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A Imagem como ilusão

As imagens produzidas ou fabricadas podem facilmente ser conhecidas como uma ilusão. Desde que nascemos somos bombardeados com mensagens visuais. Joly (2008, p. 10) diz que “a utilização das imagens se generaliza e, contemplando-as ou fabricando-as, todos os dias acabamos sendo levados a utilizá-las, decifrá-las, interpretá-las”. Percebe-se só depois de algum tempo que muitas dessas mensagens possuem imagens ilusórias. O que o senso comum nos aponta é que a ilusão é um modo particular e não habitual de se compreenderem as imagens, e isso pode acontecer deliberadamente ou ao acaso. Contudo, dependendo do grau de importância que se confere àquela mensagem visual, essa ilusão surge muitas vezes consentida e consciente, conforme descreve Aumont (2002, p. 97): “A ilusão foi valorizada, de acordo com as épocas, como objetivo desejável da representação, ou ao contrário criticada como mau objetivo, enganoso e inútil”.

Explorando a imagem ilusória e o indivíduo como seu espectador, em um sentido semiótico – primeiridade, secundidade, terceiridade – ocorrem muitas deliberações diferentes, por vezes até contraditórias, que podem influenciar o fluxo do pensamento e o modo como se dá a percepção desta imagem. Dentre elas, apresentam- se duas: a condição sociocultural do indivíduo e a sua predisposição em receber tais imagens.

Quando o espectador percebe uma imagem e a compreende, ele faz a imagem de fato existir. É esse, de acordo com Gombrich (apud AUMONT, 2002, p. 86), o “papel do espectador”. Esta percepção provém de experiências e do “alfabetismo visual”, ou seja, o conhecimento prévio que se tem das imagens no mundo, cercado de descobertas ao longo da vida. São esses os formadores da condição sociocultural do espectador que irá determinar se será atingido e como será atingido pelas mensagens visuais provenientes do exterior.

Ainda para Gombrich (apud AUMONT, 2002, p. 86), a compreensão visual surge das expectativas convertidas em hipóteses que posteriormente são analisadas, confirmadas ou anuladas. Tais expectativas são alimentadas por nossa bagagem sociocultural de imagens.

Sant‟Anna (2007, p.89) afirma:

[...] para existir excitação, para que haja receptividade ao estímulo, é necessário que realmente exista, no momento, uma disposição a ser perturbada por esse estímulo. Embora as necessidades sejam o motor da conduta, são os desejos (ou interesses) que verdadeiramente põem o motor em ação.

Joly (2008, p. 63) ainda complementa que:

[...] essa noção de expectativa está vinculada à de contexto, que, por sua vez, se estende aos diversos movimentos da obra: o momento de sua produção, o que a precedeu e o momento de sua recepção. Todos relativos, pedem para ser considerados no momento da interpretação analítica. O jogo com o contexto pode ser uma maneira de burlar a expectativa do espectador surpreendendo-o, chocando-o ou divertindo-o.

Decorridas as características que repercutem na percepção e interpretação da imagem, o espectador está pronto para recebê-la. Percebe-se que nesta imagem recebida existe algum fator ilusório que estabelece aquela mensagem visual como sendo um simulacro do real. Este simulacro, de acordo com Muniz Sodré (1990, p. 33), é:

Como a imagem de Narciso no espelho, o simulacro é inicialmente um duplo ou uma duplicação do real. A imagem no espelho pode ser o reflexo de um certo grau de identidade do real, pode encobrir ou deformar essa realidade, mas também pode abolir qualquer idéia de identidade, na medida em que não se refira mais a nenhuma realidade externa, mas a si mesmo, a seu próprio jogo simulador. Neste caso, o espelho deixa de ser algo que transcendentemente reflita, duplicando, o real, para tornar-se espaço/tempo operacional, com uma lógica própria, imanente. Sem a necessidade de uma realidade externa para validar a si mesmo enquanto imagem, o simulacro é ao mesmo tempo imaginário e real, ou melhor, é o apagamento da diferença entre real e imaginário (entre o „verdadeiro‟ e o „falso‟). De fato, um certo imaginário, tecnologicamente produzido, impõe o seu próprio real (o da sociedade industrial), que implica um projeto de escamoteação de outras formas de experiência do real.

O simulacro a priori não provoca a ilusão total, mas a ilusão parcial, que possui força suficiente para ser funcional. Também é diferente do duplo perfeito, aquela representação que em algum momento será confundida com o seu objeto representado. A fotografia de um quadro não pode ser confundida com tal quadro, e nem a pintura nele confundida com a realidade.

Entretanto, a articulação e o estímulo da publicidade a fim de obter um feedback positivo do consumidor possui uma ressalva: nem sempre o que se espera ser percebido o é de fato. Nem sempre empregar o uso de simulacros ou imagens baseadas nas expectativas do indivíduo será cem por cento eficaz, e para isso convém constante estudo sobre o mercado, reações, hábitos e motivos de compra do consumidor típico (Sant‟Anna, 2007). Por outro lado, muitas vezes fica evidente a interpretação que a publicidade deseja de seus consumidores: determinado produto e/ou serviço “é o melhor para você, veja! Olhe esta imagem impecável, isso é o que você terá, isso é o que você será.”. A promessa da perfeição e da satisfação evoluiu de tal forma que a realidade estampada no mundo da comunicação publicitária está muito além da vida real. A publicidade se encaminhou da informação à persuasão.

Este caráter onírico da publicidade possui embasamento, é claro, no imaginário individual de todo ser humano: o que se quer é nada menos do que o melhor, do que o requinte. As empresas tornaram-se cúmplices do desejo humano e infiltraram- se de tal forma na mente das pessoas no momento de falar de seus produtos que o resultado foi uma exagerada simulação da satisfação da massa consumidora. O “real” passou a misturar-se com o “ideal”. Na mídia, a coibição da realidade esvanece-se em nome do prazer sem maiores consequências para a vida do homem em sociedade, tal como no mundo dos sonhos. Um grande exemplo dessa “miscelânea” são as campanhas de produtos de beleza femininos. Tantas mulheres jovens e bonitas tomando a frente de comerciais de hidratantes, cremes antirrugas, shampoos, todos com fórmulas mágicas para uma aparência existente muitas vezes somente na imaginação das consumidoras, posteriormente frustradas ao perceberem que não é possível alcançar aquela beleza ideal projetada pela mídia. Começa então a surgir o questionamento, a descrença no que a publicidade promete. Forma-se um abismo entre “ter o produto” e “ter a imagem que o produto promete”.

Jean Baudrillard (apud LIMA, 2000, p. 291) se refere a isso como uma “reação por saturação”, quando as diversas publicidades se neutralizam umas às outras ou cada uma por seus excessos. Padecendo de novas abordagens, com a imagem do mundo ideal desgastada, as empresas começam a enxergar a necessidade de um reinvento em sua própria imagem. Ora, se tal produto promete efeitos que nunca aparecem, cedo ou tarde os consumidores se dão conta e, junto com o produto, a empresa também começa a afundar sua própria imagem de identificação junto à sociedade.

A tática então passa a se inverter: antigamente a publicidade utilizava-se da imagem real de seus produtos e serviços; é hora de retomar tal estratégia. Projetar consumidores reais é a ordem da vez. Contudo, não passa disso: projeção. Exemplo que ilustra muito bem essa estratégia é a campanha da empresa de produtos para cuidados pessoais Dove, intitulada “Real Curves”, no Brasil traduzido para “Real Beleza”. Vista como uma empresa sem muita expressão, em 2004 a Dove investiu em uma larga pesquisa com cerca de três mil mulheres em dez países, das quais somente 2% das mulheres pesquisadas se achavam bonitas; 75% definiam sua beleza como sendo mediana; e 50% entendiam que seu peso estava acima do ideal13. A campanha que decorreu desse estudo procurou mostrar o uso de seus produtos por mulheres “reais”, com perfis diferentes daqueles sempre mostrados pela mídia de massa: mulheres altas, magras, com cabelos lisos e pele impecável. A Dove recrutou seis mulheres nas ruas com perfis físicos particulares (estatura baixa, corpo com mais curvas, pele com “defeitos”, cabelos enrolados) escolhidas pela sua auto-estima e confiança. Mulheres que causariam uma imagem mais palpável associada à mulher comum, que trabalha, possui família e responsabilidades outras que não exclusivamente cuidar de sua beleza física.

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Dados retirados do blog Mundo das Marcas. Disponível em: <http://www.mundodasmarcas.blogspot. com/2006/05/dove-sade-da-pele.html>. Acesso em: 29 out. 2011.

Figura 5. A campanha “Real Curves” contou com seis mulheres de perfis físicos diferentes dos sempre divulgados pela mídia14.

O sucesso da campanha foi tamanho que a empresa continuou investindo na “Campanha pela Real Beleza”. Campanhas de verão e até mesmo um vídeo mostrando como ocorre a manipulação da imagem publicitária que vai às ruas fizeram parte desta. Mais do que conseguir agregar valor ao produto em si, a Dove conseguiu fazer com que os consumidores enxergassem na marca uma preocupação com a imagem da mulher “real”.

Contudo, a imagem real que a marca Dove procurou alcançar por meio da diversidade de mulheres e situações em sua campanha foi em nome de um princípio mercadológico, a fim de integrar a mulher consumidora no sistema de consumo do mercado de beleza. A pluralidade ali oferecida por meio de uma campanha diferente das oferecidas até então fez com que culminasse no que Baudrillard (apud LIMA, 2000, p. 292) se refere como princípio de escolha e personalização, que gera a sensação de liberdade no consumidor, como se a marca não estivesse impondo nenhuma ação, ao mesmo tempo em que justifica o consumo por meio de uma imagem diferenciada e sedutora.

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Figura 6. Parte da mesma campanha da DOVE, mas com um mote para o verão15.

Ainda que a marca colocasse mulheres com um estereotipo diferente do comumente usado em campanhas de produtos de beleza em nome da realidade imagética, fica evidente que ela se vale de artifícios simuladores do real. A imagem da felicidade e da auto-estima não é o que ocorre de fato com todas as mulheres baixas, acima do peso ou com cabelos enrolados. Mesmo valendo-se do resgate da realidade, o anunciante não utiliza um real factual: tem-se um real subjetivado, simulado, tanto na construção gráfica das imagens quanto na imagem confiante transmitida pelas mulheres estampadas. A imagem usada ainda é diferente, esquiva da realidade factual. O aparecimento em grupos das mulheres representa a felicidade e a afirmação coletiva: é muito mais fácil aceitar-se diante de mulheres que também não são perfeitas, ao invés de aceitar-se ao olhar uma revista repleta de modelos.

Dentre as razões responsáveis por essa hipertrófica produção de imagens, uma das mais importantes é que o homem conseguiu conquistar, por meio das imagens, a chance de criar „spare- pieces‟ [peças sobressalentes] de si mesmo; portanto pregar uma mentira em sua insuportável unicidade (ANDERS apud BAITELLO, 2007, p. 7).

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Disponível em: <http://fearaujo.blogspot.com/2011/05/descontruindo-padroes-pela-real-beleza.html>. Acesso em: 25 out. 2011.

É, portanto, a criação da imagem perfeita em nome do objetivo mercadológico de agregar valor e vender que cria um paradoxo na mente do indivíduo, como afirma Joly (2008, p.10):

Por um lado, lemos as imagens de uma maneira que nos parece totalmente “natural”, que, aparentemente, não exige qualquer aprendizado e, por outro, temos a impressão de estar sofrendo de maneira mais inconsciente do que consciente a ciência de certos iniciados que conseguem nos “manipular”, afogando-nos com imagens em códigos secretos que zombam de nossa ingenuidade.

Assim, marcas como a Dove passam a investir em tal estratégia, na qual ao explorarem a idéia de que estão oferecendo a realidade, trazem a reboque seus produtos e serviços.

É importante destacar também os chamados signos plásticos. Estes são signos que, juntamente com a mensagem linguística e mensagem icônica, compreendem a mensagem visual. Joly (2008) se refere a signos plásticos citando o conceito criado pelo Grupo Mu16 de que as formas, cores, composição, textura, posição, orientação, todos são signos plenos que consistem em boa parte da significação da mensagem visual, não sendo essa significação única e exclusiva dos signos icônicos (os agentes reconhecíveis da mensagem). Ou seja, as imagens na realidade têm um signo duplo: o papel da representação, na qual surge a percepção tridimensional do objeto (signo icônico) e uma junção de elementos tais quais cores, formas e composição que representam o signo plástico.

Aumont (2002) explica que a noção de plasticidade significa a flexibilidade, a “modelabilidade” da imagem: ela será plástica, caso possa ser modelada de modo flexível. Antes, tal termo era empregado em imagens nas quais o material poderia ser modelado (como uma escultura, ou um quadro pintado, no qual o pintor através de suas pinceladas pudesse mudar o que estivesse a ser pintado). Hoje, a primeira ideia de flexibilidade se perdeu um pouco em detrimento de uma segunda ideia, a de abstração.

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O Groupe μ (Centro de Estudos Poéticos, Universidade de Liège, Bélgica) é formado por Francis Edeline, Jean-Marie Klinkenberg e Philippe Minguet e desenvolve trabalhos interdisciplinares em estética, teoria da comunicação lingüística ou visual e semiótica (FERVENZA, 2006).

É possível intuir que os signos plásticos tais como cores, composição, textura, orientação, todos estão presentes nas imagens, até mesmo nas imagens automáticas17, e podem sofrer mudanças. As fotografias, juntamente com o vídeo, são as imagens mais utilizadas hoje em dia pela publicidade e, como abordado anteriormente, necessitam configurar uma realidade que traga ao espectador, sentimento de identificação com o anunciante de forma a criar o desejo e levar ao ato do consumo.

17

De acordo com Jacques Aumont (2002, p. 179) a fotografia é uma imagem automática, por ser uma captação automática de uma marca do visível, e que escapa pelo menos em parte à intervenção humana, ultrapassando a intencionalidade do fotógrafo.

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