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CAPÍTULO 2 NEOLIBERALISMO: UMA NOVA CONFIGURAÇÃO PARA O

2.6 A REFORMA DO ESTADO EM PERNAMBUCO

Tendo sido elaborado e intentado um projeto de reforma do Estado em nível federal, conseqüentemente, as unidades federativas tiveram que desencadear o mesmo processo em sua realidade subnacional. Nesta seção, faremos, pois, uma pequena incursão para, ainda que rapidamente, verificarmos como se deu em Pernambuco o processo de reforma do Estado. A respeito deste processo seja dito, de início, que ele ocorreu de forma tardia em decorrência do posicionamento de oposição e de distanciamento adotado pelo governo Miguel Arraes/PSB (gestão de 1995 a 1998) em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso. Ademais, o retardamento do processo da reforma do Estado em Pernambuco também se deveu à existência de um movimento de resistência desencadeado pelas forças sociais desta unidade federativa que entendiam o projeto do governo FHC como sendo um obstáculo para a consolidação do processo democrático.

Com a eleição de Jarbas Vasconcelos (PMDB) para um mandato executivo (1999 a 2002), passou a ocorrer a reforma do Estado em Pernambuco. Dentre diversos outros fatores, do cenário local, que favoreceram o desencadeamento dessa reforma destacamos os seguintes: (i) os resultados das urnas deram um grande respaldo político para Jarbas Vasconcelos não só por ter derrotado o governador Miguel Arraes, que havia se candidatado para a reeleição como, também, pelos resultados eleitorais em si. Com uma diferença de 1.100.000 votos a mais em seu favor, Jarbas Vasconcelos recebeu 64,14% dos votos válidos, enquanto Miguel Arraes obteve apenas 26,38% da votação e (ii) a crise financeira na qual Pernambuco se encontrava que, de passagem, seja esclarecido que também havia sido decorrente do isolamento que este Estado sofreu dada à postura de confronto assumida por Miguel Arraes em relação ao Governo Federal e que, por outro lado, gerou retaliações político-administrativas34 para a gestão de Miguel Arraes.

34 O caso da privatização do Banco do Estado de Pernambuco/BANDEPE destacou-se como sendo um

“estopim” para o acirramento das relações entre o Governo Estadual e o Governo Federal. Com o dinheiro apurado na venda do BANDEPE, Miguel Arraes utilizou parte desse dinheiro em operações diferentes das estabelecidas pelo governo central (por exemplo, em pagamento dos servidores públicos) inclusive em operações que, na época, deixaram margem de dúvidas quanto à sua legalidade (o rumoroso caso dos “precatórios”). Demonstrando poder de força, o governo central intensificou a retaliação a Pernambuco, o que contribuiu para agravar a crise financeira em que esta unidade federativa se encontrava.

Dessa forma, com o projeto de reforma do Estado iniciado no governo de Jarbas Vasconcelos, Pernambuco iria se alinhar ao que estava sendo realizado no âmbito federal.

Juntamente com as argumentações bastante localizadas para ser desencadeada a reforma do Estado em Pernambuco, vistas anteriormente, devemos acrescentar, de acordo com as análises de Cavalcanti (2003, p. 39), a existência de um respaldo ao mesmo tempo teórico e pragmático. Como justificativas para esta reforma, foram utilizados os argumentos de que o modelo de intervenção estatal havia sido esgotado e era necessário que Pernambuco se tornasse competitivo para, assim, responder às exigências do novo momento da economia globalizada. Assim sendo, a reforma do Estado em Pernambuco encontrou a munição que necessitava para ser vista e acolhida pela população como sendo uma necessidade imperiosa e, assim, os poucos movimentos de reações que foram esboçados contra sua implementação tornaram-se como que, a exemplo do que aconteceu em âmbito nacional, isoladas vozes no deserto.

Apresentando como bandeira de frente a necessidade da recuperação do Estado que, por ocasião da campanha eleitoral para o governo estadual, era traduzido por “tirar Pernambuco do atraso”, o governo de Jarbas Vasconcelos, tão logo se instalou no poder, iniciou o processo de reforma do Estado enviando uma mensagem à Assembléia Legislativa que tratava da reestruturação do aparelho do Estado (Mensagem 005/99, de 04/01/99) e elaborando um contrato com o governo federal em vista da aprovação de um programa de reestruturação e de ajuste fiscal.

Dando continuidade ao seu projeto, o governo Jarbas Vasconcelos instituiu um grupo de trabalho, a “Comissão da Reforma do Estado” que, posteriormente, elaborou o Plano Diretor da Reforma do Estado em Pernambuco, foi completada com um total de 87 instrumentos legais abrangendo os níveis de “Gestão de pessoal”, “Redução de Custeio” e Modernização Administrativa”, assim distribuídos:

Tabela III – Quantitativo de instrumentos legais complementares ao Plano Diretor da Reforma do Estado em Pernambuco

Decretos Leis Leis Complementares Emendas Constitucionais Gestão de Pessoal 26

11 3 1 Redução de Custeio 15 - - - Modernização Administrativa 16 12 1 2 TOTAL 57 23 4 3

Fonte: Documento “Reforma do Estado: Ações e Resultados”, 2001

Diante desse expressivo número de instrumentos legais, dos quais 73,5% foram produzidos em apenas um ano (1999), podemos perceber a força da intencionalidade do governo Jarbas Vasconcelos para empreender a reforma do Estado em Pernambuco, na ótica neoliberal.

Nos seus princípios, o Plano de Reforma do Estado em Pernambuco, em muito foi semelhante ao Plano Diretor da reforma bresseriana. Como registra Fittipaldi (2002, p. 95), os reformadores pernambucanos encontraram no modelo do Ministério da Administração e Reforma do Estado a roupagem institucional para a reforma administrativa que pretendiam implementar no Estado e, assim, tinham como grandes metas a serem alcançadas obter a reversão da crise financeira que havia se abatido sobre Pernambuco, juntamente com o enxugamento da máquina pública. Tal enxugamento, diziam, possibilitaria um melhor desempenho do aparelho estatal.

A partir da avaliação oficial feita pela própria Comissão (após um ano da implantação da reforma) é possível ser verificado que a redução de custos – incluindo os dos serviços públicos – assumiu um lugar de centralidade na Reforma com tal força que não só esse objetivo aparece como uma constante ao longo de todo o texto avaliativo como, também,

a sua consecução é vista como um ponto de honra a ser alcançado. Desta forma, em relação à especificidade da redução de despesa com pessoal os reformistas assim se pronunciaram: “foi travada no exercício de 1999 uma verdadeira batalha para diminuição das despesas com pessoal, constituído um dos maiores esforços de ação deste governo (GOVERNO ESTADUAL DE PERNAMBUCO, 2001a, p. 18 – o grifo é nosso). Traduzindo em números, essa batalha significou demitir 1.282 servidores, desligar outros 1.014 funcionários (via Programa de Demissão Voluntária) e, ainda, reduzir 25% dos contratos de prestação de serviços temporários (serviços estes não reassumidos pelo poder público).

Como ocorre no conjunto do projeto neoliberal, podemos identificar nesse “enxugamento” uma séria contradição na proposta e prática da reforma neoliberal implantada em Pernambuco, pois com a redução nos custos dos gastos públicos (pessoal e de custeio), como seria possível que o Estado pernambucano desse resposta a uma das quatro questões consideradas como urgentes35, ou seja, a

defasagem na Quantidade e na Qualidade dos Serviços Públicos: os quais não conseguem universalizar seu atendimento e melhorar seu padrão de qualidade, para acompanhar as novas exigências sociais e os processos produtivos modernos, resultando na redução da competitividade sistêmica do Estado e no agravamento das condições de vida de grande parte de sua população (GOVERNO ESTADUAL DE PERNAMBUCO, 2001a, p. 3)?

Com o passar do tempo, as inúmeras expressões de insatisfação da população pernambucana em relação à quantidade e à qualidade dos serviços públicos, notadamente nas áreas da saúde, segurança e educação, bem como os constantes movimentos de reivindicação feitos pelos servidores destas mesmas áreas atestaram que a resposta do Estado foi de incapacidade.

Na base do Plano, a exemplo da matriz bresseriana, encontrava-se a reprodução da clássica divisão entre as atividades exclusivas do Estado (arrecadação tributária, segurança pública) e as atividades não-exclusivas do Estado (educação, saúde, meio ambiente etc), respectivamente, correspondentes aos chamados “Núcleo das Atividades Exclusivas” e o “Núcleo dos Serviços não Exclusivos ou Competitivos”. No primeiro núcleo foi prevista a flexibilização da gestão do Estado, direcionada para a descentralização. Para que isto acontecesse, foi prevista a existência de entidades descentralizadas, as quais seriam controladas a partir da consecução dos objetivos propostos e, evidentemente, pelos resultados que viessem a desempenhar. Por sua vez, no segundo núcleo foram pensadas as “organizações

35 As outras questões foram: necessidade do ajuste fiscal, mudança nos padrões de governo e controle do Estado

sociais” que poderiam realizar a prestação de serviços que antes estavam sob o encargo do poder público mas que, agora, poderiam realizar cobrança pela prestação de tais serviços, fato este que apontava para a adoção da privatização.

Como podemos inferir, com esta divisão, bastante sintonizada com o receituário neoliberal, estavam sendo abertas as portas tanto para a privatização explícita (como efetivamente ocorreu com as companhias de fornecimento de energia elétrica e de água, respectivamente, a CELPE e a COMPESA) como para o estabelecimento de parcerias e de contratos de gestão. Em consonância com estes direcionamentos, também podemos identificar uma mudança paradigmática do papel do Estado passando, portanto, de Estado desenvolvimentista para Estado regulador.

No que diz respeito ao setor educacional, tais delineamentos foram traduzidos em redução de gastos públicos que atingiram setores que já eram carentes como, a título de exemplo, o pessoal técnico-administrativo e o próprio professorado, contribuindo, assim, para o agravamento da crise de qualidade que ora permeia o sistema público de ensino de Pernambuco.

No rol das instituições amparadas ou mantidas pelo poder estatal que vieram a ser extintas, entraram a Casa do Estudante de Pernambuco e a Escola de Saúde Pública. Posteriormente, dentro do esquema das organizações sociais, o poder público estadual se destituiu da responsabilidade pela manutenção do Conservatório de Música, mesmo sendo esta uma instituição educacional. Numa medida que também expressava o entendimento neoliberal do governo de Jarbas Vasconcelos em relação à educação, posteriormente, a Universidade de Pernambuco, sem um mínimo de debate com a sociedade, foi transferida da Secretaria de Educação para a Secretaria de Ciência e Tecnologia deixando no ar uma grande indagação a respeito da missão e do papel – aliás, do seu futuro como um todo – desta instituição de ensino superior, cuja maioria dos cursos que oferece está voltada para a educação e, mais precisamente, para a formação de professores (Faculdades de Formação de Professores nas cidades interioranas de Garanhuns, Nazaré da Mata e Petrolina e, ainda, outros cursos de graduação localizados no próprio “campus” central, em Recife). O mesmo destino foi dada à Escola Técnica “Agamenom Magalhães” (ETEPAM) que, até então, era uma escola de ensino médio na qual os alunos da rede estadual podiam ali encontrar uma qualificação profissional considerada como de boa qualidade e chegava a atender quase 3.000 estudantes. Passados quatro anos dessa transferência, o ETEPAM encontra-se, hoje, numa situação bastante diferente do seu passado e com um reduzido número de apenas 800 alunos (várias salas de aulas sem funcionarem, maquinário enferrujado, professores da parte

profissionalizante sem poderem ministrar aulas, quase todo o prédio necessitando de uma nova pintura etc)36.

Em consonância com as diretrizes neoliberais, a reforma do Estado em Pernambuco veio dar ênfase à autonomia da escola não no sentido desta instituição poder ter assegurada a condição fundamental para a implementação da sua gestão democrática mas, sim, num modelo de autonomia no qual o Estado vai se retraindo na tarefa de promoção e sustentação da educação pública. Neste contexto é que, então, a autonomia da escola foi incorporada no atual Plano Estadual de Educação, o PEE/2000–2002. Ainda que tenha se constituído numa inovação, tal inclusão, todavia, expressou um direcionamento neoliberal para a autonomia da escola como já analisamos em outro trabalho (SOUSA, 2002) e, em outro momento, retomaremos no presente trabalho.

Em linhas gerais, a autonomia escolar, decorrente da Reforma do Estado em Pernambuco e incorporada no PEE/2000-2002, tem sido traduzida em diminuição de recursos humanos e financeiros às escolas da rede estadual de ensino com um conseqüente comprometimento da qualidade dos seus serviços educacionais prestados à população (notadamente oriunda das camadas populares) e, ainda, delegação de atribuições e responsabilidades para os gestores das unidades escolares sem o adequado e necessário acompanhamento das condições objetivas para o cumprimento dos encargos que lhes têm sido atribuídos.

A partir das análises realizadas no decorrer deste capitulo evidenciou-se, pois, que nas três últimas décadas do século passado, em vista da reorganização do capitalismo, foi sendo tecida e disseminada uma ideologia cuja aplicação, dentre outros setores, resultou que o Estado passasse a ter uma nova caracterização: o Estado neoliberal. Em conseqüência a este formato, o Estado redimensionou a sua forma de atuação em relação às políticas sociais e, neste contexto, para com a educação pública, o Estado também retraiu-se deixando, assim, um campo aberto para ser regido pelo mercado.

CAPÍTULO 3 - OS NOVOS DIRECIONAMENTOS DADOS À POLÍTICA