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2 OS DIREITOS HUMANOS E AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS: A

2.4 A COMUNIDADE NA EXPERIÊNCIA DA IGREJA CATÓLICA

2.4.1 A Igreja Católica no mundo atual: contextualizando desafios e apontando

A problemática da modernidade é compreendida pela Igreja Católica no documento intitulado Constituição Pastoral Gaudium et Spes – Alegria e Esperança (GS, 1965), o qual expõe como tal instituição realizou o movimento de olhar para fora de si e encarar o mundo sinalizando a condição do homem nesse contexto e algumas orientações para a sua ação pastoral. Caracterizando as profundas e rápidas transformações do mundo atual, a GS delineia algumas dificuldades que as mesmas trouxeram ao homem, a evolução e domínio da técnica e da ciência, as mudanças na ordem social, as transformações psicológicas, morais e religiosas,

9 A Ação Católica foi um movimento da Igreja Católica de abrangência internacional, cujo princípio era aprimorar o trabalho de evangelização realizado pela Igreja. Para saber mais, ler o trabalho de Maia e Sales (2018). Disponível em: https://seer.ufrgs.br/debatesdoner/article/viewFile/89950/51885.

os desequilíbrios pessoais, familiares e sociais, e, as aspirações mais universais do gênero humano.

No que diz respeito aos desafios enfrentados pelo homem moderno, a Igreja aponta para a incoerência que a evolução produz em detrimento do domínio do homem sobre o que ele mesmo produz, pois, mostra amplo poder e conhecimento, mas não é capaz de ordená-lo, uma vez que os avanços técnicos ocorrem em nível tão rápido que o próprio homem não é capaz de acompanhar; e a fragilidade do valor humano, pois, novos valores despontam, mas não se consegue discernir aqueles que devem permanecer; as relações se multiplicam através dos novos meios de comunicação, mas que não favorece “uma conveniente maturação das pessoas e relações verdadeiramente pessoais” (GS, 1965, n. 6). Em meio a tais desafios, o homem também aparece como aquele que pode dar uma resposta a esses novos tempos.

Desse modo, a condição na qual o homem se encontra na modernidade, está entre esperanças e temores, correspondente a paradoxos vivenciados na sociedade através de processos antagônicos que envolvem o homem de modo integral, atemorizando-o, ao mesmo tempo em que, depositam nele sua esperança. Assim é descrito pelo documento:

Nunca o gênero humano teve ao seu dispor tão grande abundância de riquezas, possibilidades e poderio econômico; e, no entanto, uma imensa parte dos habitantes da terra é atormentada pela fome e pela miséria, e inúmeros são ainda os analfabetos. Nunca os homens tiveram um tão vivo sentido da liberdade como hoje, em que surgem novas formas de servidão social e psicológica. Ao mesmo tempo que o mundo experimenta intensamente a própria unidade e a interdependência mútua dos seus membros na solidariedade necessária, ei-lo gravemente dilacerado por forças antagônicas; persistem ainda, com efeito, agudos conflitos políticos, sociais, econômicos, «raciais» e ideológicos, nem está eliminado o perigo duma guerra que tudo subverta. Aumenta o intercâmbio das ideias; mas as próprias palavras com que se exprimem conceitos da maior importância assumem sentidos muito diferentes segundo as diversas ideologias. Finalmente, procura-se com todo o empenho uma ordem temporal mais perfeita, mas sem que a acompanhe um progresso espiritual proporcionado (GS, 1965, n. 4).

Em nome do progresso, muitas pessoas vivem em condições de miséria. Essa problemática revela o perigo da evolução moderna sem planejamento, de modo que, enquanto uma parte da sociedade se desenvolve, outra não tem nem mesmo as condições básicas; enquanto uma parte lucra, outra empobrece. A desigualdade social que atormenta o mundo atual resulta do modo de produção capitalista e se expressa na diferença de renda entre os grupos sociais no grau de escolaridade, no acesso a cultura e aos serviços básicos como saúde, saneamento, segurança, etc. Esses aspectos precisam ser levados em consideração na compreensão da sociedade e do seu pretenso desenvolvimento. Sobre essa questão, a GS (1965) assinala que as condições miseráveis em que os homens são expostos também interferem na formação de sua personalidade e consequentemente em sua ação social, estando propício a negar o bem comum e a agir de acordo com seus próprios interesses. Em outras

palavras, muitas pessoas que podiam ser agentes significativos na sociedade não são, porque não recebem oportunidades viáveis para desenvolver seu potencial, e as condições sub- humanas em que vivem as obrigam a agirem como “inimigos” sociais.

Nota-se a interdependência entre o homem e a sociedade, de modo que um influencia diretamente o outro. É a partir dos laços sociais que a própria dignidade da pessoa humana será reconhecida e respeitada. Segundo a GS (1965, n. 27): “urge a obrigação de nos tornarmos o próximo de todo e qualquer homem”, estendendo-lhe o respeito e considerando inadmissível condições que:

se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho; em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis (GS, 1965, n. 27).

Todas essas situações acabam por destituir a dignidade do ser humano, reduzindo-o a objeto a ser descartado, comercializado, substituído. Em qualquer um desses casos, ou em outros de violação da dignidade humana que ai não está descrito, cabe a cada um em particular se solidarizar com o Outro ao lado, ajudando-o a reconstruir seu valor humano. Quantas pessoas, por exemplo, conhecem situações de violência dos mais diversos gêneros, mas não denunciam? Quantas pessoas realizam atos violentos contra si mesmo porque não possuem a consciência de seu valor humano? Quantas pessoas não se submetem a condições sub-humanas de trabalho porque não conhecem seus direitos? Com efeito, os avanços da ciência moderna nos causam a impressão de que todos já foram atingidos por essas reflexões e direitos, contudo, muitos ainda vivem à margem da sociedade por não se conscientizarem sobre sua dignidade humana. E isso não significa apenas ter conhecimento sobre, mas meios de efetivá-la.

Nesse sentido, se faz necessário encontrar caminhos que possibilitem ao homem efetivar seus direitos e superar tais desafios. Quanto a isso, a Igreja Católica indica alguns princípios para auxiliar nessa tarefa, como: a promoção da igualdade essencial entre os homens, a superação do individualismo, a responsabilidade e participação social, a necessidade da política, a justiça social para as instituições, e o reconhecimento e efetividade dos direitos humanos em todos esses aspectos.

No que concerne a promoção da igualdade essencial entre os homens, a Igreja afirma que todos os homens são iguais em dignidade, pois todos eles possuem a mesma origem, natureza e vocação: resplandecer o rosto de Deus (cf. GS, 1965, n. 29). Acerca desse

princípio, Ferreira (2009) afirma que a perspectiva cristã de criar um só povo “atinge o cerne da proposta dos Direitos Humanos e da igualdade entre os homens”, pois “faz cair por terra todas as discriminações de raça, de nacionalidade, entre outras” (p. 84). No entanto, ele ressalta que a diferença entre tal perspectiva e os Direitos Humanos hoje, é o seu aspecto laico.

Em relação a superação do individualismo, a GS (1965) exprime que as rápidas transformações da modernidade não são justificativas para não se atentar para o bem comum, pelo contrário. Faz-se necessário reconstruir as relações sociais a partir de valores e virtudes que sirvam para melhorar as condições de vida dos homens, tal questão coloca-nos na posição de não fechar-se em si mesmo, buscando apenas as suas necessidades e esquecendo o bem comum. Mas, nos chama a responsabilidade de construção de um mundo novo.

Tal responsabilidade e participação social pressupõem que o homem assuma as variadas formas de exigências da vida comum e se empenhar no serviço da comunidade humana (cf. GS, 1965 n. 31). Desse modo, a participação efetiva dos homens nas diversas esferas sociais é de extrema importância: na política, na educação, na cultura. Tal participação se dá de acordo com a função que cada pessoa possui na sociedade, se for, por exemplo, um trabalhador de empresa, é necessário que ele participe das decisões delegadas pela instituição, forme associações para garantir e desenvolver seus direitos. Em relação aos bens, a GS (1965) ressalta que devem ser vistos como bens comuns, e não apenas do indivíduo particular, tendo assim, a sociedade responsabilidade por aqueles que nada possuem.

Nesse sentido, a comunidade política se faz necessária. A Igreja em suas reflexões sobre o tema ressalta que a comunidade política existe em vista do bem comum, e por isso é indispensável. Considerada como uma comunidade mais ampla, a mesma possui a função de realizar uma vida plenamente humana (cf. GS, 1965, n. 74), através de uma ordem político- jurídica “em que os direitos da pessoa na vida pública sejam melhor assegurados, tais como os direitos de livre reunião e associação, de expressão das próprias opiniões e de profissão privada e pública da religião” (idem, n. 73). Isso implica em reconhecer a exigência de compromisso com instituição de uma nova ordem política e econômica, capaz de romper com a lógica própria desse sistema, pela constituição de novas formas de socialização, de vínculo entre os homens.

Tal ideal só poderá ser alcançado de forma comunitária, sendo um compromisso de toda a humanidade, especialmente na construção de instituições justas, que respeitem a dignidade humana e os direitos humanos.

Procurem as instituições humanas, privadas ou públicas, servir a dignidade e o destino do homem, combatendo ao mesmo tempo valorosamente contra qualquer forma de sujeição política ou social salvaguardando, sob qualquer regime político, os direitos humanos fundamentais. (GS,1965, 29).

Garantir os direitos fundamentais de uma pessoa é o movimento mais relevante para responder com eficácia as exigências da dignidade humana. Debatendo sobre a relação entre a dignidade humana e as estruturas sociais, Peretti (2014) afirma que a Igreja Católica ao se abrir para a modernidade, reconhece como fundante o princípio de justiça social como princípio regulador para as instituições sociais,

baseada na convicção de que a dignidade humana é uma questão mais social do que puramente privada. Além disso, esse conceito indica que a proteção dos direitos será possível só por meio de um processo de desenvolvimento social: o ordenamento político tem um papel moral a exercer nesse processo. O respeito à dignidade toma corpo dentro das condições e dos limites da vida humana. Embora a dignidade tenha um valor transcendente, permanece um bem finito (PERETTI, 2014, p. 85).

A dignidade humana assume um caráter relacional, tanto do eu para o outro, quanto numa amplitude maior, expandindo-se para instituições tendo tal princípio como central; de modo a considerar o homem como núcleo e principal fim, nunca o tornando meio. Segundo a Doutrina Social da Igreja (CDSI) a pessoa concebida como única, irrepetível e de uma singularidade ineliminável precisa ser desenvolvida em sua integralidade. Nesse viés, é de responsabilidade das instituições desenvolverem programas sociais, culturais e políticos orientados por esse primado da pessoa humana, não permitindo que em nenhum caso a pessoa humana seja instrumentalizada para determinados fins e progressos de caráter econômico, social e político (cf. CDSI, 2004, n. 131, 132, 133).

Nessa perspectiva, a Igreja em sua doutrina social apoia os direitos humanos, concordando com os princípios postos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), afirmando que não adianta garantir apenas alguns direitos e negligenciar outros; é preciso que o conjunto de direitos seja efetivado para a promoção da dignidade da pessoa humana. Tal conjunto é composto por: direito a vida, a viver numa família, a maturar sua inteligência e liberdade, ao trabalho, a fundar uma família, e a liberdade religiosa. Unido a tais direitos há também os deveres, especialmente, o de reconhecer e respeitar tais direitos por parte de todos. Nesse sentido, Peretti (2014) afirma que a doutrina Social da Igreja “se torna uma espécie de lugar ético onde atua a ética do sim à vida. A ética da vida favorece a convergência e dilatação de olhares sobre o respeito à sacralidade da vida” (p. 803).

A ausência de compromisso com os deveres é uma das causas das violações desses direitos. Sobre isso, o Documento Social da Igreja afirma que existe uma distância entre a letra e a efetivação dos direitos do homem. Nesse sentido, o documento alerta que:

os mais favorecidos devem renunciar a alguns dos seus direitos, para poder colocar, com mais liberalidade, os seus bens ao serviço dos outros e que uma afirmação excessiva de igualdade pode dar azo a um individualismo em que cada qual reivindica os seus direitos, sem querer ser responsável pelo bem comum (CDSI, 2004, n. 158).

Os direitos humanos nos evocam a colocar o outro em primeiro lugar, a estender a mão para o necessitado, e até mesmo a abrir mão do direito que sempre se teve para que aquele que nunca o possuiu também o tenha. Para tanto, a Igreja Católica aposta em cinco princípios para a sociedade em geral: o da dignidade humana, o do bem comum, da subsidiariedade, de participação e da solidariedade. Segundo a encíclica Gaudium et Spes o

bem comum é “o conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como

a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição” (GS, 1965, n. 26), ou seja, não se trata da soma dos bens particulares de cada sujeito, mas pode ser entendido como a busca incansável do sentido das formas de vida social existentes. Cada um em particular é responsável pelo bem comum, mas também é responsabilidade do Estado, ao qual compete harmonizar os diversos interesses setoriais, auxiliando os indivíduos, os grupos a se desenvolveram, tornando acessível às pessoas os bens necessários, sejam eles sociais, culturais, econômicos.

O princípio da subsidiariedade consiste na base para a verdadeira comunidade de pessoas. Através da subsidiariedade, “todas as sociedades de ordem superior devem pôr-se em atitude de ajuda (subsidium) – e, portanto, de apoio, promoção e incremento – em relação às menores” (CDSI, 2004, n. 186). Desse modo, tal princípio busca proteger as pessoas dos abusos das instâncias superiores, ao mesmo tempo em que busca garantir que essas instâncias auxiliem os indivíduos a desempenharem suas funções. Em outras palavras, a intervenção muito acentuada do Estado pode ameaçar a liberdade e a iniciativa pessoal, assim, a subsidiariedade tenta garantir que cada pessoa ofereça algo de original à comunidade, de acordo com suas capacidades, colocando em contraste “as formas de centralização, de burocratização, de assistencialismo, de presença injustificada e excessiva do Estado e do aparato público” (CDSI, 2004, n. 187).

O princípio da participação é característica da subsidiariedade, comprometendo a pessoa humana com a vida social, cultural, política, econômica. Tal participação contribui especialmente para o crescimento humano em dimensões da vida pessoal e social. Nesse viés, torna-se indispensável a participação dos menos favorecidos, possibilitando a estes um exercício pleno da cidadania. Para isso, faz-se necessário superar os obstáculos culturais, jurídicos e sociais que, muitas vezes, se coloca à verdadeira participação dos cidadãos, como por exemplo, a tentativa de negociar o voto.

O princípio da solidariedade é definido pela “intrínseca sociabilidade da pessoa humana, à igualdade de todos em dignidade e direitos, ao caminho comum dos homens e dos povos para uma unidade cada vez mais convicta” (CDSI, 2004, n. 192). A solidariedade se constitui como princípio social e virtude moral revelando a própria ética do homem. Consoante aos documentos da Igreja, a solidariedade deve ser o princípio orientador da sociedade e da formação das instituições. Apresenta-se como virtude moral, pois não se traduz num sentimento, mas numa atitude de determinação em se empenhar pelo bem comum. Assim, também se coloca como virtude social, pois exige responsabilidade para com o mundo. No Catecismo da Igreja Católica (CIC, 2017), tal princípio é também sinônimo de “amizade” ou “caridade social” (n. 1939), e caracterizada pelas seguintes formas de solidariedade: “solidariedade dos pobres entre si; dos ricos e dos pobres; dos trabalhadores entre si; dos empregadores e empregados, na empresa; entre as nações; entre os povos” (CIC, 2017, n. 1941).

Tais princípios são efetivados na comunidade. A encíclica Caritas in Veritate (CV, 2009), elaborada pelo Papa Emérito Bento XVI, discute sobre a caridade em verdade como dom que unifica os homens e constitui a comunidade. Para ele, “a caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja” (CV, 2009, n. 2), é o princípio que fundamenta não só as relações interpessoais, mas que deve também orientar os relacionamentos sociais, econômicos e políticos. Junto dela encontra-se a verdade, considerada como núcleo que dá sentido a caridade, para que esta não caia no vazio do sentimentalismo. Assim, a caridade na verdade revela-se como princípio que orienta a ação ética.

Na intenção de discutir a questão, Bento XVI aponta a justiça e o bem comum como valores para a sociedade globalizada. Para ele, a justiça é o primeiro caminho da caridade, pois a mesma exige “reconhecimento e respeito dos legítimos direitos dos indivíduos e dos povos”, contudo a “caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do que é meu; mas nunca existe sem a justiça, que induz a dar ao outro o que é dele, o que lhe pertence em razão do seu ser e do seu agir” (CV, 2009, n. 6). Conforme o documento, todo cristão é chamado a essa caridade, bem como, as instituições, as quais devem se empenhar para se edificarem em valores onde prevaleça o bem comum e os direitos, princípios que contribuem para a formação de uma sociedade mais justa e caridosa.

Ainda segundo esta encíclica, a visão meramente utilitarista e produtiva impede o ser humano de experienciar o dom da caridade que está ligado a gratuidade, a qual aparece como expressão da fraternidade, que “difunde e alimenta a solidariedade e a responsabilidade pela justiça e o bem comum em seus diversos sujeitos e actores” (CV, 2009, n. 38). Numa visão

sociológica, Bento XVI afirma que o desenvolvimento econômico, social e político só será autenticamente humano se der espaço ao princípio da gratuidade. Em sua concepção, o mercado guiado por princípios de lucro e bens trocados, ligados a justiça comutativa, não consegue cumprir com a própria função. Faz-se necessário evidenciar a importância da justiça distributiva e social, tendo como finalidade a lógica do bem comum. No seu dizer: “A doutrina social da Igreja considera possível viver relações autenticamente humanas de amizade e camaradagem, de solidariedade e reciprocidade, mesmo no âmbito da actividade econômica e não apenas fora dela ou depois dela” (CV, 2009, n. 36).

O Papa Emérito reconhece que os parâmetros que guiam a responsabilidade social do mercado não seguem a doutrina social da Igreja, mas alerta que, as instituições como as empresas, por exemplo, devem se preocupar com a opinião de outras categorias, como: os trabalhadores, os clientes, os fornecedores (cf. CV, 2009, n. 40). Assim, é também responsabilidade destes últimos participarem ativamente do processo de desenvolvimento político e econômico das instâncias que fazem parte, lutando por mudanças que venham a colocar em evidencia o reconhecimento da dignidade humana, de princípios que possibilitem uma vida mais humana para todos. Percebe-se que:

A Igreja não tem soluções técnicas para oferecer e não pretende de modo algum imiscuir-se na política dos Estados; mas tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo e contingência, a favor de uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação (CV, 2009, n. 9).

Nessa compreensão, observa-se que a Igreja não tem pretensão de anular os deveres do Estado, mas se coloca como instituição que possui princípios humanísticos capazes de guiar as ações dos homens de modo pessoal em suas relações interpessoais, mas também os relacionamentos sociais, políticos, econômicos e culturais. O núcleo central de seus princípios é o próprio homem e a exigência do reconhecimento de sua dignidade, a qual nos cobra um modo de vida baseado na caridade enquanto responsabilidade, na verdade como fundamento, na gratuidade como valor fraterno, no bem comum que nos impulsiona a cuidar do Outro, na subsidiariedade como justiça, e na participação como meio para levar tais princípios para a sociedade. Tais princípios guiam a vida em comunidade dessa instituição, como por exemplo, as Novas Comunidades e os Movimentos Eclesiais de base, dos quais vamos destacar a realidade das primeiras.