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4 DESLOCAMENTOS – UMA VIAGEM SOB AS ASAS DA POLÍTICA NACIONAL

4.6 Cartadas para o turismo

Abordar a questão dos jogos no Brasil durante a Era Vargas é, certamente, um desafio. Considerando a ausência de dados compatíveis entre as fontes, e da existência de relatos contraditórios encontrados em matérias de jornal, tomaremos como guia a carta enviada a Oswaldo Aranha por Tomás Oscar Pinto de Saavedra, o Barão de Saavedra. (C.01/31)

Saavedra apresenta a Aranha uma espécie de relatório da estrutura organizacional do Copacabana Palace Hotel e de outros hotéis da Companhia Hotéis Palace. São apresentados números referentes à média de hóspedes, além dos procedimentos operacionais das empresas. O Barão prossegue, fazendo alusão aos tempos áureos do Rio de Janeiro, quando os hotéis da Companhia Palace Hotel estavam sempre lotados. Ao lamentar o fechamento de outros hotéis da cidade, em decorrência do fraco movimento de turistas, Saavedra observa que: “Uma cidade que fecha seus hotéis é uma cidade em decadência. O hotel representa o reflexo do progresso de uma grande capital, e nós nos podemos orgulhar de possuir os melhores hotéis da América do Sul”.

E prossegue, num ar nostálgico, agora apresentando o problema do Cassino de Copacabana Palace.

O fechamento arbitrário do Cassino Copacabana, por um acto de violência do governo Washington Luis, desrespeitando um contracto sub judice e a incúria do mesmo governo deixando alastrar a febre amarela.

O Hotel Copacabana e o seu casino foram construídos baseados num contracto celebrado com o governo Epitacio nelles se invertendo vultuosos capitaes. Elle preencheu os fins que tinha em vista. (C.01/31)

Entende-se que Saavedra atribui à febre amarela e à suspensão da autorização de funcionamento de cassinos no Rio de Janeiro o fechamento de hotéis, a redução de hóspedes e os largos prejuízos sofridos pelo comércio da capital federal naquele período.

E continua, sobre o Cassino do Copacabana Palace: “Elle era o centro da vida mundana do Rio de Janeiro, pois nelle se realizavam bailes, banquetes e festas e no seu theatro se exibiram as melhores troupes theatrais da Europa”. (C.01/31)

Ao solicitar a reabertura do Cassino, Saavedra faz lembrar que vários países mantinham cassinos e que isso era importante para o turismo e, consequentemente, para a economia do país.

A decisão do presidente Washington Luís de fechar os cassinos no Rio de Janeiro era, na opinião de Saavedra um equívoco a ser corrigido pelo atual governo.

O ex-presidente Washington Luís era de opinião, que o touriste se comprazia só com os passeios pelas nossas florestas e praias e que, fatigado desses passeios, à noite só desejava descansar. [...] Era um ponto de vista de que ninguém o demoveu, embora os factos e provas demonstrassem o contrário. C.01/31)

E destaca os prejuízos sofridos pelo Rio de Janeiro caso o Governo mantenha essa suspensão.

Permanecendo o novo governo no mesmo ponto de vista, numa área em que todos os paizes têm outra orientação, não vemos que a cidade do Rio de Janeiro possa voltar a ser uma grande cidade de turismo como tem o direito de ser, e não vemos que a nossa capital possa continuar a ufanar-se de possuir os maiores hoteis da América do Sul. (C.01/31)

O caso do fechamento dos Cassinos é um fato que tem datas, motivos e procedimentos que aparecem desencontrados na pesquisa. Sabemos que houve uma ação efetiva do governo Washington Luís para o fechamento dos cassinos.

O cassino do Copacabana Palace era o mais antigo: nascera junto com o hotel, em 1923, mas o jogo levara uma vida atribulada na República Velha e estivera proibido durante quase todo o governo Washington Luiz, de 1926 a 1930. Com Getúlio no poder, o jogo voltou em 1932 e o Copacabana foi o primeiro a reabrir. Octavio Guinle, proprietário do hotel, nunca o explorou, preferindo arrendá-lo a terceiros por 30 mil dólares fixos por mês e o direito de ser seu fornecedor exclusivo de comida e bebida. (CASTRO, 2005 p. 136)

O jogo no Brasil era uma atividade rentável e bastante atrativa às classes abastadas. Estimulava a economia, o turismo, e era o lazer dos privilegiados. Isso justifica o número de cassinos espalhados por diversas capitais do país, o que pode ser conferido a partir do quadro a seguir, no qual são identificadas casas de jogos em três grandes capitais da Região Sudeste do Brasil. O Quadro 6 apresenta uma amostra da quantidade de cassinos existentes nas capitais brasileiras.

Quadro 6: Cassinos no Brasil – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais CASSINOS NO BRASIL

ESTADO CIDADE ESTABELECIMENTO ABERTURA

Rio de Janeiro Rio de Janeiro Cassino do Palace Hotel 1910 Rio de Janeiro Cassino do Copacabana Palace Hotel 1923

Rio de Janeiro Cassino Beira-mar 1925

Rio de Janeiro Cassino da Urca 1933

Rio de Janeiro Cassino Atlântico 1935

Niterói Hotel Cassino Icaraí 1939

Petrópolis Hotel Cassino Quitandinha 1944

São Paulo São Paulo Cassino Recreio Miramar 1896

Santos Cassino Palace Hotel 1910

Guarujá Grande Hotel La Plage 1912

Santos Parque Balneário Hotel 1922

Santos Cassino Monte Serrat 1927

Santos Hotel Atlântico 1928

Santos Cassino São Vicente 1938

Minas Gerais Lambari Cassino do Lago Guanabara 1911 Poços de Caldas Cassino do Palace Hotel 1930 Belo Horizonte Cassino da Pampulha 1945

Araxá Cassino do Grande Hotel 1945

Fonte: NEVES, 2009; VIEIRA, 2014; CASTRO, 2005. Adaptação: Andrea Vianna

Para ilustrar e dar uma ideia da suntuosidade das construções destinadas ao funcionamento dos cassinos no Brasil, muitas delas tendo como finalidade principal o jogo, sendo, alguns, cassinos que tinham como anexos hotéis. A seguir, apresentamos algumas fotos (Figuras 20 a 26) de grandes cassinos no Brasil, quase todos funcionando em hotéis de grande porte.

Figura 20: Palace Hotel, Rio de Janeiro

Fonte: <http://semprerio.com.br/o-palace-hotel/>

Acesso em: 30 out 2017

Figura 21: Teatro e Cassino Beira-mar, Rio de Janeiro

Fonte:https://umpostalpordia.wordpress.com/tag/cassi no-beira-mar/. Acesso em: 30 out 2017

Figura 22: Cassino Atlântico, Rio de Janeiro

Fonte: <http://copacabana.com/cassinos-em- copacabana/> Acesso em: 30 out 2017

Figura 23: Copacabana Palace Hotel, Rio de Janeiro, 1923

Fonte: <https://soscopacabana.wordpress.com/sobre/>

Acesso em: 30 out 2017 Figura 24: Cassino da Urca

Fonte:<http://girocariocatour.blogspot.com.br/2013/05/ cassino-da-urca.html> Acesso em: 30 out 2017

Figura 25: Palace Hotel e Cassino Poços de Caldas

Fonte:<http://www.memoriadepocos.com.br/2011/01/ cassinos-em-pocos.html> Acesso em: 30 out 2017 Figura 26: Hotel Cassino Quitandinha,

Petrópolis-RJ

Fonte:<http://emanuelnunessilva.blogspot.com.br/2014/ 01/hotel-cassino-quitandinha-palacio.html> Acesso em:

30 out 2017

Outra perspectiva interessante quanto à importância dada ao jogo no Brasil durante a Era Vargas, e antes dela, está representada na carta de Francisco Silva Jr. (C.09/36c) ao presidente Getúlio Vargas, enviada aos cuidados de Oswaldo Aranha e com cópia para ele.

Ao discorrer sobre os mais diversos aspectos da atividade turística desenvolvida nos Estados Unidos, Silva Jr. ressalta pontos de interesse dos norte-americanos para suas viagens de lazer,

destacando que o Brasil tem como atender a essa demanda, desde que invista em propaganda para se fazer conhecer.

Ora, o Brasil de hoje tem tudo para atrahir o turista mais exigente. O Rio de Janeiro é considerada a cidade mais bella do mundo; mas é também uma cidade culta e ultra-moderna. Suas praias não têm rival; e os hoteis que as bordejam são tão confortáveis como os dos Estados Unidos. Seu clima é quente, mas não é insupportável; e é clima quente que o americano busca em dezembro, janeiro e fevereiro – quando o frio aqui é, realmente mortífero... (C.09/36c)

A infraestrutura, os atrativos naturais e a riqueza cultural foram aqui contemplados por Silva Jr. Em seguida, ele aborda a atividade com potencial para se tornar um atrativo turístico de grande interesse para os norte-americanos.

Os nossos cassinos modernos são dignos do mais “sophisticated” forasteiro, offerecendo-lhe um ambiente novo, com músicas desconhecidas e dansas typicas do paiz. Liberal com o dinheiro, o americano gosta de se deliciar com as emoções do jogo, aqui prohibido. E note-se que a cidade de Tia Juana, na fronteira do México, desenvolveu-se graças ao seu famoso prado de corridas e aos seus clubes noturnos. (C.09/36c)

No entanto, o americano não vae ao Rio de Janeiro unicamente porque ignora as suas attracções e o conforto material que lá encontraria. (C.09/36c)

A relevância das casas de jogos voltadas para atender a um público das classes econômicas mais favorecidas fica, então, evidente, na medida em que se revela que o jogo nos Estados Unidos era proibido77, ao passo que na Argentina, Chile, Uruguai e Brasil, era permitido, e que eram frequentes os deslocamentos de turistas internacionais para conhecer os cassinos. Mais que isso, era uma atividade que se desenvolvia em ambiente luxuoso, conferindo aos que dela participavam o status da riqueza e o consequente respeito e admiração que lhes era “devido”. Assim, observa-se a estreita ligação entre a atividade turística e os cassinos; a constatação da existência de cruzeiros saídos dos Estados Unidos para a Europa e para a América do Sul, onde se permitia a prática dos jogos de salão; os altos investimentos feitos na construção dos hotéis-cassinos, com material vindo da Europa (mármores, cristais, entre outros), para receber à altura o público das altas classes sociais.

Os shows que ocorriam nos grandes cassinos, a exemplo do Cassino da Urca, a cobertura dada pelos jornais da época, a projeção internacional que alguns artistas alcançaram a partir de suas apresentações, assim como a presença de grandes nomes da política nacional e seus familiares, reforçavam a ideia de que aquele era um espaço de significativa relevância para o

77

Segundo Silveira (2004, p.37), os jogos nos Estados Unidos foram proibidos no ano de 1910, sendo permitidos novamente em 1931, porém com taxações muito altas de impostos, pelas quais o Governo norte-americano recolhia recursos e aplicava na Educação. Nesse ínterim o funcionamento das casas de jogos era clandestino.

Brasil. E, tendo em conta a amizade entre Brasil e Estados Unidos, a influência deste país sobre o nosso, e a proibição do jogo por lá, os cassinos brasileiros eram relevantes para os Estados Unidos também.

Considerando-se a existência de cassinos no Brasil em diversas capitais – o quadro apresentado anteriormente se trata apenas de um recorte -, o fechamento dos cassinos haveria de impactar a economia daquelas cidades, levando-se em conta que os países vizinhos continuavam a manter seus cassinos em funcionamento e a atrair turistas para conhecê-los. O fechamento dos cassinos no Brasil, anunciado na carta de Saavedra, ocorreu no governo de Artur Bernardes (1922-1926), quando o presidente da República restringiu seu funcionamento apenas às estâncias hidrominerais. Segundo Boechat (1998, P.36) a partir de 1924 o jogo foi proibido em todo o território nacional.

Figura 27: Notícia sobre fechamento dos cassinos no Brasil

Fonte:Jornal do Brasil, ano 1922\Edição 00004 (1), pagina 08. Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_04&pesq=%20Cassinos&pasta>.Acesso em: 27 abr 2018

A reação veio da Sociedade Anonyma Companhia Atlântica, que explorava o Cassino do Copacabana Palace Hotel, por meio de um processo (Diário Oficial da União de 27 de janeiro de 1925, páginas 2581 a 2584) que durou quase 10 anos.

De fato, a reabertura dos Cassinos ocorreu no ano de 1932, atendendo aos pleitos de Saavedra em nome do empresariado brasileiro. Esta medida foi resultado da pressão da elite empresarial, que acumulava prejuízos ao perder espaço para Argentina, Chile e Uruguai, onde os turistas podiam jogar sem preocupações.

Após observarmos a evolução dos transportes no Brasil; os movimentos políticos que propiciaram o desenvolvimento da aviação civil/comercial no país; a livre circulação de companhias aéreas internacionais; os primeiros passos da atividade turística organizada no Brasil; a abertura e funcionamento das casas de jogos de salão como espaço de lazer das elites; o interesse dos norte- americanos nos cassinos, proibidos nos Estados Unidos, é possível presumir os jogos de interesses políticos e econômicos presentes nestas relações.

É preciso observar que na Era Vargas têm início as ações para divulgar os atrativos do Brasil para o exterior, exatamente por se detectar a enorme lacuna que havia quanto a informações acerca do país, suas riquezas, suas belezas e possibilidades de negócios. Desta forma, manter o Brasil na lista dos lugares de interesse dos viajantes era fundamental para possibilitar sua divulgação, e para alcançar este objetivo, Vargas buscou diversos recursos, que poderiam ser chamados hoje de ações de marketing. Publicações de livros e revistas em território nacional, publicação de revistas apenas nos Estados Unidos, realização de eventos, organização do Carnaval no Rio de Janeiro, participação em feiras e exposições internacionais, intercâmbio de estudantes, abertura para a instalação de empresas aéreas internacionais, construção de grandes hotéis e cassinos, programas de rádio de alcance internacional, além das ações políticas desenvolvidas por Oswaldo Aranha, como embaixador do Brasil nos Estados Unidos e ministro das Relações Exteriores.

A partir destas ações governamentais, descortina-se uma intrincada teia de relações cumprindo o papel de ferramentas políticas. A tríade Turismo-Propaganda-Patrimônio começa a aparecer de forma mais clara como elemento de sustentação político-econômica e ideológica.

Neste capítulo pudemos observar as questões diretamente relacionadas à atividade turística, sua infraestrutura, seu desenvolvimento, os benefícios e conveniências das negociações destacadas nas cartas enviadas a Oswaldo Aranha.

Agora, estabelecidas as condições para o avanço do turismo no Brasil, é importante compreender de que maneira se deu a construção da imagem deste país no exterior. Qual era a imagem desejada? O que foi feito para se alcançar este perfil? Quais foram os resultados? Enfim, são muitas as perguntas, assim como são inúmeros os interesses envolvidos.

O próximo capítulo apresenta as várias ações governamentais que colocaram o Brasil na vitrine, tornando-o atrativo aos olhos de intelectuais, turistas, empresários e políticos europeus e norte-americanos. Ações que mudaram a imagem do Brasil para os próprios brasileiros, contribuindo para a difusão do que se propôs chamar de identidade nacional, um aglomerado de elementos que compunham a essência dos brasileiros, tema estudado por Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior, cada um à sua maneira, mas que, ao fim e ao cabo era um reflexo dos questionamentos e das buscas existentes à época.