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A imputação objetiva e a necessidade de normatização de seus

Neste último ponto de nosso trabalho, resolvemos nos posicionar acerca da necessidade de positivação da teoria da imputação objetiva, para que esta possa ser aplicada em nosso ordenamento jurídico.

Apesar de respeitarmos as opiniões contrárias (MAGGIO, 2001), acreditamos que tal normatização é desnecessária, visto que a positivação de teorias doutrinárias é prática que não deve ser estimulada, haja vista que tais teorias tratam-se mais de hermenêutica, de interpretações e aplicações de princípios básicos, os quais, em grande parte, encontram-se implícitos em nosso sistema normativo, do que propriamente de regras jurídicas:

[...] resulta induvidoso que, mesmo sem recepção legislativa – ou exatamente por isso -, a teoria da imputação objetiva pode ser aplicada pelas instâncias judiciais. Para tanto, basta que os operadores do Direito se convençam de sua vocação científica e de sua boa oportunidade social, adequando-a ao sistema positivo vigente. Essa é a dinâmica do sistema. É para esse fim – para que os princípios sejam descobertos e exerçam sua função ordenadora e revitalizadora – que a ‘lex scripta’ omite e deve omitir a positivação de doutrinas, princípios hermenêuticos ou teorias. (FELICIANO, 2005, p.193). (grifo do autor)

Quanto ao argumento da teoria da imputação objetiva não se moldar ao ordenamento jurídico vigente, com suas regras e preceitos eminentemente causais, é de bom alvitre mencionar que, apesar da normatização de alguns institutos da teoria finalística clássica, a mesma não se encontra efetivamente positivada.

E tal situação é a posição que mais se coaduna à melhor técnica legislativa, visto que não é prudente, tendo em vista a mobilidade social que o Direito tem que tutelar, engessá-lo em teorias que tendem mais ao obsoleto, que à adequação.

Além disso, se nos referirmos especificamente à causalidade, e ao fato desta se encontrar positivada em nosso ordenamento, ainda assim isso não seria problema para a aplicação da teoria da imputação objetiva, visto que esta também

ϭϬϱ está positivada, de maneira indireta, em nosso ordenamento (o que nem mesmo seria necessário).

Tal situação é facilmente comprovada através da leitura dos parágrafos do artigo 13 do Código Penal vigente, o qual, apesar de tratar da teoria do nexo causal em seu caput, garante a positivação da imputação normativa em seus parágrafos, como já explicado em tópico anterior.

Deste modo, se há a positivação da imputação normativa, assim como a do nexo causal, não se pode afirmar que a teoria da imputação objetiva não se adequaria ao nosso sistema, pois nos casos descritos nos parágrafos do mencionado artigo, ela já se encontra posta.

De outro lado, aceitar sua existência apenas nos casos descritos nas normas em discussão seria incorrer em erro flagrante, tendo em vista que estaríamos criando uma limitação inexistente dentro da teoria da imputação objetiva.

Assim, não restam argumentos a impossibilitar a aplicação da teoria da imputação objetiva por nossos juristas, e nem mesmo fundamento para exigir a postulação legal de tal teoria, o que faz com que a mesma possa, e deva, ser aplicada em nossos Tribunais.

Por fim, com o desiderato de referendar tudo o que aqui fora defendido, seguem-se os ensinamentos do doutrinador Guilherme Magalhães Feliciano (2005, p. 195, 197-198), com o qual findamos nossas explanações:

O Direito Penal positivo contém, no Brasil, indícios seguros de compatibilidade com o conceito de imputação normativa. Tais indícios encontram-se no texto art.13 do CP, que pretendeu dispor sobre relação de causalidade (cfr. Item 12 Exposição de Motivos da Nova Parte Geral), mas acabou por disciplinar, nos parágrafos, aspectos de imputação normativa. O par. 1º do art.13 estabelece, a propósito da causalidade, que a superveniência de causa relativamente independente (‘causa superveniens’) exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado. Positivou-se, no particular, a célebre lição de Hungria sobre a ‘não-causa’. É claro, porém, que, do ponto de vista científico – e não há outro conceito possível de causalidade -, tanto a condição predisponente (ação ou omissão), quanto a causa imediata (o fato superveniente), causaram o resultado, inclusive à luz da teoria da equivalência dos antecedentes. Apenas nas causas

absolutamente independentes não há eixo causal entre a conduta anterior e

o resultado final. Logo, a causalidade naturalística sofreu uma contenção

normativa por conta do art.13, par. 1º, do CP.

Idênticas razões fazem identificar, no par. 2º do art.13, a positivação de um nexo axiológico-normativo (não-causal) entre a conduta e o resultado típico. Esse preceito legal consagrou a concepção normativa da omissão, como reconhece, à unanimidade, a doutrina nacional. Significa dizer que os danos sofridos pela vítima, quando omisso o garante, imputam-se a esse último, não porque a omissão foi ‘causa’ dos danos, mas porque a norma estabelece relação entre um fato e outro. Essa relação normativa é,

ϭϬϲ

precisamente, o nexo de imputação objetiva. Se está reconhecida para todos os delitos omissivos impróprios, não é salutar asserir que, nos crimes comissivos materiais, essa relação normativa não exista. Tal asserção fere os princípios metodológicos mais comezinhos da ciência – o da unidade e o da coerência. Dá ensanchas a duas teorias do delito e à distinção ontológica entre crimes omissivos e comissivos, por diversamente constituídos. Não pode, certamente, vingar. A ciência penal deve ser – como, em geral, toda ciência – um ‘sistema de conhecimentos metodicamente adquiridos e integrados em uma unidade coerente’. (grifo do autor)

Assim, acreditamos termos justificado de maneira eficaz nosso posicionamento, não nos restando mais nada a acrescentar nessa nossa análise perfunctória, porém, esperamos que completa, desta tão polêmica teoria da imputação objetiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de todas as considerações expendidas durante este trabalho monográfico, consideramos pela necessidade de aferimento da teoria da imputação objetiva dentro da análise do conceito de fato típico. O enriquecimento da noção de imputação traz importantes conseqüências para a intervenção repressiva, na medida em que possibilita excluir a tipicidade das contribuições individuais que não sejam consideradas juridicamente relevantes.

No entanto, a exigência de aumento da situação de perigo, que é perfeitamente aplicável aos delitos comissivos, não colhe os mesmos frutos na hipótese de delitos omissivos. O próprio Roxin reconhece que a doutrina do incremento do risco não está acabada. Como nos delitos omissivos a relação juridicamente relevante somente se estabelece face à violação do dever juridicamente exigível de agir para evitar o resultado, cabe ao destinatário desse dever não somente impedir que o perigo aumente, mas também afastar o perigo de lesão ao bem jurídico, quando lhe for possível.

Com base no estudo realizado, pode-se depreender que a teoria da imputação objetiva do resultado é dependente da ciência político-criminal e por isso oferece uma resposta mais segura para as questões concretas que a teoria da equivalência não consegue solucionar. Esta apresenta uma amplitude demasiada, não resolvendo questões mais complexas que envolvam várias causas tendentes a produção do resultado. O reconhecimento dessa amplitude gerada por tal teoria necessita de uma correção limitadora de responsabilidade, sendo, atualmente, a

ϭϬϳ teoria da imputação objetiva a mais eficiente para indicar o caminho correto que se deve seguir.

A imputação objetiva do resultado não é uma teoria propriamente dita, apesar de ser denominada dessa forma, mas um conjunto de princípios de correção típica. São critérios dogmáticos que buscam corrigir as deficiências da teoria tradicional. Diferentemente do que possa parecer, não se pretende excluir a relação de causalidade natural, pelo contrário; esta relação constitui pressuposto da imputação objetiva. Na verdade, se reconhece a necessidade de elaborar critérios que limitem a relevância jurídico–penal de um grande número de ações típicas, exigindo além da constatação do nexo causal, uma relação de risco.

Assim, após encontrada a relação de causalidade, é preciso verificar se houve uma produção de risco relevante para o Direito, ou seja, se o agente causou um risco desaprovado (não permitido) e se este risco se realizou no resultado. A aplicação desses critérios traz uma maior segurança jurídica, vez que a teoria da imputação objetiva do resultado é um “filtro objetivo”, em que só será realmente responsabilizado aquele que efetivamente produziu o resultado.

Para se chegar a tal conclusão é necessário que seja constatado três situações:

1) o agente deve produzir um risco não permitido;

2) esse risco tem que realizar-se no resultado;

3) e o resultado ter adequação a um tipo penal (âmbito de proteção da norma).

Com efeito, onde residem as maiores dificuldades de aplicação da teoria vigente no Código Penal é possível observar as maiores virtudes da teoria da imputação objetiva.

Nos crimes omissivos, em que não se consegue visualizar a relação de causalidade propriamente dita, esta nova teoria demonstra de maneira mais segura a imputação do resultado. Assim, será imputado ao agente o evento quando: houver o dever concreto de agir (tanto para os omissivos impróprios como para os omissivos próprios), existir ação de salvamento e o omitente tiver a possibilidade de atuar para evitar o resultado.

ϭϬϴ Por fim, em relação aos delitos culposos, aplicando a teoria da imputação objetiva do resultado, esses passam a serem resolvidos de maneira mais precisa, bem como propiciando uma correção da excessiva abrangência causada pela aplicação da teoria atual. A conduta descuidada, a previsibilidade e a evitabilidade passariam a fazer parte do próprio conceito de imputação objetiva, agrupando-se aos critérios normativos de correção típica.

.Em razão disso, de extrema valia a teoria abordada neste trabalho. Ela é uma tentativa de aproximação da concretização do princípio da justiça. Assim, será responsabilizado somente quem deu, verdadeiramente, causa a produção de um resultado danoso, diminuindo gradativamente as injustiças cometidas na aplicação da norma penal

Do exposto, então, podemos concluir que a imputação objetiva é elemento essencial do crime, o que não ocorre com o nexo causal. Todavia, não há substituição de uma teoria pela outra, mas complementação, posto que ambas são importantes para a verificação da existência de um delito, apesar de uma delas não ser essencial, pelo menos não para todas as espécies de crime.

Mas estas conclusões não se encontram apenas no campo teórico, a prática também recebe reflexos das mesmas, pois na medida em que a imputação objetiva passa a ser requisito essencial do crime, elemento normativo implícito do mesmo, sua análise obrigatória assegura soluções que se diferenciam daquelas meramente causais, fornecidas pela teoria tradicional.

Assim, casos concretos ganham novas soluções, e institutos jurídicos fundamentações mais coerentes com o ordenamento posto. A teoria da imputação objetiva passa a analisar os casos concretos por meio da lente da adequação social, o que torna suas soluções jurídicas mais coerentes para a ciência do Direito, a qual é eminentemente social e morfologicamente normativa, o que também vai ao encontro da mencionada teoria, de essência puramente jurídica.

Por ser a imputação objetiva uma teoria do estudo do delito, não necessita estar taxativamente positivada no ordenamento para ser utilizada, bastando apenas com ele se moldar, o que, consideramos, é livre de qualquer contra-argumentação.

Isto ocorre, tendo em vista o fato da imputação objetiva não excluir o nexo causal, que é aceito no nosso ordenamento posto, e ainda, pelo fato desta já encontrar respaldo em alguns preceitos normativos positivados, como aqueles

ϭϬϵ inseridos nos parágrafos do artigo 13 do Código Penal Brasileiro, que tratam da omissão e da causa superveniente relativamente independente, através de uma estrutura jurídica normativa.

Esta última consideração demonstra também a importância desta pesquisa, pois a mesma serve como mais um elo a alargar a corrente que vem se formando, com o desiderato de defender a teoria da imputação objetiva, explicando-a e garantindo a possibilidade de sua utilização nos Tribunais pátrios.

A partir desta consideração, fácil tornou-se verificar todos os outros questionamentos secundários, e analisá-los diante de cada teoria, entendendo que a verificação de uma não significa expressamente a existência do crime, mas, apenas, mais um passo em direção a esta afirmação. Esta foi nossa principal consideração, e realmente, a que encontrou aceitação dentro de todos os princípios e fundamentos aqui estudados.

A Teoria da Imputação Objetiva, presta-se a resolver tudo. Ela é um estado de espírito; é uma postura filosófica; é uma postura do Estado Democrático de Direito. Do Estado Democrático de Direito deriva o princípio da dignidade humana e este princípio leva a necessidade considerar que o crime não deve ser apenas aquilo que a lei define como crime, mas, sobretudo, que tenha conteúdo de crime, de maneira que só as condutas que sejam socialmente indesejadas, as condutas realmente perniciosas ao meio social é que podem ser consideradas delituosas. A Imputação Objetiva vem para impedir uma excessiva incriminação, o alcance exacerbado da lei penal que erroneamente incide sobre pessoas que realizam comportamentos absolutamente inofensivos ou socialmente padronizados

Por fim, ressaltamos, por mais uma vez, a importância deste trabalho como facilitador da compreensão, e estruturação, das teorias em discussão, as quais são demasiadamente importantes para a coerência de toda a estrutura jurídica de nosso ordenamento penal, que não sobrevive sem as mesmas, mas necessita colocar cada uma, em seus devidos lugares. Esta foi a nossa tarefa com este trabalho, a qual julgamos ter sido concluída de maneira satisfatória.

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