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No que diz respeito aos registros paroquiais, listamos 943 uniões sacramentadas pela Igreja Católica nos dois livros de casamento mais antigos da Freguesia do Seridó, cujo período vai de 1788 a 1821. Quase 4% desses assentos envolvem índios ou seus filhos como um dos nubentes, cujos matrimônios aconteceram nos templos existentes no território da freguesia: vinte na Matriz de Santa Ana do Seridó, oito na Capela de Nossa Senhora da Guia do Acari, cinco na Capela de Santa Ana dos Currais Novos e um na Capela de Nossa Senhora dos Aflitos do Jardim das Piranhas. Os demais foram feitos nas fazendas Jucurutu e Olho d‟Água, além de um na Serra do Grujaú e outro na Serra do Cuité.

MEDEIROS, Francisco Castilho de. Entrevista [Lagoa Nova-RN, ca.nov. 2004]. Entrevistador: Francisco Ônio de Lima. In: Ibid.

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COUTINHO, Joaquim. História de Lagoa Nova, p. 19-22.

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MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhos inventários do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1983. p. 165-76. No inventário de dona Adriana de Holanda, no título de ferro, foram arrolados bens relacionados à lavoura de mandioca: dois ferros de abrir cova, velhos (por $240) e um veio de ferro, de roda de moer mandioca (por 1$000).

Afora esses trinta e oito casamentos, conseguimos rastrear mais vinte e três casos de união ratificada pela bênção dos padres e dos quais, infelizmente, não dispomos dos registros de paróquia. A constatação de que esses índios ou seus filhos casaram somente foi possível graças ao cruzamento dos dados dos registros de enterro (1788-1838) e de batizado (1803- 1818). Compulsando esses documentos, também encontramos duas uniões informais entre índios e seis casos onde mães índias tiveram seus filhos solteiras, situações em que os rebentos eram tidos, pela ótica do cura que registrava os assentos na freguesia – e, portanto, da sociedade colonial – como naturais, em contraposição aos legítimos, fruto do casamento sacramentado. O exame das fontes paroquiais para o recorte de 1788 a 1838, dessa maneira, permite-nos verificar a presença de sessenta e nove famílias21 de índios (ou de filhos de índios) vivendo no território da Freguesia do Seridó.

Um dos casos de ajuntamento não formal é o dos índios Ludovico de Azevêdo e Maria da Conceição, que, embora moradores na Freguesia do Pombal vieram dar sepultura ao filho Francisco em 1790. Com três dias de nascido, o pequeno Francisco foi sepultado na Matriz do Seridó, o que nos leva a presumir que seus pais estivessem de passagem pela Vila Nova do Príncipe ou suas redondezas.22 A mesma situação vivia os pais de João, que morreu com quatro meses e foi sepultado na Capela do Jardim das Piranhas em 1798. Seus pais, os índios Braz Martinho e Ana Maria Gonçalves, não eram casados. 23

Os registros da freguesia não nos contam se esses casais de índios se consorciaram posteriormente, tampouco indicam o que fizeram de suas vidas após a morte dos filhos. Tais assentos, contudo, mostram-nos que, para além das imposições da Igreja Católica Romana no sentido de que todos os habitantes do Novo Mundo prestassem juramento nupcial sob as bênçãos divinas, as práticas cotidianas pareciam não acontecer exatamente como preceituavam as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1707.24 Fazemos esta

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O entendimento do conceito de família, para este texto, está ligado à sua compreensão no sentido mais lato. Família é entendida, aqui, tanto na sua formulação nuclear (pai, mãe e filhos que coabitavam num mesmo espaço) quanto naquela que considera parentes por razões de sanguinidade e rituais. Entendemos família, também, nos casos formados por mães que criaram seus filhos sem estarem casadas ou mesmo amasiadas. Sobre o conceito de família e as possibilidades de compreensão dessa terminologia, verificar FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998. p. 39-45; FARIA, Sheila de Castro. Família. In: VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1822). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p. 216-8; METCALF, Alida C. Família. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord.). Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa: Verbo, 1994. p. 330-1.

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PARÓQUIA DE SANT‟ANA DE CAICÓ (PSC). Casa Paroquial São Joaquim (CPSJ). Livro de Óbitos nº 1. Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó (FGSSAS), 1788-1811, fl. 11. (Manuscrito).

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PSC. CPSJ. Livro de Óbitos nº 1. FGSSAS, 1788-1811, fl. 56v. (Manuscrito).

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As Constituições Primeiras fixavam o ordenamento jurídico do Cristianismo nas possessões lusitanas na América, vigorando até o ano de 1917 – quando da publicação do Código de Direito Canônico. Elas tinham suas raízes no Concílio de Trento (1545-1563), que determinou a formalização da prática dos registros de batizados, comunhões, crismas, casamentos, mortes ou enterros em livros separados e ainda a supervalorização da família

afirmação com base nos índices de legitimidade dos noivos e noivas da Freguesia do Seridó, como estabelecido na Tabela 2:

Tabela 2 – Filiação dos noivos e noivas da Freguesia do Seridó (1788-1821)

FILIAÇÃO NOIVOS NOIVAS

QUANTIDADE % QUANTIDADE %

Sem identificação dos pais 190 20,1 79 21,3

Exposto (a) 6 0,6 5 0,5

Legítimo (a) 648 68,7 657 69,7

Natural 99 10,5 80 8,5

TOTAL 943 100,0 943 100,0

Fonte: PSC. CPSJ. Livro de Casamentos nº 1. FGSSAS, 1788-1809 e Livro de Casamentos nº 2. FGSSAS, 1809- 1821. (Manuscritos).

Tais registros nos mostram que 10% dos homens e 8% das mulheres, em números redondos, vinham de relações bastardas no período de 1788 a 1821 – índice bastante diminuto se comparado com o dos nubentes que eram filhos legítimos, 68% dos homens e 69% das mulheres. No universo dos 38 casamentos de índios e filhos de índios a taxa de legitimidade é um pouco menor: cerca de 45% dos homens e 42% das mulheres eram filhos legítimos, enquanto aproximadamente 25% dos homens e 20% das mulheres eram filhos naturais.25

Outro tipo de agrupamento familiar que constatamos ao examinar os assentos da freguesia para esse período foi o de mulheres índias que, mesmo solteiras, tiveram filhos por laços de sangue e de parentesco ritual. A mais antiga referência é a da índia Rosa, moradora na Povoação do Acari, que acolheu uma exposta em sua casa em meados do ano de 1788. A criança não duraria muito, vindo a falecer no início de setembro desse ano.26 Nove anos depois a Capela de Nossa Senhora da Guia receberia, em seu interior, o cadáver de nova criança, desta vez o pequeno Félix, filho natural da índia Fabiana Barbosa, também moradora, como Rosa, na Povoação do Acari. Em 1814 a índia Fabiana estaria novamente na Capela da Virgem da Guia, entretanto, no rito de batizado da pequena Rulfina, que fora exposta em sua casa.27 Supomos que ambas as índias, Rosa e Fabiana, deveriam ter pequenas posses ou, ao

institucionalmente constituída através do casamento em detrimento de conversações ilícitas, adultérios, concubinatos, amasiamentos e “demais formas de convivência sexual e conjugal que não o sagrado matrimônio” (PRIORE, Mary Lucy Murray del. Brasil Colonial: um caso de famílias no feminino plural. Cadernos de Pesquisa – Fundação Carlos Chagas, São Paulo, n. 91, p. 71, 1994). Todavia, as injunções do Padroado Régio contribuíram para que a Igreja fizesse vênia às estruturas de poder coloniais, permitindo que parentes bastante chegados se consorciassem (tios com sobrinhas, por exemplo), atitude que asseverava a garantia do poder das famílias de elite.

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Tomamos como base, para este cálculo, os 38 casamentos envolvendo índios e filhos de índios. Dos registros que não declararam a legitimidade dos nubentes, aproximadamente 28% eram de homens e 34% de mulheres. Apenas uma noiva era exposta.

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PSC. CPSJ. Livro de Óbitos nº 1. FGSSAS, 1788-1811, fl. 2v. (Manuscrito).

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menos, uma casa de morada na Povoação do Acari – se não tinham uma casa, deveriam morar como agregadas junto a alguma família.

Acari era uma pequena povoação entre o fim do século XVIII e primeiras décadas do século XIX e, certamente, as duas índias deveriam ser bastante conhecidas nesse espaço, considerando que foram procuradas – ao invés das famílias dos fazendeiros de gado – para receber as duas crianças enjeitadas. Uma estatística produzida pelos vereadores da Câmara Municipal da Vila do Príncipe nos fornece um retrato do que era o Acari no final dos anos de 1820: 98 almas moravam na povoação, sendo 62 livres e 36 cativas, dispostas em 21 fogos – o que nos dá uma média de 4 moradores por fogo, em números redondos. No espaço abençoado pela Capela de Nossa Senhora da Guia havia 5 casas de alvenaria e 16 de taipa. Não existia lugares para comercialização de fazendas secas e molhadas e tampouco tabernas. Cinco oficiais de ofícios tinham como lugar de domicílio a povoação: 1 alfaiate, 2 sapateiros, 1 pedreiro e 1 seleiro. Mesmo com esses números, Acari era a segunda maior mancha urbana da freguesia, superada apenas pela Vila do Príncipe, que tinha 68 casas e 169 almas, dispostas em 23 fogos.28

As outras mães índias que, mesmo solteiras, também tiveram seus filhos, habitavam nas ribeiras adjacentes à do rio Acauã. A índia Ana Joaquina deveria residir nas cercanias do riacho São José, já que os padrinhos de sua filha, Joaquim José de Santa Ana e Maria Teresa, também moravam nessa mesma região. Joaquina, sua filha, foi batizada em 1805 pelo padre Manuel Teixeira da Fonseca.29 As outras três indígenas tinham como domicílio a região próxima à Capela de Santa Ana dos Currais Novos, na ribeira do Totoró.

A primeira, Joana da Rocha, compareceu à Capela do Acari, em 1802,30 para dar sepultura ao filho, Alexandre, na época, com 16 anos.31 Na ata do óbito do índio Alexandre consta a referência de que o mesmo era “moço” do capitão-mor Cipriano Lopes Galvão. O

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BRASIL. Arquivo Nacional (AN). Rio de Janeiro (RJ). CODES. Fundo D9 – Vice-Reinado. Cx. 761. Cód. 029.0.78. Mapa das Povoaçoens do Termo da Va do Principe indicando a sua qualidade, nome, numero de cazas, fogos, Almas, e loges qe contam - Anno de 1827 (N.º 1) e Mapa dos Officiaes de Officios qe existem no termo da Villa do Principe designando os lugares de seus domicílios – Anno de 1827 (N.º 3) [que integram a ] Resposta pr artigos aos Quezitos pedidos á Camera da Villa do Principe pelo Exmo Snr Preside desta Prova [Villa do Principe 2 de Junho de 1827], anexo à Carta dos Vereadores da Villa do Principe ao Rei, de 3 jul 1822. Agradeço a Thiago Alves Dias a cessão deste documento.

29

PSC. CPSJ. Livro de Batismos nº 1. FGSSAS, 1803-1806, fl. 83v. (Manuscrito).

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A Capela de Santa Ana dos Currais Novos teve autorização do Bispado de Olinda para ser erigida através de provisão de 24 de fevereiro de 1808, de dom frei José Maria de Araújo. Em maio de 1809 já estava construída, “(...) servindo aos ofícios divinos e recebendo cadáveres" (DANTAS, José Adelino. Homens e fatos do Seridó antigo. Garanhuns: O Monitor, 1962. p. 92-3)

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termo “moço” designava criados livres32

que mantinham laços de dependência com fazendeiros – a exemplo dos fâmulos – tornando-se seus filhos de criação. Cipriano Lopes Galvão, no ano da morte do índio (1802) era capitão-mor do Regimento de Cavalaria das Ordenanças da Vila Nova do Príncipe, patente máxima das tropas de 3ª linha existentes no período colonial e residia na fazenda Totoró33. É bastante provável que Alexandre e sua mãe, a índia Joana da Rocha, residissem nessa mesma fazenda como agregados do capitão-mor Galvão – como era mais conhecido Cipriano Lopes Galvão.

O fato é que duas outras índias, em outubro de 1815, celebraram o batizado de suas filhas no Totoró: Maria do Carmo, mãe da pequena Rita, que tinha, à época, 2 meses34 e Joana Tavares, mãe de Angélica, com um mês de nascida.35 Embora a índia Joana Tavares fosse moradora no platô da Serra de Santana, as relações de parentesco ritual que estabeleceu no batizado de sua filha demonstram que mantinha convívio, também, com as populações que moravam na planície. Escolheu para padrinhos da índia Angélica dois pardos, Luiz, solteiro e Ana, casada, ambos escravos do capitão Félix Gomes Pequeno (2º), morador no Totoró – este último, filho de dona Adriana de Holanda, aquela mesma que, segundo a tradição oral, desbravou a Serra de Santana.

Os índios Félix, Joaquina, Alexandre, Rita e Angélica, conquanto não tenham conhecido seus pais legítimos, ainda tiveram as suas mães para acompanhar-lhes, ao menos, nos ritos de passagem cristãos. Situação mais adversa viveram os índios que foram recusados pelos seus pais e deixados em diversos pontos do território da freguesia para outras pessoas criarem. O abandono de crianças foi um problema frequente, seja nas áreas urbanas, seja nas áreas rurais da América portuguesa, resultando em enjeitados, expostos, largados – como os discursos coloniais tratavam o que hoje nós chamamos de menores abandonados. A criação de instâncias próprias para cuidar dos expostos nos principais centros urbanos da colônia

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Raphael Bluteau considera, para uma das acepções da palavra moço, o significado de criado, servo, baseando- se na sua derivação “(...) do Grego Motax, que quer dizer Escravo pequeno, ou escravo crioulo.” (BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712-1728. v.6 (K-N) , p. 525). Moraes e Silva ratifica esse significado: “(...) O que serve a algum amo, criado, servo. (...)” (SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portugueza – recompilado dos vocabularios impressos ate agora, e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescentado, por ANTONIO DE MORAES SILVA. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813. t. II (L-Z), p. 88).

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MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhos inventários do Seridó, p. 88 e 201.

34

PSC. CPSJ. Livro de Batismos nº 2. FGSSAS, 1814-1818, fl. 62v. (Manuscrito).

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portuguesa na América demonstrava ser uma espécie de válvula de escape a bem da moral pública, já que muitos dos enjeitados eram produto de relações ilícitas36.

Nos registros da Freguesia do Seridó de que dispomos encontramos três casos de enjeitados que nos chamaram atenção. Os dois primeiros são de índios que foram sepultados na Matriz do Seridó: Teresa, falecida em 1792, que anteriormente havia sido exposta na casa de Maria Gonçalves de Jesus, moradora no sítio da Suçuarana37 e Francisco, que foi largado na fazenda Sabugi, em casa do capitão Manuel Gonçalves Melo. Este deixou de existir em 1806, quando tinha então 23 anos38.

A despeito de todas as dificuldades que um exposto poderia passar durante a criação com os filhos legítimos dos pais onde foi largado, não deveríamos ter, em tese, notícias de suas sobrevivências na idade adulta – ainda mais se tratando de índios enjeitados, esmagados pela carga de discriminação infligida pelo restante da sociedade colonial. Contrariando essa ideia em 1799 a Capela do Acari assistiu o casamento de Serafim de Souza, natural de Mamanguape e da índia Josefa Maria dos Santos, moradora na Povoação do Acari. Esta, exposta na casa de Joana Dantas Corrêa, viúva de Antonio Dantas Corrêa, seu parente em segundo grau39 e filho de Caetano Dantas Corrêa, sobre quem já discorremos neste capítulo.

No que concerne às uniões sacramentadas pelos padres no território da freguesia, nos indagamos com que pessoas os índios e seus filhos se casaram, considerando que a data-limite do início dos registros paroquiais analisados corresponde ao período em que um conjunto de transformações socioeconômicas atravessava os domínios coloniais. Transformações essas advindas das reformas propostas pelo Marquês de Pombal no governo de D. José I (1750- 1777), que objetivavam “(...) promover a agricultura e o comércio e aumentar os laços da exploração colonial.”40

Dentre as várias medidas tomadas pela Coroa portuguesa para atingir essas metas estava a de “civilizar” os índios que estavam nas suas possessões ultramarinas,

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VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas: assistência à criança de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador – séculos XVIII e XIX. Campinas: Papirus, 1999. p. 17-40; FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial, p. 68-87.

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PSC. CPSJ. Livro de Óbitos nº 1. FGSSAS, 1788-1811, fl. 32v. (Manuscrito).

38

PSC. CPSJ. Livro de Óbitos nº 1. FGSSAS, 1788-1811, fl. 111. (Manuscrito).

39

Joana Dantas Corrêa era filha de Rosa Maria da Conceição e esta de Gregório José Dantas Corrêa e de Joana de Araújo Pereira. Antonio Dantas Corrêa, seu marido, filho de Caetano Dantas Corrêa e de Josefa de Araújo Pereira. Caetano e Gregório Dantas, assim como Josefa e Joana de Araújo, eram irmãos (MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas famílias do Seridó, p. 184-5; 221).

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MEDEIROS, Ricardo Pinto de. Política indigenista do período pombalino e seus reflexos nas Capitanias do Norte da América portuguesa. In: OLIVEIRA, Carla Mary S.; Id. (orgs.). Novos olhares sobre as Capitanias do Norte do Estado do Brasil. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2007. p. 125.

integrando-os à sociedade colonial – diferentemente da política de segregação praticada, dos anos de 1760, pelos missionários.41

Dessa forma, o alvará de 4 de abril de 1755 incentivava o casamento misto, na medida em que determinava que os vassalos de el-rei que casassem com índias, no reino ou do outro lado do oceano, não seriam marcados com infâmia alguma, bem como seus descendentes – cláusula estendida, também, para os casamentos de portuguesas com índios. Esse alvará proibia, também, que os vassalos casados com índias ou seus descendentes fossem “(...) tratados com o nome de Caboucolos, ou outro semelhante, que possa ser injurioso”42, sendo esse ato punido com a expulsão do termo da comarca respectiva, após competente investigação, daqueles que cometessem a citada ofensa.

Dois anos depois, em 1757, foi editado um Diretório para ser aplicado no âmbito das povoações de índios do Pará e Maranhão, tendo em vista a necessidade de se tutelar as populações nativas, consideradas incapazes de se autogovernar. Conhecido como Diretório dos Índios ou Diretório Pombalino, esse documento, composto de 95 artigos, consolidou a política indigenista da Coroa portuguesa ao passo que expressava a vontade do rei de “(...) cristianizar, e civilizar estes até agora infelices, e miseraveis Póvos, para que sahindo da ignorancia, e rusticidade, a que se achão reduzidos, possão ser úteis a si, aos moradores, e ao Estado (...)”.43

Estendido em 1758 para que tivesse validade, também, no Estado do Brasil, o Diretório corroborava o previsto no Alvará de 04 de abril de 1755 ao aconselhar aos diretores das vilas, nos artigos 87 a 89, que facilitassem e promovessem os casamentos entre brancos e índios. Na adaptação que foi feita do Diretório para a Capitania de Pernambuco e anexas, em 1758, a recomendação para que os diretores incentivassem os casamentos mistos também foi contemplada, nos parágrafos 91 a 93. Além disso, a Direção de Pernambuco expressava aos diretores das vilas que não consentissem que as pessoas chamassem os índios de “(...) cativo,

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MEDEIROS, Ricardo Pinto de. Política indigenista do período pombalino e seus reflexos nas Capitanias do Norte da América portuguesa. In: OLIVEIRA, Carla Mary S.; Id. (orgs.). Novos olhares sobre as Capitanias do Norte do Estado do Brasil, p. 126.

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PORTUGAL. Alvará estipulando que os vassalos casados com índios não sofrerão de infâmia mas se farão dignos da atenção real e serão preferidos nas terras em que se estabeleceram para ocupações e postos; e os seus filhos e descendentes serão hábeis para quaisquer postos. Lisboa, 04 abril 1755. In: SILVA, Antônio Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza desde a última Compilação das Ordenações: Legislação de 1750 a 1762. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1830. p. 367-8.

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DIRECTORIO que se deve observar nas Povoaçoens dos Indios do Pará, e Maranhaõ em quanto Sua Magestade naõ mandar o contrario, art. 3. In: SILVA, Antônio Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza desde a última Compilação das Ordenações: Legislação de 1750 a 1762, p. 508.

caboclo e tapuia, nem que elles mesmo uzem entre si d‟estes nomes (...)”.44 Percebemos, dessa maneira, um esforço considerável da Coroa portuguesa em civilizar os índios e fazê-los esquecer suas práticas ancestrais, de modo que pudesse ser reconduzido ao seio da sociedade colonial por meio da união com os brancos, adoção de nomes de origem portuguesa e submissão ao Rei e ao Papa.

Esse incentivo ao casamento entre brancos e índios, na Capitania do Rio Grande do Norte, parece não ter surtido tanto efeito, a julgar pelos resultados que o exame das fontes paroquiais tem nos mostrado. É preciso considerar, todavia, que: a) não dispomos da totalidade dos documentos do período, sendo, portanto, uma afirmação embasada em recortes geo-históricos específicos; b) estamos considerando que os princípios do Diretório Pombalino também foram impostos para as vilas laicas, que, não necessariamente, tiveram sua gênese