e que percorreu diversas disciplinas do conhecimento em suas obras, quase todas inéditas. Além de pesquisa arqueológica, desenvolveu estudos de geografia, história local, genealogia e meteorologia. Além disso, era músico, projetista, desenhista e escrevia jornais manuscritos – três, até onde pudemos investigar – que circulavam entre seus conhecidos e parentes, em Carnaúba dos Dantas – à sua época, ainda uma povoação – e Acari. Para saber mais, vide MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. José de Azevêdo Dantas: lembrando os 70 anos do início das pesquisas do primeiro arqueólogo do Seridó Potiguar em Carnaúba dos Dantas. Mneme – Revista de Humanidades, Caicó, v. 6, n. 13, p. 172-228, dez.2004/jan.2005.

12

DANTAS, José de Azevêdo Dantas. Simplicio Dantas – o poeta. O Momento – Jornal dedicado aos interesses da vida sertaneja, [Acari], ano I, n. 3, nov. 1924, p. 52-3. (Documento manuscrito e digitalizado, sob custódia da Biblioteca Central da Universidade Federal de Pernambuco). A partir de agora, todas as remissões e citações a Simplício Dantas serão feitas a partir desta fonte.

permitia escrever versos – que retrataram “os fatos que se desenrolaram pelas terras sertanejas”.

Dentre os temas que Simplício Dantas tratou nos seus versos são conhecidas a história de um barbatão, conhecido por sua “indomável brabeza”, que atraía a atenção de destemidos vaqueiros sertanejos; a ferocidade de uma onça ou maracajá que amedrontava os criadores das vizinhanças; as últimas pelejas travadas contra os “gentios” no interior13; a passagem de um eclipse total do sol14 e a história de uma matrona que feriu mortalmente um negro fugido do litoral15. Esses versos foram conservados em um “grosso volume em capas de couro”, os quais ainda foram conhecidos “dos seus ultimos descendentes”16

. Na época em que José de Azevêdo Dantas escreveu a crônica relatando as “lides poéticas” de Simplício Dantas (1924), o seu livro de capa de couro não mais existia, tendo desaparecido “na poeira do passado”.

O mesmo não aconteceu com uma crônica deixada por um irmão de Simplício Dantas, que chegou até a contemporaneidade através dos seus descendentes. Estamos falando de Manuel Antonio Dantas Corrêa, que nasceu em 1769 e faleceu em 1853, tendo contraído matrimônio, em 1790, com Maria José de Medeiros (2ª), filha de Manuel Álvares da Nóbrega e Maria José de Medeiros. O casal residiu por certo tempo na ribeira do Sabugi e depois se transferiu definitivamente para a fazenda Cajueiro, nas proximidades do Bico da Arara, onde criou seus filhos. Manuel Antonio Dantas Corrêa, até onde sabemos, exerceu o cargo de vereador na Vila Nova do Príncipe, entre 1830 e 183317.

Uma “noticia das seccas mais notáveis e suas consequencias, que têm havido nestes sertões do Norte, adjacentes ao Equador” é a temática dos apontamentos que Manuel Antônio

13

Certamente, trata-se de uma referência à Guerra dos Bárbaros (1683-1725).

14

Provavelmente trata do Eclipse Banneker, que aconteceu em 14 de abril de 1789 e foi visto da América (REIS, Norma Teresinha Oliveira. Eclipses ao longo dos séculos. [s.l.:s.n], [s.d.]. p. 39-40. Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000014522.pdf>. Acesso em 20 maio 2012.

15

Os versos que narram essa história foram intitulados de Um negro nu e cru, segundo a tradição. A matrona era Maria da Conceição de Mendonça, avó de Simplício Dantas, a qual, indo com uma escrava e uma filha visitar seu genro – não sabemos de Caetano ou Gregório Dantas – no riacho Carnaúba, deparou-se com “um negro horrível, asselvejado, completamente despido, [que] achava-se armado de uma foice”. Vendo as mulheres, dirigiu-se o negro em direção ao grupo “com gestos rancorosos de satisfazer os seus instintos animalescos”. Foi golpeada pelo espadagão que a matrona levava consigo, vindo a morrer posteriormente. Uma versão desse relato foi publicada, com nova roupagem, em MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas famílias do Seridó, p. 113-4.

16

O coronel Joaquim Paulino de Medeiros (1844-1932), conhecido como Quincó, da fazenda Rajada, no rio Carnaúba, foi um dos informantes que transmitiram as informações acerca do poeta Simplício Dantas a seu descendente, o autodidata José de Azevêdo Dantas. É possível, portanto, que tenha tido acesso, ainda, aos originais acondicionados no volume com capa de couro ou, eventualmente, ter apreendido tal conteúdo nas rodas de conversa com seus ancestrais ou familiares, como era comum no sertão.

17

Ex-prefeitos. In: Prefeitura de Caicó: Cidade de fé e alegria. Disponível em: <http://www.prefeituradecaico.com.br/exprefeitos.php>. Acesso em: 07 set. 2011.

Dantas deixou no texto datado de 1847, que veio a lume apenas em 190918. Trata-se de uma crônica que descreve as secas ocorridas no intervalo de 1723 a 1847, situando seus principais efeitos sobre as populações que habitavam nos sertões, com ênfase na Ribeira do Seridó. É, dessa maneira, o “primeiro texto sistemático de que temos notícia, acerca do Seridó”, no formato de prosa19, cujo introito é deveras singular: Manuel Antonio Dantas apresenta, aos seus leitores, chaves explicativas de sua procedência familiar.

No início da narrativa ele revela que tinha, à época, 79 anos de idade e era filho do “coronel Caetano Dantas Corrêa”. Sobre este o cronista relatou que nasceu na Paraíba do Norte em 1710 e teve como primeiro ofício o de vaqueiro, junto a um irmão mais velho, no sertão das Piranhas. Daí migrou para a ribeira do Acauã, onde casou, teve filhos – educados “nos dogmas da religião catholica e regras do bem viver” –, integrou as tropas militares da ribeira e morreu, com 87 anos. O filho-cronista arremata essa introdução ao dizer que o coronel Caetano Dantas deixou “numerosa descendência, e de si saudável memória, não só aos seus descendentes, como tambem aos mais moradores do lugar de sua residencia". Esse trecho inicial do manuscrito, assim, adverte ao leitor de onde o emissor está falando, ou seja, da mesma maneira que os historiadores modernos, enuncia o seu lugar de produção20. Ser filho do coronel Caetano Dantas Corrêa, além de ligar o autor do texto a uma das estirpes tradicionais da ribeira do Seridó, autorizava, de certa maneira, a condição de verdade para o relato que era produzido acerca das secas “nestes sertões do Norte” 21

. Podemos dizer, dessa maneira, que o manuscrito de Manuel Antonio Dantas Corrêa é, até onde se tem conhecimento, o primeiro texto genealógico do Seridó.

Assim como o texto do proprietário da fazenda Cajueiro, outros relatos sobre a ascendência e descendência dos criadores de gado do sertão foram produzidos e guardados nas casas de fazenda, considerando que, na opinião de Sinval Costa, “a genealogia também era assunto em todas as fazendas, ribeiras e no ambiente urbano até o início dos anos sessenta

18

O manuscrito foi publicado pelos seus bisnetos Theophilo e Phelippe Guerra no livro Seccas contra a secca (GUERRA, Phelipe; GUERRA, Theophilo. Seccas contra a secca, p. 9-16).

19

MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. A penúltima versão do Seridó: uma história do regionalismo seridoense. Natal: Sebo Vermelho, 2005. p. 91. No capítulo 2 do livro, intitulado Espaço da provação e promissão, o autor procede a um instigante e bem fundamentado exercício de história da leitura, realçando os principais aspectos do texto de Dantas Corrêa, sobretudo a intertextualidade do manuscrito em relação à narrativa bíblica do Êxodo, aspectos da formação do autor e das condições de recepção por parte do público leitor e a construção da ideia do Seridó enquanto um “espaço agônico” (Ibid., p. 89-121). Posteriormente, o tema da narrativa das secas no texto de Manuel Antonio Dantas Corrêa também foi analisado por ARAÚJO, Douglas. A Morte do Sertão Antigo no Seridó: o desmoronamento das fazendas agropecuaristas em Caicó e Florânia (1970-1990). 2003. 225f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2003. p. 59-65.

20

CERTEAU, Michel de. A operação histórica. In: Id. A escrita da história. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 65

21

do atual século [XX]”22

. Consubstanciou-se, no Seridó antigo, a rememoração dos ancestrais nas rodas de conversa e reuniões familiares, conhecimento que foi, assim, transmitido geração a geração, resultando em certa tradição, a partir do século XX, de publicação de estudos genealógicos acerca das famílias do Seridó norte-rio-grandense, como veremos posteriormente.

A prática de se efetuar a recomposição das ancestralidades familiares era um dos legados da cultura luso-brasílica, que se disseminou na ribeira do Seridó no contexto da ocidentalização. Herança que traz semelhança, guardadas as devidas proporções, com o costume português de produzir livros com linhagens da nobreza durante os tempos medievais23. Sobre este tema, em particular, Jacques Le Goff nos lembra de que um dos fenômenos de mentalidade histórica ligado à grande estrutura social e política do feudalismo, no Medievo, era o da construção das genealogias24. Georges Duby, por sua vez, assegura que, no decurso dos séculos XI e XII, senhores feudais haviam patrocinado – especialmente na França – a edição de vasta literatura genealógica, visando o enaltecimento do renome de suas linhagens, o que contribuiria, certamente, para que importantes alianças matrimoniais fossem forjadas. De forma que uma das atitudes mentais presentes na cultura aristocrática medieval corresponderia ao “sentimento dinástico, à veneração pelos ancestrais, ao senso de linhagem, um conjunto de representações mentais que forma verdadeiramente a estrutura da noção de

nobilitas”25.

Dos cadernos de apontamentos e notas de família que conhecemos26 aquele que nos parece ser mais representativo é a “Genealogia dos nossos antipassados referentes aos differentes ramos de nossa ascendencia q.e são = Medeiros, Araújos, Dantas e Silvas”, que foi escrito pelo coronel Manuel Maria do Nascimento Silva, na sua fazenda Navio – hoje,

22

COSTA, Sinval. Os Álvares do Seridó e suas ramificações. Recife: ed. do autor, 1999. p. 12.

23

Tais livros de linhagens, compilados entre os séculos XIII e XIV, segundo José d’Assunção Barros, produziam espaços de poder, na medida em que as pessoas e os grupos sociais eram incluídos ou não na nobreza, devido a suas conexões de ascendência. O autor analisa, para chegar a essas conclusões, três obras: O Livro Velho, O Livro do Deão e o Livro de Linhagens do Conde D. Pedro (BARROS, José d’Assunção. A operação genealógica: a produção de memória e os Livros de Linhagens medievais portugueses. Mouseion – Revista eletrônica do Museu e Arquivo Histórico La Salle, Canoas, RS, v. 1, n. 2, p. 142-67, jul./dez.2007).

24

LE GOFF, Jacques. História e memória. 3.ed. Campinas: Edunicamp, 1994. p. 67.

25

DUBY, Georges. A sociedade cavalheiresca. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 148.

26

Referimo-nos aos seguintes manuscritos: Genealogia da familia Dantas, anônimo, armazenado no arquivo particular de d. José Adelino Dantas, no Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias, em Carnaúba dos Dantas; Alguns ramos genealógicos que precederam ou se entroncaram em alguns famílias do Nordeste brasileiro, de Clementino Camboim, que faz parte do acervo particular do Sr. Neemias Gurgel, residente em Natal-RN; Anotações genealógicas, de Phelippe Guerra, cuja cópia encontra-se armazenada no arquivo particular de d. José Adelino Dantas, no Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias, em Carnaúba dos Dantas.

território do município de Acari27. Nas 23 páginas do manuscrito estão listadas as descendências de quatro patriarcas que deixaram descendências na ribeira do Seridó e seus afluentes: 1) Pedro Ferreira das Neves, casado com Custódia de Amorim Valcácer, de onde vêm os Medeiros; 2) Tomás de Araújo Pereira, casado com Maria da Conceição, antecessores dos Araújo; 3) José Dantas Corrêa, casado com Isabel da Rocha Meirelles, troncos da família Dantas; 4) Manuel da Silva Ribeiro, casado com Florência Gomes, ancestrais dos Gomes da Silva.

O curioso a anotar é que no texto genealógico referido, que adotou a forma do relato28,

o próprio autor se incluiu dentre os descendentes dos quatro ramos familiares que tiveram suas descendências destrinçadas. Manuelzinho do Navio, como era conhecido popularmente, representa um sujeito histórico cuja genealogia pode ilustrar um fenômeno que acontecia em grandes proporções na ribeira do Seridó entre as famílias mais aparentadas: o do casamento endogâmico. Ele era filho de João Gomes da Silva e Luzia Úrsula de Medeiros, que eram primos legítimos. Seus avós paternos eram Francisco Gomes da Silva e Maria Joaquina dos Santos, da fazenda Flores, ribeira do Acauã. E, maternos, Caetano Dantas Corrêa (2º) e Luzia Maria do Espírito Santo, da fazenda Carnaúba, ribeira de mesmo nome. Como Maria Joaquina e Caetano Dantas (2º) eram irmãos, filhos do coronel Caetano Dantas Corrêa, isto quer dizer que Manuelzinho do Navio era trineto de José Dantas Corrêa e Isabel da Rocha Meirelles. Suas outras conexões com os troncos das famílias que encabeçam o seu texto genealógico são as seguintes: trineto de Manuel da Silva Ribeiro e Florência Gomes; tetraneto de Tomás de Araújo Pereira e Maria da Conceição; e tetraneto de Pedro Ferreira das Neves e Custódia de Amorim Valcácer.

Os escritos de Manuelzinho do Navio, dessa maneira, produzem uma versão da história da ribeira do Seridó que se materializa a medida que o autor elege determinados patriarcas para compor essa nobiliarquia sertaneja29, cujas linhagens principiam no fim do

século XVII e estendem-se até o início do século XX, época em que o manuscrito foi

27

LABORDOC. Fundo José Augusto Bezerra de Medeiros (FJABM). Cx. 481. Genealogia dos nossos antipassados referentes aos differentes ramos de nossa ascendencia q.e são = Medeiros, Araújos, Dantas e Silvas [escrita por Manuel Maria do Nascimento Silva]. Fazenda do Navio, 16 jul 1909. (Manuscrito).

28

Segundo José d’Assunção Barros, “Existem textos genealógicos de diversos tipos, desde os mais esquemáticos até os mais descritivos e narrativos” BARROS, José d’Assunção. A operação genealógica: a produção de memória e os Livros de Linhagens medievais portugueses. Mouseion – Revista eletrônica do Museu e Arquivo Histórico La Salle, p. 144). Os tipos mais comuns são a árvore genealógica e o relato de descendentes, que pode ser vir entrecortado com fragmentos da vida dos familiares.

29

A expressão nobiliarquia sertaneja está sendo empregada, aqui, para referir-se ao conjunto de indivíduos de procedência reinol (ou filhos de lusitanos) que participaram do processo de apropriação do espaço das ribeiras do sertão da Capitania do Rio Grande a partir do final do século XVII, acumularam cabedal (terra e escravos, sobretudo), exerceram funções políticas (nas esferas militar, civil, eclesiástica e judiciária), além de originarem linhagens cujos descendentes constituíram as elites dessa região nos séculos posteriores.

redigido. Nessa história estão inscritas genealogias de famílias que se estabeleceram no