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O povo Karitiana, como já exposto nesse trabalho é o último povo falante de uma língua da família linguistica Tupi-Ariquem e, portanto, levando-se em consideração os estudos expostos no capítulo anterior, vivem há séculos; no chamado Vale do Jamai, lugar que desde o final da primeira metade do século XIX teve a presença de seringueiros bolivianos e brasileiros que causaram sérios danos aos povos ariquemes cuja índole, Rondon espôs:

Mais para o ocidente, no rio Jamari, vivem os Arikêmes, que se distinguem pela sua índole pacífica. Desta nação não havia notícias: Rondon obteve as primeiras referências a ela em 1909, por seringueiros que se tinham estabelecido no curso inferior daquele rio. Em época anterior, havia os bolivianos invadindo suas florestas, obrigando-os a refugiar-se para as altas cabeceiras do conhecido afluente do rio Madeira. Aos bolivianos sucederam os brasileiros que, embora menos desumanos continuavam a persegui-los expelindo-os, com enorme mortandade de suas aldeias. (RONDON, 1916, p. 357)

O início da exploração do potencial extrativista do rio Jamari ocorreu ainda no período colonial pela coroa portuguesa a partir da expedição liderada pelo sargento- mor Luís Fagundes Machado, que a serviço da província do Pará no ano de 1794, juntamente com o sertanista João de Souza de Azevedo e o piloto Antônio Nunes de Souza chefiava um grupo de 150 homens (SILVA, 1920, p. 5). O nome do rio Jamari advém de uma cabaça chamada jamarú, utilizada vastamente pelos indígenas da região para confecção de cuias e outros utensílios domésticos e rituais. É vastamente conhecido por inúmeros autores, o grande potencial de produção das florestas que estão às margens deste rio Jamari e seus afluentes. O referido rio é um dos maiores

afluentes do Madeira pela margem direita e tem sua foz cerca de 30 quilômetros abaixo da cidade de Porto Velho. Os afluentes diretos do rio Jamari são os rios Canaã, Branco, Massangana, Preto, Candeias e Verde. (Cf. SILVA, 1920)

Rondon entrou em contato pela primeira vez com os Ariquemes no ano de 1909 e demonstrou admiração para com estes povos, sua hospitalidade, sua inteligência, a temática do empoderamento das mulheres e a facilidade com que aprendem outras línguas que, segundo o militar, de fato, estamos diante de povos:

Dotados de admirável capacidade de assimilação, os arikêmes em poucos mezes tinha aberto as suas aldeias a todos os nacionais que os procuravam. Com rapidez incrível elles aprenderam a nossa língua, cujo uso lhe tornou quasi familiar, mesmo as mulheres, cousa que geralmente não se da com as tribus brasileiras, como as dos parecis, caiuás, terenas, bôrôros, nas quais só os homens consentem em manifestar conhecimento do português. Tão grande sociabilidade foi, porem, funesta aos arikêmes, porém as relações assim estabelecidas e que, infelizmente, não eram fiscalizadas e dirigidas por pessoas competentes, que se preoccupasse com os problemas de ordem moral, tanto mais ameaçadores quanto maior era a necessidade da nação aos contactos com elementos estranhos – deram resultado de fazer irromper entre elles epidemias atrozes, como a da syphilis e a do defuxo, que não tardaram a produzir formidável mortandade. Além disso, muitas crianças foram tiradas às suas famílias e levadas para as cidades, de sorte que, pouco tempo depois de entabuladas as primeiras relações pacíficas com os civilizados, já a tribu estava desorganizada e quase totalmente desbaratada. (RONDON 1916, pp. 358-359)

Neste mesmo trecho, como pode ser visto, a ação do Estado foi de omissão e, para os Ariquemes tal relações foram nefastas, com epidemias diversas que causou grande mortandade, tendo em vista que, como os demais povos que viviam na região amazônica, permaneceram, como nos períodos Colonial e Imperial, em que pese a implantação da República, a mercê dos contatos com os caucheiros que, segundo Euclides da Cunha:

O caucheiro é forçadamente um nômade votado ao combate, à destruição e a uma vida errante ou tumulturária, porque a castilloa elástica que lhe fornece a borracha apetecida, não permite, como as heveas brasileiras, uma exploração estável, pelo renovar periòdicamente o suco vital que lhe retiram. É execepcionalmente sensível. Desde que a golpeiem, morre, ou definha durante largo tempo, inútil. Assim o extrator derruba-a de uma vez para aproveitá-la tôda. Atora-a, depois, de metro em metro, desde as sapopembas aos últimos galhos das frondes; e abrindo no chão, ao longo do madeiro derrubado, rasas cavidades retangulares correspondentes às secções dos toros, delas retira, ao fim de uma semana, as pranchas valiosas, enquanto os restos aderidos à casca, nos rebordos dos cortes, ou esparsos a esmo pelo solo, constituem, reunidos, o sernambi de qualidade inferior. (CUNHA, 2006, p. 24)

mesmas, as relações com os caucheiros foram nefastas, havendo, desde o Brasil Colônia, um verdadeiro massacre no Vale do rio Jamari, produzindo uma depopulação nas comunidades Arikêmes, uma vez que reduziu a população de 600 indivíduos no início do século XX para 60 na metade do mesmo século. (RONDON, 1916, pp. 192- 193)

Não se sabe ao certo, o momento em que os Karitianas se tornaram um grupo à parte dos Ariquemes, tendo em vista que já, no século XIX eram chamados pelos não índios e pelos outros grupos de Karitiana. Não se sabe, de mesmo modo, a origem do termo Karitiana, totavia, há uma hipótese de que os seringueiros, com os quais um grupo de Karitiana teria trabalhado teria feito uma confusão com relação a palavra usada na língua Tupi-Ariquem nas despedidas. O Professor Indígena Nelson Karitiana trabalha com essa hipótese, pois segundo o mesmo, os trabalhadores Karitiana, ao se despedirem, diziam ‘Atacatariano43’ e os seringueiros entendiam como sendo

Karitiana e, com isso, passaram a chamar estes índios de Karitiana

O mapa a seguir, feito por um membro da Comissão Rondon é importante dentro do processo de reivindicação do território situado no município de Candeias do Jamari, pois que demonstra, claramente, que toda a região do Vale do Jamari era território dos Ariquemes e, em consequência dos karitiana. Vale ressaltar que no mapa, os Karitianas já haviam se tornado um grupo etnico separado dos Ariquemes, inclusive, já estando vivendo na localidade do atual município de Candeias do Jamari, corroborando, portanto, com o argumento dos indígenas de que se trata de uma terra que remonta aos seus ancestrais.

Figura 6: Mapa 5 - Rios Candeias e Jamari e áreas ocupadas por indígenas Caritianas e Arikêmes (início do século XX).

Fonte: MEIRELES, 1983.

De tudo isso, conclui-se que os europeus ao chegarem na Amazônia, não consideraram a diversidade de povos com culturas, línguas e costumes diferentes e que os tratou como grupos humanos homogêneos, não os reconhecendo como pessoas humanas, posto que ao se definirem como descobridores de uma terra virgem se colocavam como os primeiros a pisarem nestas terras. Com isso, depreende-se que os povos indígenas resistem às políticias que buscam uniformizá-los e relaboram suas identidades, por meio de diferentes estratégias que os fazem presentes no século XXI.

3.6. Povo Karitiana como testemunho de que os povos indígenas são sujeitos