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A Segunda Grande Guerra Mundial, conflito que envolveu todos os países europeus, em que, por um lado, todo o arcabouço da narrativa de que eram os mesmos o ápice da civilização mundial e, por outro, com a experiência de um modo de produção e organização socialista que se contrapunha, de forma muito concreta aos Estados Liberais, fez-se necessário que estes fossem repensados, reestruturados.

Os Estados Unidos, o próprio Estado que era pensado a partir de suas instituições, sendo estas, consideradas ferramentas seguras da democracia, onde todos os indivíduos são protegidos, passa a ser levado em consideração o seu funcionamento, analisado, para tanto, o comportamento de seus cidadãos, dos grupos que administram e/ou disputam os espaços do Estado. Nesta conjuntura de Guerra- Fria os Estados Unidos passam a sofrer maiores pressões de suas minorias, que se organizam e se fortalecem; como consequência, a Suprema Corte estadunidense, julga procedentes, as questões reivindicadas, por segmentos antes excluídos, destacando-se neste processo, o movimento negro.

É neste contexto, que o Poder Judiciário, começa a aparecer como ferramenta útil para a sociedade civil organizada, no sentido de fazer com que os Poderes Majoritários (Executivo e Legislativo), desenvolvam, no caso do Executivo, políticas públicas e, no que se refere ao Legislativo, elabore leis que estejam de acordo com as necessidades e demandas dos grupos sociais, inclusive dos segmentos minoritários.

É neste cenário que os operadores do direito especializados em causas sociais, os advogados militantes das causas dos menos favorecidos pelo Estado aparecem enquanto categoria profissional. Este fenômeno irá se espalhar pelo

55 Artigo que serviu de Trabalho de Conclusão da Disciplina Judiciário e Política ofertada pelo Curso de

Doutorado Interinstitucional em Ciência Política oferecida pela Faculdade Católica de Rondônia e Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

continente e chegará ao Brasil ainda nos anos de 1970. Ter-se-á aqui, aquilo que ficou definido como sendo o Ativismo Judicial, fenômeno que surge concomitante ao da Judicialização da Política, mas que com ele não se confunde.

Judicialização da Política é um conceito criado para definir o fenômeno do uso do Poder Judiciário por outros agentes do Poder Estatal (oposição política), porém, utilizado, também, pela sociedade civil organizada.

O conceito nasce de um fenômeno maior. A internacionalização da justiça, que tem sua origem nos Estados Unidos, em que o debate sobre democracia e direito ocorre e, pelo qual, a sociedade civil bem organizada, com ideologias bem definidas, conta com uma assessoria jurídica estruturada; sobre este tópico, voltaremos mais adiante.

Com isso, a Suprema Corte dos Estados Unidos, nos anos de 1950, passa a desenvolver papel fundamental nas causas sociais. Decisões da Corte que contemplasse as reivindicações das chamadas minorias, entre elas, as do movimento negro estadunidense, ocorreram neste contexto.

No Brasil, a sociedade civil organizada, como vivia sob o contexto da ditadura civil-militar buscou, em primeiro lugar, unir os diferentes movimentos sociais em uma causa comum, a luta pela redemocratização do país, porém, sem negligenciar as demandas específicas de cada grupo social.

Assim, o efeito da conjuntura estadunidense teve um efeito conjuntural no Brasil, pelo qual a sociedade civil passou a usar do judiciário em suas lutas por direitos. Muitos bacharéis passaram a desenvolver suas carreiras de advogados junto aos movimentos sociais. Não se pode olvidar do uso de organismos do judiciário pelas organizações sociais, como demonstra, Fabiano Engelmann em artigo sobre Internacionalização e Ativismo Judicia. (Cf. ENGELMANN, 2017)

Figura 8: Quadro 1 -Temas pesquisados envolvendo a questão indígena TRIBUNAIS

PESQUISADOS

TEMA TEMA TEMA TEMA TEMA

Direitos Humanos Direitos Ambientais Pacto de San José MST Direitos Indígenas Supremo Tribunal de Justiça 1 7 1 2 5 Superior Tribunal de Justiça 3 2 0 4 5 Tribunal Regional Federal da 1ª Região 13 4 0 4 9 Tribunal Regional Federal da 2ª Região 6 0 0 0 0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6 0 0 0 0 Tribunal Regional Federal da 4ª Região 16 9 0 1 6 Tribunal de Justiça /

Rio Grande do Sul 10 0 0 0 0

TOTAL 55 22 1 11 25

Fonte: Banco de Dados do Projeto “Internacionalização e usos do direito no Rio Grande do Sul”, in. Internacionalização e ativismo judicial: as causas coletivas.56

O quadro acima é uma reprodução do que se encontra presente na obra de Engelmann (2017), seu uso aqui possui objetivos diferentes, pois serve para corroborar o quanto, a chamada causa indígena, está sendo posta no espaço do judiciário, mas, além disso, uma olhada mais cuidadosa e, de acordo com a perspectiva, neste trabalho, percebe-se, ser a temática indígena a segunda mais invocada, sendo que no Supremo Tribunal de Federal e no Superior Tribunal de Justiça, encontra-se acima dos Direitos Humanos, perdendo para o Direito Ambiental, como se pode observar no quadro acima. Se for levado em consideração que estes três temas podem estar intrinsecamente ligados, pode-se pensar que a questão do uso do judiciário pelo movimento indígena e/ou por seus oponentes seja bem recorrente. Entretanto, ao focarmos a atenção ao fato de ser a 1ª Região, aquela que possui maior quantitativo de ementas e acórdãos, pode-se pensar nas razões disso. Em primeiro lugar, ao observar as Unidades federativas que esta comporta, nota-se que corresponde ao Distrito Federal, aos estados de Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Acre, Amazonas, Pará, Amapá, Goiás, Tocantins, Maranhã, Bahia, Minas Gerais e Piauí, conjunto de estados que, de um lado, possuem o maior número de terras demarcadas e, de outro, onde o agronegócio expande-se e grandes obras de

56 ENGELMANN, Fabiano. Internacionalização e ativismo judicial: as causas coletivas. Lua Nova:

revista de cultura e política. n 69 (on line), 2006. Disponìvel em:< http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64452006000400006&script=sci_abstract&tlng=pt>. Accesso em: 20 abr. 2017.

infraestrutura acontecem, como o caso das usinas hidrelétricas em Rondônia.57

É importante o quadro acima, pois, com ele, pode-se pensar no quanto, o poder Judiciário se encontra usado pelas forças tanto políticas como sociais, fazendo parte, portanto, da luta e do embate político; porém, e, por conta disso, não se pode considerar que a 1ª Região seja mais estruturada ou organizada que as outras, ou até mesmo que a justiça seja mais efetiva nos estados que a ela correspondem. Muito pelo contrário, o que se pode ter é que, devido haver, nesta, de um lado, o maior número de povos indígenas, de terras indígenas demarcadas e, de outro, a expansão do agronegócio, com destaque para a pecuária e a soja, bem como projetos de infraestrutura, como construção de estradas e hidrelétricas.

No tocante ao processo de demarcação e homologação de terras indígenas no Brasil, o Estado utiliza-se de um procedimento administrativo, regulado pelos dispositivos do Decreto do Poder Executivo nº. 1.775, de 08 de janeiro de 199658. O

processo tem início quando uma comunidade se autodeclara como indígena, e, a partir disso, é identificada pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI, órgão do governo, vinculado ao Ministério da Justiça, criado em dezembro de 1967, com o objetivo de demarcar as terras reivindicadas pelos povos autóctones.

A partir de uma comunidade que se autodetermina como indígena, a União a reconhece, para em seguida, executar a demarcação, porém, nesta fase, se tem o contraditório, em que qualquer pessoa física ou jurídica pode se contrapor na justiça, inclusive as unidades da federação, bem como os municípios; a homologação é o último estágio. Mais adiante, expomos de modo mais detalhado esse processo

No que se refere à definição “jurídica” de comunidade indígena, esta se encontra fundamentada na Antropologia, que segundo o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro:

Não existem índios, apenas comunidades, redes (d) e relações que se podem chamar indígenas. Não há como determinar quem é índio “independentemente” do trabalho de autodeterminação realizado pelas comunidades indígenas. (CASTRO, 2017, (s/p)

Com isso, a antropologia clássica entende como “Comunidade indígena” toda

57 Dados obtidos em consulta ao site do Jusitça Federal. Discponpivel em:

<https://www.trf4.jus.br/trf4/>. Acesso em: 20 abr. 2017.

58 BRASIL, Decreto n. 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento administrativo de

demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Disponível em: <planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1775.htm>. Acesso em: 20 abr. 2017.

comunidade fundada em relações de parentesco ou vizinhança entre seus membros, incluindo relações de afinidade, de filiação adotiva, de parentesco ritual ou religioso.

O Artigo 231 da Constituição do Brasil de 198859 representa uma conquista

dos povos indígenas porque é a base legal do acima exposto, pois reconhece os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, entretanto, para que uma dada terra seja identificada, reconhecida, demarcada e finalmente homologada, necessário se faz levar em consideração quatro dimensões distintas, mas complementares que remetem às diferentes formas de ocupação, ou apropriação indígena de uma terra.

Em primeiro lugar, essas terras devem se encontrar ocupadas em caráter permanente; segundo devem ser utilizadas para as atividades produtivas da comunidade que as reivindicam; terceiro estas terras devem ser imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar e por último, deve as terras ser necessárias à reprodução física e cultural da comunidade indígena que assim se autodeterminou.60

Uma questão sobre as conquistas no campo jurídico e político se encontra expresso no Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, que promulga a Convenção nº. 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, onde definem os grupos étnicos indígenas como Povos Indígenas e Tribais e determina a consulta aos povos interessados, mediante procedimentos de boa-fé, para que haja acordos e consentimentos acerca de medidas propostas que os afetem para que os mesmos determinem suas prioridades.

Após, estes procedimentos jurídicos administrativos, a Presidência da República faz a homologação, porém, assim como no caso da Reserva Raposa do Sol, o judiciário tem sido usado para que seja efetivado este ato do Poder Executivo, ocasionando a Judicialização do ato político-administrativo e dificultando e até mesmo impedindo a continuidade do processo de Demarcação e Homologação das terras indígenas (Cf. YAMADA, 2017). Não é diferente o caso, neste trabalho estudado, entretanto, o que chama a atenção é o fato de ter sido a prefeitura do município, ou

59 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e

tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Disponìvel em:< https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=ARTIGO+231+DA+CONSTITUI%C3%87%C3% 83O+FEDERAL>. Acesso em: 20 abr. 2017.

60 Dados obtidos no site da FUNAI. Disponível em:< http://www.funai.gov.br/index.php/2014-02-07-13-

seja, o poder público, quem entrou com a ação – judicializou - contra a ampliação da demarcação das terras Karitiana, com argumentos de que tal fato impediria o crescimento do Município.