• Nenhum resultado encontrado

5 PROPAGANDA E TURISMO

5.2 A idealização do Brasil a partir da propaganda

As primeiras décadas do século XX chegaram carregadas de novas demandas e buscas pelo progresso. A inovação tecnológica que se apresentava naquele período, juntamente com as mudanças geoeconômicas resultantes do conflito bélico mundial (1914/1918) vinha acompanhada dos anseios de mudanças comuns a períodos pós-guerra.

No Brasil dos anos 1920, a efervescência dos movimentos artístico-culturais se evidenciou com o Movimento Modernista e sua Semana de Arte Moderna, em 1922. As discussões acerca dos mais diversos temas, inclusive políticos, se espalhavam pelos jornais impressos, pelos cafés, exposições e eventos literários. O sentimento de brasilidade começa a tomar corpo e a agregar cada vez mais intelectuais. As posteriores excursões modernistas ao interior de Minas Gerais são um reflexo disso.

A radiodifusão acompanhava a movimentação da época: registra-se em 1922 o uso, ainda que incipiente deste meio, durante as festividades do Centenário da Independência do Brasil. De acordo com a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT, além das

emissoras dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Bahia e Ceará, havia outras em pleno funcionamento.

Em dois anos (1923-1924) eram muitas as emissoras em operação. No Rio Grande do Sul, a Sociedade Rádio Pelotense, de Pelotas, e em Porto Alegre, a Rádio Sociedade Gaúcha, que até hoje se proclama a pioneira no Sul do país. Em Minas Gerais, a Rádio Clube Belo Horizonte, com um potente transmissor de 500 watts; em Curitiba, a Rádio Clube Paranaense; em São Paulo, mais uma, a Rádio Clube São Paulo e a primeira emissora do interior, a Rádio Clube Ribeirão Preto. A partir daí, surgiram emissoras de rádio por todo o Brasil, como a Rádio Clube do Pará, no extremo Norte, e as fronteiriças do Rio Grande do Sul. (ABERT, 2017).

A despeito do uso em eventos oficiais, a radiodifusão funcionava sem qualquer regulamentação no Brasil. Foi apenas na década de 1931, que Getúlio Vargas publicou o Decreto nº 20.047, de 27 de maio, tratando da regulamentação e adotando o modelo norte- americano que não restringia o uso aos órgãos do governo, mas abria concessões de canais a particulares, além de permitir a venda de espaços durante a programação para a veiculação de comerciais.

A abrangência e a importância do meio rádio no Brasil foram coroadas nos anos 1930, caminhando para sua consolidação no período denominado de a Era do Rádio (1940-1950) (CALABRE, 2004; PINTO, 2012). Nesse período, o rádio deixou de ser apenas um transmissor de notícias para receber representantes da música brasileira, abrindo espaços para que os talentos musicais se dessem a conhecer e se profissionalizassem. Era o início da divulgação dos valores musicais, do enaltecimento do samba como representação da identidade nacional. O universo comercial também se expandiu com a gravação e venda de discos, a realização de shows transmitidos ao vivo pelas rádios e a associação do nome dos artistas às emissoras que os contratavam. Com intensa programação musical, de rádio- novelas, de esportes e de noticiários, o rádio passou a ser o melhor e mais eficiente meio de comunicação de massa à época. Isso o tornou objeto do interesse do Governo Vargas, que logo passou a fazer uso de suas facilidades de expansão em benefício próprio.

O crescimento do rádio neste período pode ser verificado pelos dados compilados pelo IBGE nos Anuários Estatísticos do Brasil – 1941/1945, 1946 e 1947, com o quadro que trata da radiodifusão no Brasil, cuja síntese pode ser verificada a seguir, com a apresentação do número de emissoras inauguradas no País, ano a ano, englobando o período de 1923 a 1945.

Quadro 8: A radiodifusão no Brasil – 1923 a 1945

Inauguração Nº estações Inauguração Nº estações

1923 02 1936 08 1924 05 1937 05 1925 03 1939 06 1926 02 1940 10 1927 02 1941 11 1928 02 1942 07 1931 01 1943 03 1933 05 1944 08 1934 15 1945 06 1935 09

Fonte: Anuário Estatístico do Brasil 1941/1945 (p.451), Anuário Estatístico do Brasil 194(p.449) 93 e Anuário Estatístico do Brasil 1947 (p.451). Dados agrupados para a pesquisa.

É interessante destacar que o número de emissoras existentes no ano de 1944, segundo o Anuário, é de 106, sendo 95 particulares, 09 oficiais e 02 sem registro.

No ano de 1935, surge A Voz do Brasil, um programa diário criado exclusivamente para a divulgação de notícias referentes ao Poder Executivo. No ano de 1938, o programa passa a se chamar A Hora do Brasil, também com uma hora de duração, porém agora com veiculação obrigatória, instituída por Vargas, por todas as emissoras do país, no mesmo horário. Era o início da apropriação dos meios de comunicação pelo Governo Vargas em favor das causas do regime recém-imposto ao Brasil.

No ano de 1936, criou-se a Rádio Nacional, inicialmente de caráter privado, porém, estatizada em 1940 (CALABRE, 2004, págs.30 e 52) por Vargas, visando uma melhor difusão de seus programas e ideais políticos. Veiculava-se, na Rádio Nacional, muito mais que a propaganda política propriamente dita: programas musicais, educativos, de humor, rádio-novelas e noticiários, mesclavam-se a comerciais pagos e a propagandas do Governo. Instalada no Edifício Joseph Gire94, mais conhecido como Edifício A Noite (Figuras 48 e 49), por abrigar a redação do jornal impresso de mesmo nome, a Rádio Nacional contava com as vantagens da localização privilegiada: na Praça Mauá, área central do Rio de Janeiro, no primeiro arranha- céu do país, projetado pelo mesmo arquiteto do Hotel Copacabana Palace e do Hotel Glória, o francês que dá nome ao edifício, e pelo arquiteto e professor brasileiro, Elisiário da Cunha

93

Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/20/aeb_1941_1945.pdf>. Acesso em dez 2017

94 Joseph Gire (1872-1933) – Arquiteto francês, graduado pela École Nationale Supérieure dês Beaux-Arts de Paris, chegou ao Rio de Janeiro em 1916, a convite da família Guinle. Foi responsável pela construção do Hotel Glória, do Palácio das Laranjeiras, do Copacabana Palace, entre outras.

Bahiana95. O prédio, que acabou se tornando um ponto de encontro entre empresários, artistas e políticos, mirante da cidade por alguns anos, teve sua importância reconhecida e foi tombado pelo IPHAN no ano de 2013. Seus 22 andares o colocavam como protagonista e imponente ponto de referência na Praça Mauá, como se pode comprovar pelas fotos a seguir.

Figura 48: Edifício A Noite – 1930 Figura 49: Edifício A Noite - vista aérea do centro do Rio de Janeiro, 1930.

Fonte: Diário do Rio. Disponível em: <http://diariodorio.com/histria-do-edifcio-a-noite>. Acesso em 05 jan 2018

A Rádio Nacional foi um marco na comunicação do País, e, mais que isso, um potente instrumento de encantamento da população, pelo qual se realizavam os sonhos dos artistas, com os concursos musicais e as apresentações de auditório. A glamorização que se deu a partir daí, fez surgir a Era do Rádio, ou os Anos de Ouro da Rádio Nacional, na qual despontaram e se projetaram grandes nomes da música brasileira (Figuras 50 e 51), como Dalva de Oliveira, Cauby Peixoto, Francisco Alvez, Ary Barroso, Ângela Maria, Almirante, Aracy de Almeida, Marlene, Emilinha Borba, Nelson Gonçalves, Carmem Miranda, dentre tantos (PINTO, 2012; CALABRE, 2004).

95

Elisiário Antônio da Cunha Bahiana (1891-1980) – Graduado pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, professor da Escola de Engenharia (Faculdade Mackenzie) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU/USP, responsável pela construção do Viaduto do Chá e do Jóquei Club de São Paulo, entre outros.

Figura 50: Cauby Peixoto no auditório da Rádio Nacional

Figura 51: Ângela Maria, Marlene e Emilinha Borba no palco da Rádio

Nacional

Fonte: Memorial da Democracia. Disponível em: <http://memorialdademocracia.com.br/card/alo-alo- brasil-aqui-fala-a-radio-nacional-do-rio-de-janeiro >. Acesso em maio 2018

A chegada das empresas norte-americanas ao país trouxe também agências de propaganda96, que passaram a veicular seus “reclames” nas rádios, principalmente na que foi a maior da América Latina, dando suporte financeiro para seu funcionamento, e reforçando a influência do modelo norte-americano também no cotidiano da população. Fosse pela venda de produtos, de ideias, da maneira de se vestir ou de se comportar.