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3 A FILOSOFIA DO INTERHUMANO DE MARTIN BUBER: O HOMEM,

3.4 A QUESTÃO ÉTICA DO INTERHUMANO: O RECONHECIMENTO DO

O inter-humano é considerado por Buber (2009) como categoria particular da existência humana. É desenvolvida na esfera do entre, e a pessoa encontra-se uma-com-a- outra numa realidade misteriosa. O domínio do inter-humano é aquele do face a face, no qual a relação é atualizada. Nesse encontro um aspecto fundamental é que o Outro não seja objetificado, considerado como coisa a ser experimentada, utilizada; mas, visto em sua autenticidade enquanto pessoa singular. De acordo com Silva (2014, p. 62): “É no âmbito do inter-humano que cada um é para o outro, um outro particular, consciente dessa importância. É para o outro um parceiro num acontecimento vivencial, mesmo que haja disparidade”.

Esse aspecto significa que na relação o ser do homem é comunicado sem reservas, revelado em sua verdade. Um problema que se interpõe a essa vivência é a aparência, que Buber (2009) explicita como dualidade de ser e parecer. O pensador assinala duas espécies de existência humana, uma a partir da autenticidade e a outra a partir da imagem, as quais, em geral, apresentam-se juntas, mas é possível perceber qual a predominante no homem. A vida conforme o ser é aquela que estabelece relação com os outros de modo genuíno, sendo capaz de abertura e reciprocidade. Já a vida conforme a imagem se preocupa com a aparência refletida para o Outro, não é capaz de mostrar-se como é, pois tem receio do olhar do Outro sobre si. Nas palavras do autor:

O homem que vive conforme o seu ser olha para o outro precisamente como se olha para alguém com quem se mantém relações pessoais; é um olhar “espontâneo”, “sem reservas”; é verdade que, naturalmente, ele não deixa de ser influenciado por qualquer pensamento sobre a imagem que pode ou deve despertar no outro, quanto à sua própria natureza. É diferente com o seu oposto: já que para ele o que importa é a imagem que sua aparência produz no outro, isto é, o componente mais “expressivo” desta aparência, o seu olhar, ele “faz” este olhar; [...] ele fabrica um olhar que deve atuar como uma manifestação espontânea e, com bastante frequência, assim atua [...] (BUBER, 2009, p. 142).

Somente na vida conforme o ser o homem pode ser reconhecido em sua singularidade, pois tal vivência possibilita o diálogo genuíno, a realização do homem como pessoa. O próprio autor admite que isso não é algo fácil, e por isso, a aparência ganha lugar nesse processo, mas, nos alerta que a escolha por uma vida a partir da imagem não é genuína. A vida na legitimidade do ser exige uma autenticidade, correndo os riscos necessários. Carrara (2002, p. 88) afirma que a “condição indispensável para um diálogo real é a legitimidade do

que alguém tem para dizer, isto é, alguém tem de falar o que realmente tem em mente, superando toda aparência”. O diálogo autêntico exige esse dispor-se das imagens e perspectivas para expor-se na verdade daquilo que se é. Araújo (2014) afirma que

a relação Eu-Tu tem como condição a disponibilidade do Eu de se dar completamente ao encontro, sem reservas, sem esconder nada de si, sem quaisquer espécies de maquiagem que busquem esconder uma parte do seu ser; assim como, da aceitação do Outro integral, sem que se exclua parte alguma dele. (ARAÚJO, 2014, p. 42)

Insistimos na importância de considerar o homem em sua diferença, como pressuposto para o surgimento do diálogo, pois só tomando consciência do Outro como pessoa e considerando-a em sua essência é que conseguimos constituir uma relação verdadeira. Nesse movimento, a palavra-proferida o alcança como tal e o ser é capaz de confirmá-la em sua presença como pessoa em sua totalidade. Apenas na presença viva do Outro é possível assumir uma atitude de manifestação do ser, e, ao mesmo tempo, reconhecê-lo enquanto tal.

Contudo, na maioria das vezes o olhar lançado nos relacionamentos guarda em si uma característica limitadora do ser, não sendo capaz de reconhecê-lo em sua totalidade. Buber (2009) aponta três formas de olhares que limitam o homem: o olhar analítico, o olhar redutor e o olhar dedutivo. Conforme o autor:

O olhar é analítico ou, pseudo-analítico, pois trata a totalidade do ser psicofísico como composta e, portanto, desmembrável, não somente o assim chamado inconsciente, acessível a uma relativa objetivação, mas também a própria corrente psíquica, que na realidade nunca é captável como existindo objetivamente. Redutor é o olhar porque ele quer reduzir a multiplicidade da pessoa, nutrida pela plenitude microcósmica do possível, a estruturas esquematicamente abrangíveis pela vista e recorrentes. E ele é dedutivo, pois supõe poder enquadrar em fórmulas genéticas a maneira de como o homem veio a ser, o seu devir, e ainda poder representar o dinâmico princípio central da individualidade neste devir através de um conceito geral (BUBER, 2009, p. 147).

Em outras palavras, o homem ao tornar-se objeto da ciência moderna28 é dividido em “partes” para ser mais bem analisado; atitude que reduz a totalidade do ser, definindo o homem por limites verificáveis e regulares, delimitando-o em esquemas e estruturas pré- definidas, anulando o processo de novidade de cada ser. Zuben (2003, p.142) aponta que nessa sistemática das ciências humanas, a análise cientifica corre o risco de “eliminar o humano”.

Outro fator que impede a esfera do inter-humano é a imposição. Segundo Buber, ela é um modo de influenciar o Outro de tal forma que este ache que a decisão tomada advém dele mesmo e não daquilo que lhe influenciou. Para demonstrar a situação ele usa o exemplo do propagandista, que não está interessado nas características individuais de cada um, nem no ser

28 É importante ressaltar que Buber não exclui a importância da ciência moderna. Ele critica a exclusividade desse olhar racionalizante para o ser humano, limitando-o a objetificação (cf. BUBER, 2009, p. 148).

genuíno do homem, mas quer influenciar, e por isso, é indiferente aquele que se encontra diante de si, importando-se apenas com os números, sendo quanto mais, melhor. Em contrapartida, e na direção da relação genuína, Buber também afirma que é a abertura que nos leva ao princípio da dignidade da pessoa humana. Para exemplificar isso, ele aponta o educador como aquele que considera cada indivíduo em sua singularidade, e, por conhecê-lo intimamente pode levá-lo a potencializar seu ser, pois “crê que, em todo homem, o certo está instalado de uma maneira singular, de uma maneira única, própria da sua pessoa” (BUBER, 2009, p. 151). Essas características, imposição e abertura, nos apontam para a ontologia do inter-humano, a qual depende inteiramente da relação entre os homens em sua integridade, isto é, na reciprocidade da ação que permite a valorização do humano, na conversação genuína.

A conversação genuína possui três exigências apresentadas por Buber (2009, p. 153,154), a saber: 1. “voltar-se para o parceiro dá-se numa verdade total, ou seja, é um voltar- se do ser”, aqui está presente o elemento do dialógico, visto que é pela palavra que o ser pode voltar-se inteiramente para o Outro, num processo de reconhecimento daquele que está presente e lhe escuta, e de confirmação de si; 2. “trazer a si mesmo para ela [conversação genuína]”, pois aquele que fala, que profere a palavra-princípio, revela a si mesmo, e por isso deve ser fiel a si, e ter a coragem de não ocultar o que pensa, mas trazer a tona tudo que é e que tem a dizer; 3. “superação da aparência”, tendo a coragem de expor-se como de fato é, não usando de imagens/máscaras ocultando sua verdade, mas estabelecendo o diálogo.

O diálogo é resposta ao Tu que me dirige a palavra. Ora, ao mesmo tempo em que somos capazes de proferir a palavra, ela também clama por nós, mas nem sempre estamos abertos a ela, nem sempre a percebemos, a acolhemos. O ato de perceber essa posição é chamado por Buber (2009, p. 43) de tomada de conhecimento íntimo, isto é, o Eu se dá conta de que deve ir além da ação de observar ou contemplar. É preciso agir, respondendo ao Outro naquele ato de reconhecimento de sua totalidade.

Este ato de resposta sintetiza o conceito de responsabilidade aludido por Buber. Tal responsabilidade acontece, pois a palavra que é dirigida ao homem é exclusiva a ele, isto é, somente ele pode respondê-la. Segundo Carrara (2002):

A resposta gera a responsabilidade. Seja na omissão, seja na ação, a nossa resposta é dada, fazendo com que penetremos na situação que é inédita. Responder ao momento é responsabilizar-se por ele. Não é necessário nem nomear o emissor da palavra a que estamos respondendo. Mesmo que se rejeite a presença de Deus, ela pode ser experimentada no sacramento do diálogo.

No diálogo autêntico, cada um dos participantes tem de fato em mente o outro ou os

estabelecer entre eles e si próprio uma reciprocidade viva (CARARRA, 2002, p.

86).

Nessa leitura, percebe-se que a relação exige uma atitude de atenção à palavra que nos é dirigida. Buber alerta para o fato de que isso ocorre nos momentos concretos do dia a dia, nos acontecimentos simples do cotidiano, naquilo que vemos, ouvimos, sentimos. Assim, pressupõe-se que o homem esteja atento e seja capaz de perceber esses pedidos. Do mesmo modo, ao respondermos ao momento também nos responsabilizamos por ele (cf. BUBER, 2009, p. 50).

Consideramos que ao respondermos ao homem enquanto Tu essa resposta se transforma em responsabilidade ética com o Outro. Responsabilidade esta que se apresenta como pessoal, intransferível, posto que é diante de mim que o Outro se encontra, e é de mim que espera tal resposta. Como diz Buber (2009, p. 86): “a responsabilidade genuína, novamente reconhecida, onde aquele que me confiou um bem exige-o de mim e eu devo abrir as mãos ou elas petrificarão”. Significa dizer que todo ser diante de mim, no face a face, pede- me uma resposta, e cabe a mim a responsabilidade de abertura a ele e permitir que a graça aconteça. Nesse caso, a resposta é individual, não coletiva.

Tal problemática nos alerta para a necessidade de reconhecer o Outro em sua singularidade, nessa resposta individual que cabe a cada um. Araújo (2014), em análise sobre tal, afirma que:

A relação dialógica, a relação Eu-Tu, não se dá através da função social do outro, isso porque o Tu se oferece na presença não a partir de um ato representativo. Na relação dialógica, a palavra que suscita a invocação recebe a resposta, fato que faz a reciprocidade romper com o imanentismo do Eu e torna possível o encontro dialógico. A reciprocidade que anima a relação genuína é considerada por Buber como responsabilidade. Ele entende por responsabilidade a resposta dada ao Tu que nos conclama à instância viva da relação originária. A resposta aqui citada se realiza a partir do encontro interhumano numa atitude de pura ação diante do ser (ARAÚJO, 2014, p. 44).

É essa responsabilidade pessoal que pode nos conduzir a uma ética da alteridade. Essa responsabilidade revela-se fundamental aos Direitos Humanos, compreendendo-os a partir de uma ética da alteridade, de reconhecimento do Outro em sua singularidade. Ao discutir essa questão, considerando as contribuições de Emmanuel Lévinas, Douzinas (2009) afirma que tal ética é um humanismo da outra pessoa, pois desafia a forma de enxergar o Outro na relação, reconhecendo que “o outro vem primeiro” (p. 354), ele se constitui numa exigência para meu existir e para o diálogo acontecer. Nessa compreensão do primado do Outro, o autor assinala que “o signo do Outro é o rosto” (DOUZINAS, 2009, p. 355), o que coloca o Eu no encontro face a face, que o torna único para mim e que exige uma resposta, esta como a essência da ética. Compreender que “o Outro é incomparavelmente singular” (p. 356), e sua unicidade

não se limita a leis e regras, pois, é a sua humanidade que o torna único. O autor assim caracteriza o sentido dessa singularidade que nos marca: “Sou único porque sou a única pessoa a quem o Outro singular solicita minha resposta e minha responsabilidade aqui e agora à sua demanda” (DOUZINAS, 2009, p. 356).

O ato de resposta ao Outro diante de mim pressupõe a ação do ouvir:

Ouvir a palavra que te é dirigida, por mais desafinado que seja o som com que ela fira o teu ouvido, – e não deixar ninguém interferir! Dar a resposta vinda das tuas profundezas, onde vibra ainda um sopro daquilo que te foi insuflado, – e a ninguém é permitido te influenciar! (BUBER, 2009, p. 112).

Estar atento ao Outro que se dirige a mim é, portanto, o passo fundamental para possibilitar a relação Eu-Tu. Gadamer (2001) ao discutir sobre a Incapacidade para o diálogo, aponta para o problema da incapacidade de ouvir, compreendida em sua forma objetiva, aparece ligada ao “monólogo que caracteriza a civilização científica de nossos dias com a tecnologia informacional” (GADAMER, 2002, p. 251). Um exemplo desse tipo de monólogo é o diálogo pedagógico, no qual o professor detém a fala e os estudantes apenas escutam. Outro empecilho ao diálogo, segundo Rohden (2002), são os dogmas, o ceticismo, a alienação política e social, visto que limitam o processo de comunicação que deveria ocorrer sem barreiras.

Recusar ouvir alguém é expressão de uma violação a sua humanidade, visto que é o mesmo que negar sua diferença, excluí-lo, recusar-se compreendê-lo. Nesse sentido, ouvir e compreender, assim, estão diretamente ligados, especialmente no que pese a hermenêutica enquanto movimento de compreensão e sentido. E compreender relaciona-se a reconhecer o Outro em sua alteridade, que é condição para a realização do diálogo autêntico, permitindo que a palavra chegue a mim e suplique por uma resposta que somente eu posso dar. Buber (2009) destaca o caráter pessoal dessa resposta, que só será autêntica se partir de mim, do mais profundo do meu ser. Nesse sentido, a resposta dada ao Tu na relação é uma resposta ética, de modo que reserva a verdade do Eu e dirige-se ao Tu como ser genuíno.

Tal ética encontra-se, muitas vezes, ameaçada pelo primado do grupo sobre o indivíduo, de modo a colocar como superior às decisões coletivas, suprimindo a responsabilidade pessoal de cada indivíduo. É certo que cada pessoa faz parte de uma comunidade, na qual nasceu e/ou se desenvolveu, e/ou escolheu pertencer, e essa experiência é fundamental para constituição do ser que se forma na relação com o Outro. Contudo, essa relação com o grupo não deve ser colocada como justificativa para esquivar-se da resposta que só a pessoa pode oferecer. Aqui a ética pessoal é colocada em questão, a qual é experimentada na esfera do inter-humano.

A resposta individual revela a coragem do homem de ser, superando o aspecto do aparecer. Mesmo que todos optem por um lado, se sua consciência e compreensão do sentido da responsabilidade com o mundo apontam para outra decisão, chegou a hora de deixar a resposta sair de sua profundeza e ser lançada a superfície, mesmo que ela não tenha a força do coletivo e não o agrade. É preciso que o indivíduo assuma a responsabilidade pela sua resposta. Nas palavras de Buber (2009, p. 114): “Com a minha escolha, decisão e ação – fazer ou não-fazer, intervir ou perseverar – eu respondo à palavra, ainda que insuficientemente, mas com legitimidade; eu respondo pela minha hora”. O que está em jogo não é ganhar ou perder, mas ser autêntico, ser ético.

Desse modo, a problemática encontra-se propriamente no fato do esquivar-se da resposta, preferindo a omissão. O grupo pode ser celeiro de discussões, de levantamento de questões, de orientação, mas não pode (ou não deveria) se sobrepor a decisão pessoal do indivíduo. Tal questão associa-se à necessidade de enxergar o Outro e de se enxergar, como ser singular, e não apenas com o olhar que o delimita a participante de um grupo, uma vez que o ser está para além disso. Quanto a isso, Buber (2009) afirma que é necessário partir da profundidade da existência de cada ser, “na qual se conscientiza intimamente do acontecimento” (p. 116), ou seja, está atento àquilo que lhe acontece para assim poder responder aos fatos e às pessoas que lhe exigem uma resposta.

Além disso, o grupo não é garantia de constituição de relações autênticas, ele pode até favorecer esse encontro, mas não é condição essencial, nem certeza da efetividade da relação

Eu-Tu. Para que haja essa relação é necessário a abertura e a responsabilidade para com o

Outro. Nesse caso, voltar-se para o Outro traz consigo o caráter ético de não torná-lo meu objeto, mas reconhecê-lo como ser único que se encontra diante de mim. Conforme Santiago (2012):

O voltar-se para o outro, reconhecendo-o em sua singularidade, e, por isso, como ser único, é uma das fundamentais questões que se coloca à relação. Pressupõe a superação da visão analítica e redutora, assumindo uma atitude na qual o outro é reconhecido como pessoa, como uma totalidade que se coloca diante de minha face e à qual eu dirijo a palavra, confirmando-a, assim como ela a mim (SANTIAGO, 2012, p. 170).

A atitude de reconhecer o Outro como pessoa exige um olhar para a sua humanidade. Nesse movimento, o olhar lançado está livre de representações e estereótipo, a pessoa é reconhecida e valorizada em sua alteridade. Sabe-se que efetivar essa ação na realidade atual, a qual enfrenta problemáticas que atingem o humano, como o individualismo, a cultura de exclusão, divisão e competição na sociedade; não é simples.

Essas proposições compõem o horizonte que fundamenta a problemática do inter- humano relacionado aos direitos humanos, a partir do seu compromisso com o princípio da dignidade da pessoa humana. Assumimos esse olhar na análise da vivência da Comunidade Católica Manain, que inserida nesse contexto social-político, situa-se nele como experiência religiosa de constituição dos vínculos interpessoais. A seguir apresentamos o caminho percorrido para abarcar esse objeto de estudo.

4 A BUSCA PELA COMPREENSÃO DOS SENTIDOS: INTERPRETANDO O FENÔMENO

A pesquisa é um caminho que proporciona o encontro com o ser e o desvelamento dos fenômenos. A hermenêutica é uma via capaz de auxiliar nesse caminho, uma vez que, coloca em questão o problema da compreensão humana, como apreensão de sentido, e a

fenomenologia, que evidencia o problema da essência das experiências humanas. No caso

desse estudo, a hermenêutica fenomenológica está em consonância com o referencial teórico assumido, uma vez que a filosofia buberiana nos coloca frente ao exercício da busca do que é o homem, em sua relação com os Outros e com o mundo. Assim como, o estudo situa-se no âmbito das pesquisas qualitativas, que abarcou uma pesquisa bibliográfica e empírica, visando tanto o sentido do texto em sua especificidade, quanto o sentido da realidade investigada.

4.1 O EXERCÍCIO DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA: “É NECESSÁRIO MERGULHAR NA ÁGUA”

O ato de pesquisar coloca o pesquisador frente à atitude de autorreflexão, de encontro com o Outro e dos sentidos dos fenômenos. Ela possibilita uma aproximação do contexto construído pelos diversos significados, formados, por sua vez, pelas várias singularidades. Compreender tais questões se apresenta como um desafio, exigindo a coragem de sair de si mesmo e ir ao encontro do Outro, abrir mão de sua realidade para caminhar em direção a experiências outras. O que não significa que o pesquisador abandona suas convicções e a realidade que vive, mas, que as mesmas não podem impedi-lo de refletir sobre outros modos de pensar, ser e agir. Pelo contrário, os conhecimentos construídos e as experiências vivenciadas serão o ponto de partida para compreender essas outras formas de vida. Vale ressaltar que não se trata apenas da percepção do pesquisador para com a realidade estudada, mas também os sentidos próprios que despontam da mesma. Em uma palavra: os sentidos da pesquisa acontecem na relação entre pesquisador, pesquisado e o contexto que se apresenta como pano de fundo.

Tal movimento nos coloca em consonância com a filosofia buberiana, defendida no referencial teórico, a qual exige a atitude essencial do homem, de reconhecimento do Outro em sua alteridade, indo na contramão de uma atitude cognoscitiva, marcada pela experimentação, objetivação do Outro. Modos de existir sintetizados nas palavras-princípios

mero objeto de estudo, considerando-o em termos analíticos, desmembrando-o em áreas distintas e separadas, sem estabelecer relação entre elas; formando assim um olhar redutor para o homem, haja vista que não é capaz de considerá-lo em sua totalidade, e um olhar dedutivo, buscando enquadrar a pessoa em fórmulas, teorias ou hipóteses (Cf. BUBER, 2009, p. 147).

Como forma de consolidar tal compreensão, Andrade e Holanda (2010) discutindo sobre a pesquisa qualitativa, afirmam que Buber sustenta a ideia

da influência mútua ao destacar, em grande parte de sua obra, que o humano se estabelece na relação, ou conforme sua própria terminologia, na esfera do

interhumano. Esse posicionamento corrobora as características da pesquisa