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“Agora povo, meu povo tem escola bonita igual ou melhor que a da cidade, e aqui ninguém vai querer ofender o outro chamando de índio porque tudo são índio”. (Liderança Karitiana)

No ano de 1995, a Escola 04 de Agosto, passa legalmente a ser de responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação de Porto Velho, tendo como Decreto de Criação o de nº 5.610 de 03/03/1995 e Decreto de Nomeação o de nº 7.096 de 07/06/1999. Sendo seu primeiro Diretor o professor Nelson Karitiana com o Decreto nº 452/I de 24/03/98. Além disso, no dia 8 de maio de 1997 é criada a Associação de Pais e Professores – APP - da Escola Municipal 04 de Agosto.96

96 Dados obtidos na Secretaria Municipal de Educação de Porto Velho - SEMED/PVH. Disponível em:<

Vale ressaltar que o diretor97 foi como de costume, escolhido em Assembleia

geral pelo povo, na oportunidade, ficou decidido que o nome da escola não deveria ser modificado, permanecendo o nome que fora ‘dado tempo’, - como os karitianas se referem a um evento nem tão próximo, nem tão distante -, em um evento que foi celebrado e que se fazia presente na memória dos mais velhos.

Era uma escola que funcionava de modo multisseriado em que há um professor que leciona para alunos de diferentes séries, podendo ter na mesma sala de aula, dois alunos na segunda série, três na terceira, um na quarta série e assim por diante. Entretanto, com o passar dos anos, os alunos foram terminando o primeiro ciclo do ensino fundamental e boa parte desses tiveram que sair da aldeia, em busca de dar continuidade aos estudos, sendo que tal saída da aldeia, acabava gerando constrangimento, tendo em vista que, como não dominavam bem a língua portuguesa e a cultura não indígena, sofriam discriminação de toda natureza:

Professor eu quero que meus filhos e netos estudem aqui na aldeia, eu sofri muito. Me chamavam de índio burro, não sabia falar, diziam que eu andava feio, mal arrumado, resolvi até arrumar trabalho pra poder comprar mochila de marca, agora povo, meu povo tem escola bonita igual ou melhor que a da cidade, e aqui ninguém vai querer ofender o outro chamando de índio porque tudo são índio.98

Este depoente99 hoje é uma das mais expressivas lideranças, estudou como a

maioria dos Karitiana que necessitavam dar prosseguimento aos estudos, na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Castelo Branco que fica bem em frente ao prédio administrativo da FUNAI, onde se localiza uma casa de apoio aos indígenas que necessitam estar em Porto Velho para resolver assuntos de seus interesses.

Como a aldeia do povo Karitiana, em relação as outras aldeias, se situa relativamente próxima da cidade e, em sendo seu acesso não tão difícil, alunos quee terminaram o primeiro ciclo, em sua maioria foram morar na casa de apoio supracitada em Porto Velho e estudaram na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Castelo Branco, instituição de ensino, cuja localidade se avizinhava a casa de apoio acima citada. Destaca-se que nesta escola matriculam-se alunos de diversas camadas sociais, em quase sua totalidade, oriundos de camadas médias. Em consequência

97 A nomeação ocorreu por meio do Decreto de Nomeação o de nº 7.096 de 07/06/1999, confomre

consta nos registros da SEMED/PVH.

98 O relato obtido em 2014, onde o sujeito solicita a sua não identificação. 99 O depoente solicitou não ser identificado.

desta localização central, também recebe alunos, de bairros periféricos e, até mesmo do Projeto Assentamento Joana D’arc que fica na margem esquerda do Rio Madeira, distante cerca de 90 quilômetros do centro de Porto Velho.

Enquanto, uma parcela dos alunos, de origem camponesa - Joana D’arc - faz de tudo para não demonstrarem que são de origem camponesa, muitas das vezes exigindo dos pais que aluguem casa em bairros periféricos da cidade, os indígenas em alguns casos preferem se apresentar como bolivianos. Um dos colaboradores nos confidenciou que:

Eu falei mesmo que era boliviano, estava com vergonha, tem que entender que a gente vivia como bicho, não sabia ler e nem escrever, a gente era solto no mato, todo mundo sabia disso, nós somos tudo bobo, dizem que até nossosangue já roubaram, então boliviano é mais sabido, pessoal respeita mais, e como eles achavam que nós era boliviano, eu disse mesmo que era boliviano e disse porque tava com vergonha.100

Diante do exposto, os Karitiana resolvem exigir dos órgãos públicos responsáveis pela educação escolar a implantação do segundo ciclo do ensino fundamental, além de fortalecer a ortografia Karitiana que vinha sendo estudada pelos professores indígenas através da assessoria da linguística Luciana Storto, parceria esta que possibilitou uma maior uniformidade na escrita, facilitando com isso, o trabalho de alfabetização na língua materna.

No dia 21 de fevereiro de 1999 houve uma reunião com o objetivo de se avaliar a educação escolar na aldeia, bem como a presença e a atuação do CIMI. Esta avaliação foi considerada positiva, porém, o Conselho argumentou que sua tarefa havia sido cumprida, posto que ao entrar na aldeia em 1995, sua finalidade era formar os professores em nível de primeiro grau, e, isto foi cumprido.

O ensino acima descrito era na modalidade de módulos, os alunos terminavam um determinado módulo de uma dada disciplina e iniciava outro, até completar todas as matérias que compõem a grade curricular, esta si tuação gerava alguns pequenos conflitos, pois os alunos que estudavam na cidade, no ensino regular costumavam dizer que o ensino dado na aldeia era muito fraco.

Nesta reunião, o CIMI se comprometeu a assessorar os professores no nível de ensino médio, bem como, oferecer atendimento aos alunos que fazem primeiro grau quando estiverem na aldeia. Porém, o CIMI chama a atenção de que sua prioridade será

com os professores.

Ainda nesta reunião houve uma discussão sobre currículo e se pensou em convidar a pesquisadora Ruth Monserrath, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em Linguística Indígena. para fazer alguns esclarecimentos sobre o que venha a ser currículo escolar indígena diferenciado. Houve também uma avaliação sobre a casa da língua, onde foi considerada de suma importância para a cultura do povo Karitiana, pois, desde o momento em que foi pensada e construída no ano de 1995, pela comunidade e o CIMI, tem reunido textos de histórias e mitos Karitiana, tornando- se com isso, a mencionada casa da língua, um espaço de memória Karitiana imprescindível para trabalhos desenvolvidos pelos alunos e professores Karitiana, bem como, para estudos futuros realizados por centros de pesquisas nacionais e até mesmo internacionais, tendo em vista que, embora ainda que sendo um pequeno acervo, guarda uma relíquia para humanidade, posto possuir palavras de uma língua falada apenas pelo povo Karitiana, última língua da família linguística Tupi–Ariquem e, portanto, uma língua que se não fosse esta ação deste povo poderia deixar de existir e, deixando de existir, certamente, a humanidade ficaria menos humana, pois uma língua é sempre muito mais que um conjunto de códigos verbais. Uma língua é, sobretudo, mais que tudo e além de tudo, parte do patrimônio cultural do ser humano, enquanto espécie.

Da parceria estabelecida entre o CIMI e a Associação consta um conjunto de material didático pedagógico de apoio aos professores indígenas contendo, entre outras coisas, textos tanto ilustrativos quanto escritos sobre os mitos e histórias do povo Karitiana, entre estes materiais destaca-se o Universo Karitiana que no Volume I, além de textos de mitos contados em Língua Karitiana, possui um em língua Arikem, esta que se encontra considerada como extinta, trata-se do texto Goryp contada pelo saudoso cacique Garcia e transcrito pela linguista Luciana Storto.101

Todavia, uma das preocupações que passou a habitar a cabeça dos mais velhos, diz respeito ao futuro dos jovens que estão estudando; tudo bem afirmam os mais antigos, precisam estudar, mas e depois para onde vão?

Esta preocupação procede, alguns Karitiana pensam em viver na cidade, esta é uma temática atual. Na Ata do dia 21/10 de 2000 da Associação do Povo Karitiana102

um dos pontos de pauta era a situação de uma indígena que deixou a aldeia para estudar com o comprometimento de retornar para a aldeia e auxiliar o povo, fato que

101 Goryp significa sol (tradução livre).

segundo uma das lideranças não estava acontecendo. Encontra-se registrado nesta Ata que a mesma deveria utilizar o conhecimento adquirido no curso, colocando o mesmo no cotidiano da aldeia A referida aluna, formou-se em Enfermagem e, após oito anos, retornou e atua como servidora da SESAI, prestando, com isso, serviço a todos os povos indígenas.

Nessa esteira, adentramos no que pode, de fato, ser significativa, a presença de uma escola em uma aldeia indígena, quais os significados e os sentidos que têm para os jovens, para os homens e para as mulheres, bem como para os não indígenas que trabalham na instituição do Estado e qual ou quais são as representações políticas dos agentes que participam da vida escolar são indagações que, somadas ao modo como os professores indígenas e não indígenas desenvolvem suas práticas pedagógicas e a relação que os técnicos da Secretaria de Estado da Educação mantêm com a instituição, a visão que possuem dos índios, respondem a indagação central desse trabalho.

4.6 Sentidos e significados de uma escola indígena para a comunidade que a