• Nenhum resultado encontrado

A IMPLEMENTAÇÃO DO NEOLIBERALISMO NO BRASIL E A

CAPÍTULO 2 NEOLIBERALISMO: UMA NOVA CONFIGURAÇÃO PARA O

2.5 A IMPLEMENTAÇÃO DO NEOLIBERALISMO NO BRASIL E A

Entendendo que qualquer tentativa de análise sobre o processo de implantação do Estado neoliberal em nosso país deva ter como um dos seus principais pressupostos a compreensão de que, no conjunto do sistema produtivo capitalista, o Brasil ocupa uma posição periférica, iniciamos esta secção lembrando que também são válidas para o nosso país a observação que, a este respeito, fizemos na seção anterior, ou seja: no subcontinente latino- americano, o projeto neoliberal serviu para enquadrar as economias desta região às novas exigências da mundialização do capital. Neste sentido, convém recordarmos que, historicamente, o desenvolvimento econômico brasileiro foi regulado por determinações externas, ou seja, pelos países centrais do sistema capitalista. Com isto, podemos considerar o atual processo de inserção do nosso país na economia globalizada como uma atualização dessa histórica submissão.

Ainda que, na América Latina, o neoliberalismo tenha sido implantado desde a década de 1970, em nosso país sua chegada ocorreu duas décadas após. Dentre outros fatores que contribuíram para este adiamento, podemos destacar o posicionamento da sociedade civil, sobretudo na década de 1980, que, por meio dos seus movimentos e organizações sociais, apresentou uma expressiva capacidade de mobilização e de resistência em relação às propostas neoliberais.

Entretanto, no final da década de 1980 e início da década seguinte, houve diminuição da capacidade de organização da sociedade civil e dos seus movimentos sociais, o que possibilitou um enfraquecimento da resistência em relação ao neoliberalismo. Ademais, nesse mesmo período, resultante da conjugação das novas investidas do capital internacional e o poder de força das elites nacionais, aconteceu a vitória da candidatura de Fernando Collor

30 Como explicado por Leyton (2006), há uma subdivisão no chamado tipo de sociedades neoliberais triunfantes:

aquelas sociedades nas quais o neoliberalismo é dominante e hegemônico (Chile e, talvez, Colombia) e as sociedades nas quais o neoliberalismo só é dominante (os demais países acima citados neste tipo). As sociedades neoliberais precárias são constituídas por aqueles países nos qual o neoliberalismo cuja realização se encontra em um estado de crise. Por sua vez, as sociedades liberadas do neoliberalismo se caracterizam como estando em

de Melo à presidência do Brasil e em seu governo foi intensificado o processo de inserção do Brasil na nova ordem internacional com a conseqüente abertura do mercado nacional aos produtos internacionais, incentivo à privatização das empresas estatais e defesa da reforma do Estado. Também sob este governo, intensificou-se a ingerência de organismos internacionais (sobretudo do Banco Mundial e da UNESCO) no encaminhamento das políticas educacionais e foi aberto o caminho para a reforma da Constituição de 1988 que, desde o governo anterior, já vinha sendo responsabilizada pela ingovernabilidade do país.31 Destarte, ao mesmo tempo em que deu início à reorganização do Estado brasileiro, o governo Collor responsabilizou o Estado pelos problemas do país e, ainda, considerou as reivindicações dos direitos econômicos e sociais como sendo contrários aos interesses gerais da sociedade. Assim, em meio aos acontecimentos e situações, ora mencionadas, começaram a se criar as condições para que (sobretudo no mandato presidencial seguinte) fosse desencadeado um processo no qual ocorreu um intenso processo de reformulação do papel e atuação do Estado brasileiro em vários e importantes setores da vida nacional.

Estando desenhado, com maior nitidez, o cenário da globalização, o presidente Collor buscou inserir o Brasil na nova conjuntura de economia globalizada resultando numa profunda crise recessiva para o nosso país fazendo aumentar, de maneira extremamente rápida, os níveis de desemprego. Ainda: com suas políticas econômicas, este presidente forçou as empresas a acelerarem seus processos de reestruturação produtiva (LEITE, 1997, p. 17) e atendeu às pressões do capitalismo financeiro internacional para a adoção da política de liberalização comercial sem a qual o país ficaria desvinculado do já posto fenômeno da mundialização do capital, tido como algo irreversível e inquestionável. Para ilustrar o quanto a integração neoliberal trouxe repercussões negativas para a economia nacional, podemos nos utilizar do registro de Santos (2004, p. 427) quando mostra que, no final da década de 1990, a participação nacional no comércio mundial diminuiu de 1,2% para 0,8%, de modo que “a política de abertura irresponsável, em vez de globalizar-nos, como nos prometia, só conseguiu nos desglobalizar” (Ibid.).

Com a deposição de Fernando Collor, ocorrida no dia 20 de dezembro de 1992, a economia brasileira continuou a ser atrelada ao cenário neoliberal através dos governos que

processo de substituição por um novo modelo social, econômico e político. Neste mesmo trabalho de Leyton, o leitor poderá encontrar maiores detalhamentos a respeito destes três estados do neoliberalismo latino-americano.

31 Para o então presidente José Sarney era preciso a realização de mudanças constitucionais para que pudessem

ser atendidos os direitos sociais julgados justos, de modo que este governo insistia na necessidade de modificar a Constituição para adequá-la a um Estado comprometido com o pagamento da dívida externa, enormemente elevada com a crise do começo da década de 1980.

se seguiram (Itamar Franco32 e Fernando Henrique Cardoso/FHC), resultando numa alteração no padrão das relações entre o Estado brasileiro e o sistema financeiro internacional, chegando a ponto de as contas públicas passarem a ser monitoradas pelo FMI. Tendo transcorrido quase uma década de acentuação da submissão da economia brasileira ao capital internacional, Conceição Tavares (TAVARES, 2000, p. 485) alertava para a situação de impasse em que o país iria entrar quando dizia que a nossa inserção, no contexto da globalização financeira, tornava-nos reféns de uma situação de endividamento externo que não seria facilmente resolvida, dada a impossibilidade de que os credores, no caso, todos os países do G-7, pudessem ser substituídos.

Mesmo com a intensificação da dependência da economia brasileira à economia globalizada e a consolidação de um modelo societal de cunho neoliberal no governo FHC, seja lembrado que tal processo foi realizado não sem dificuldades. Chegando ao Brasil, o neoliberalismo teve de enfrentar um movimento operário e popular mais ativo e se deparou com os partidos reformistas e revolucionários que, de certa maneira, obstacularizam a sua implementação (BOITO JUNIOR., 1999, p. 85).

No primeiro mandato de FHC, de 1995 a 1998, foi elaborado um discurso e executadas práticas econômicas e políticas que preconizavam a reforma do Estado que, gradativamente, foram assumidas pelas unidades da federação. Do ponto de vista institucional, esta reforma também pode ser considerada como uma das principais expressões da intensificação do processo de reformulação do papel e atuação do Estado brasileiro.

Impelida pelos ditames do paradigma neoliberal que considerava como sendo um processo urgente para ser realizado, a reforma do Estado brasileiro foi empreendida pelo então criado Ministério da Administração e Reforma do Estado, tendo à frente deste órgão o ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. Todavia, vale destacarmos que, mais do que uma necessidade interna do sistema estatal, aliado ao fenômeno da mundialização do capital, esta reforma foi empreendida para atender às exigências e determinações externas, bem como para atender a ditames de organizações supranacionais, sobretudo de caráter financeiro, tais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Assim, esta reforma representou a aplicação de uma terapia centrada na “drástica redução do tamanho do Estado, paralelamente ao esforço para restaurar a primazia do livre mercado nas decisões relativas à alocação de recursos” (DINIZ, 1997, p. 178). Enfatizando o que já dissemos há pouco, com esta reforma,

32 Em seu “mandato tampão”, o presidente Itamar Franco pareceu querer atenuar o processo iniciado pelo seu

antecessor de modo que, colocando-se em defesa do Estado Nacional e das empresas estatais, o seu governo contribuiu para uma sensível diminuição no ritmo das privatizações (ARELARO, 2000, p. 98).

o governo FHC avançou no processo de inserção do Brasil à globalização da economia que estava sendo configurada no cenário mundial.

Ao desconsiderar as opiniões e posicionamentos dos setores sociais que iriam ser atingidos fazendo com que suas manifestações de descontentamento e de repúdio parecessem soar no deserto33, a reforma do Estado preconizada pelo governo FHC foi realizada de forma autoritária, a saber, sem um amplo debate com a sociedade. Salientamos que, por ocasião do desencadeamento do processo da Reforma do Estado, o Brasil se encontrava em avançado processo de consolidação da dimensão político-institucional da democracia. Entretanto, o que se viu foi a edição de uma nova faceta do caráter autoritário das elites que se apropriam do poder. Também apoiando-nos em Diniz (Id., p. 181 et seq.) podemos dizer que, no afã de implantar a reforma do Estado, do presidente Collor ao presidente Cardoso, o poder executivo central optou pela proliferação de decisões tomadas, sem consulta e sem transparência, por um pequeno número de tecnocratas que se pautavam apenas pelos critérios da eficiência e eficácia da ação estatal. Em outras palavras, a elaboração e implementação da reforma do Estado no governo FHC foi marcada pela ausência de um paradigma democrático, ou seja, sem um debate mais amplo envolvendo a sociedade e, mais ainda, para desencadear um processo de democratização do próprio Estado. A respeito desse paradigma, Fleury (2001, p. 19) diz que

esta orientación teórica para la reforma del Estado se encuentra menos sistematizada y divulgada, pero reúne diferentes contribuciones voltadas a la búsqueda de la transformación de la gestión pública a partir de la necessidad de democratizar el próprio Estado y adecuar la función gerencial a una realidad cada vez más compleja y cambiante.

O paradigma democrático possibilitaria que a reforma do Estado fosse mais além de uma reforma do aparelho estatal, pois abarcaria a própria democratização do Estado e desencadearia um processo de revisão na relação Estado-Sociedade, um tema ou assunto que os neoliberais parecem considerar como intocável. Neste sentido, cumpre recordar que, integrando o conjunto do processo de redemocratização, o tema da reforma do Estado também fez parte da pauta dos setores progressistas da sociedade para que tornasse possível a democratização dos processos decisórios que dizem respeito à vida da nação e, assim, ao invés de se criminalizar o Estado (como os neoliberais fizeram), esta instituição política se

33 Estranhamente, um dos grandes mentores da Reforma do Estado, quando exerceu o cargo de Ministro da

Administração, Bresser Pereira participando do Seminário “Reforma do Estado e Sociedade”, realizado no período de 16 a 18 de maio de 1998, em São Paulo, apresentava a tese de que a sociedade civil deve ser o principal agente da mudança social e mais especificamente da reforma do Estado. (PEREIRA, 1999, p. 73).

fortalecesse “como ambiente democrático de mediação política, pactuação e integração social” (NOGUEIRA, 2004, p. 49).

Na perspectiva progressista, a descentralização deveria fazer parte da agenda da reforma do Estado desde que revestida de um caráter de redistribuição do poder que, em última análise, diz respeito à participação da sociedade civil no processo de elaboração e implementação das políticas públicas. A partir deste olhar, podemos constatar um desencontro entre a proposta de reforma do Estado do governo FHC e o movimento encetado por setores progressistas da sociedade brasileira.

Apresentada à sociedade como necessária para aquele momento, os ideólogos da reforma do Estado prometeram a organização de um “Estado moderno” em substituição à uma estrutura estatal burocrática e pesada, anteriormente vigente. Para este empreendimento, diziam, era necessária a redução dos gastos sociais com as políticas públicas, a transferência de atividades da esfera pública para a esfera privada e um reordenamento do aparelho estatal com medidas desburocratizantes e descentralizadoras, introduzindo-se novas formas de gestão nos serviços e novas formas de relações de trabalho, incluindo as que se estabelecem entre o Estado e os trabalhadores da administração pública.

Ao invés da instalação da modernidade, prometida pelos ideólogos e artífices da reforma do Estado, na verdade, o que houve foi apenas um processo de modernização. Apoiando-nos em Marrach (2000, p. 44), afirmamos que a modernidade decorre de um movimento espontâneo da sociedade, capaz de modificar o papel dos atores sociais e de revitalizar a vida social, econômica, cultural e política dos indivíduos, grupos e classes sociais enquanto que, por sua vez, a modernização “é uma reforma do alto, implementada por um grupo ou classe dirigente que procura adequar a sociedade, vista como atrasada, ao modelo dos países avançados. Tem um caráter voluntarista, uma certa dose de imposição” (Ibid.). Seguindo a linha de pensamento desta mesma autora, entendemos que, assim como em outros processos de modernização historicamente acontecidos na realidade brasileira (passagem de Colônia a Império, abolição da escravatura, transição do Império à República), a modernização neoliberal não tocou na estrutura piramidal da sociedade; ao contrário, ela apenas ampliou sua verticalidade.

Visando dotá-lo de um caráter progressista, para ser mais facilmente aceito, o modelo bresseriano de reforma do Estado foi apresentado como sendo uma proposta de gerenciamento do Estado na perspectiva do cidadão, o que se constituiu numa tergiversação,

na medida em que “o indivíduo é visto menos como cidadão e mais como consumidor, como cliente” (KALVAN, 1999, p. 8). Disto decorre uma compreensão do indivíduo apenas como portador de necessidades a serem satisfeitas (pelo mercado) e não como detentor de direitos sociais os quais o Estado é responsável por garantir o atendimento. Como nos lembra este autor, o problema não está em satisfazer o cidadão enquanto consumidor, mas em torná-lo tão somente isso, pois ao não se falar de direitos, mas em necessidades a serem satisfeitas, os direitos cedem seu lugar para necessidades e a questão social passa a ser tomada, quando muito, como matéria de filantropia e benemerência (Id., p. 10).

Seguindo a tendência neoliberal do momento, essa reforma também se constituiu num processo de subordinação do Estado à lógica do mercado na medida em que procurou (e, em parte, conseguiu) anular muitos dos direitos sociais que a classe trabalhadora havia conquistado após muitas lutas e, juntamente a isso, deslocou para o setor privado a oferta e a promoção de vários serviços e benefícios sociais que outrora eram realizados pelo poder estatal. Há, inclusive, no próprio texto do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, várias sinalizações para que setores de reconhecida caracterização social, como o de saúde e o de educação, fossem explorados pela iniciativa privada cabendo ao Estado apenas o subsidiamento das atividades inerentes a tais setores. A título de exemplo, temos a seguinte proposição:

(...) através de um programa de publicização, transfere-se para o setor público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle. Deste modo, o Estado abandona o papel de executor ou prestador direto de serviços, mantendo-se, entretanto, no papel de regulador e provedor ou promotor destes, principalmente dos serviços sociais como educação e saúde (...). Como promotor destes serviços, o Estado continuará a subsidiá-los, buscando, ao mesmo tempo, o controle social direto e a participação da sociedade (BRASIL, 1995, p. 18).

Foi, assim, que, durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, a reforma do Estado assumiu a descentralização como estratégia para a formalização da adesão do Brasil ao contexto de mundialização do capital e a transferência de atribuições públicas para os setores privados. O projeto foi apresentado como uma necessidade para a melhoria da qualidade e da eficiência do gasto público estatal e, a partir disso, o Estado passou da postura de interventor para a de regulador dos processos econômicos e produtivos, e as atividades que ainda ficaram sob sua tutela foram vistas como devendo ser realizadas de forma descentralizada, o que claramente podemos ler no texto do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), quando é afirmado que

nesta nova perspectiva, busca-se o fortalecimento das funções de regulação e de coordenação do Estado, particularmente em nível federal, e a progressiva descentralização vertical, para os níveis estadual e municipal, das funções executivas no campo da prestação de serviços sociais e de infra-estrutura (BRASIL, 1995, p. 32).

Com a extinção do MARE e a sua transformação em Secretaria de Estado da Administração e Patrimônio, no ano de 1999, o que se pode observar é que a Reforma não conseguiu atingir a essência do Estado brasileiro, pois, do ponto de vista normativo e democrático não ocorreram mudanças substantivas; o empreendimento reformista do Estado brasileiro esteve voltado quase que exclusivamente para um processo de ajuste do Estado às determinações e exigências da ordem neoliberal globalizada, então em curso.

Dentre outros fatores, Gandini e Riscal (2002), consideram que à herança patrimonialista, que acompanha a formação e o desenvolvimento do Estado brasileiro, deva ser atribuída grande parte da responsabilidade por tal inoperância. Ficou, portanto, um espaço em aberto para que, num projeto mais amplo de debate sobre a sociedade e o país que coletivamente desejamos e queremos construir, o tema da reforma do Estado venha a fazer parte de uma pauta democraticamente discutida a partir da qual, certamente, esta reforma deixará de ser compreendida como um empreendimento reducionista que signifique “transferir para a esfera privada as atividades que podem ser controladas pelo mercado” (BRASIL, 1995, p. 17).

No modelo de reforma do Estado brasileiro, a educação passou a ser vista como instância na qual era preciso ajustar a gestão dos sistemas de ensino e das escolas ao modelo gerencial, conforme divulgado pelo poder central, em consonância com o discurso das agências externas de cooperação e financiamento. Aliás, como entre outros pesquisadores, Aguiar (2002) analisa que a educação foi um dos setores sobre o qual mais intensamente foram aplicadas as diretrizes emanadas da dita reforma do Estado tendo, inclusive, atingindo o próprio Ministério da Educação visando à reestruturação da sua máquina burocrática para que, no âmbito educacional, fosse instaurado um novo parâmetro de relacionamento entre o poder federal e os poderes estaduais e municipais, ou seja, a centralização do poder na esfera federal não obstante o discurso da descentralização assumido pelo governo FHC.

Foi, assim, no contexto da reforma do Estado que emergiu a temática da autonomia da escola. Há uma relação direta entre ambas, uma vez que a reforma do Estado, pautada pelo neoliberalismo, além de implicar na redução da atuação do Estado na esfera social, também foi dimensionada para a transferência a âmbitos menores, da responsabilidade

na execução das políticas que fazem funcionar a sociedade sendo, desta forma, considerado como outorga de autonomia (BRASIL, 1995, p. 22).