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Segundo Damásio Evangelista de Jesus (2002b, p.280): “Imputação objetiva significa atribuir a alguém a realização de uma conduta criadora de um risco relevante e juridicamente proibido e a produção de um resultado jurídico”.

Analisando com maior profundidade, até mesmo por ser um dos precussores da teoria em questão, Claus Roxin (2002, p.13) afirma que a mesma preconiza que:

(...) um resultado causado pelo agente só deve ser imputado como sua obra e preenche o tipo objetivo unicamente quando o comportamento do autor cria um risco não permitido para o objeto da ação (2.1), quando o risco se realiza no resultado concreto (2.2), e este resultado se encontra dentro do alcance do tipo (2.3).

ϱϰ Tal teoria não trata da relação de causa e efeito entre uma conduta e um resultado, mas da relação normativa entre uma conduta e um resultado advindo de um risco proibido. Não se encontra dentro de uma visão naturalística dos fatos, mas, sim, dentro de uma visão valorativa das condutas, tendo em vista os bens que o Direito Penal pretende proteger:

Ao se empregar tal teoria [imputação objetiva], deixa-se de analisar, quanto ao tipo objetivo, uma relação de causalidade puramente material. Torna-se esta mera condição mínima, a ela se agregando outra, de natureza jurídica, que consiste em verificar se o resultado previsto pode ou não ser imputado ao autor. Não basta apenas que o resultado tenha sido praticado pelo agente para que se possa afirmar a sua relação de causalidade. Passa a ser necessário também que ele possa lhe ser imputado juridicamente. (STIVANELLO, 2003, p.71).

Deste modo, para a teoria da imputação objetiva, não se torna necessária a existência de uma conduta positiva e um resultado naturalístico, visto que ela não trabalha com a causalidade, de cunho eminentemente natural, mas sim com imputação, a qual possui caráter normativo.

Por ser uma teoria que tem por função imputar uma conduta delituosa a alguém, constitui, assim como a teoria do nexo de causalidade, um elemento do fato típico, caracterizando-se, segundo Damásio E. de Jesus (2002b), como um elemento normativo do tipo.

Outra não poderia ser a sua caracterização, haja vista seu caráter essencialmente jurídico. Nestes termos, em sendo a imputação objetiva um elemento do tipo, ausente a mesma, a conduta torna-se atípica, não persistindo a idéia de crime.

De grande importância torna-se, portanto, a análise da aplicação, ou não, da teoria da imputação objetiva dentro do estudo da existência de um fato delituoso. Sendo assim, torna-se imperioso destacar as circunstâncias que, se verificadas, implicam na aplicação da teoria da imputação objetiva no caso concreto. São elas:

• a conduta do agente ter redundado na criação, ou incremento, de um risco juridicamente relevante e desaprovado para um bem penalmente protegido;

• ter havido a constatação real do perigo no resultado, o qual é considerado em seu âmbito normativo;

ϱϱ Tais circunstâncias, é de bom alvitre mencionar, derivam dos escritos de Claus Roxin e Günther Jakobs, os quais, através de seus postulados, que antes de se repelirem, somam-se, desenvolveram as bases da atual teoria da imputação objetiva, garantindo a sua completude.

Neste diapasão, convém especificar, de maneira perfunctória, a medida das contribuições de cada um destes autores para a teoria em comento, as quais, como dito, refletem diretamente nas circunstâncias que determinam a utilização da teoria da imputação objetiva no caso concreto:

Em sua doutrina Roxin elege como primeira tarefa da imputação objetiva descrever as circunstâncias que fazem de um evento uma conduta típica: na precisa expressão do catedrático, há que se proceder à imputação (do fato) ao tipo objetivo. Para isso, fia-se em dois princípios fundamentais: o princípio do risco e o princípio do fim de proteção da norma. Esse último instrumentaliza-se como princípio meramente corretivo, aplicável quando o fato pode ser, à luz do primeiro princípio, imputável ao tipo objetivo. (FELICIANO, 2005, p. 90-91). (grifo do autor).

Em paralelo à obra de Claus Roxin, merece atenção a doutrina de Günther Jakobs, igualmente valiosa e largamente difundida.

Günther Jakobs, em efusiva crítica às concepções naturalísticas do Direito Penal, estruturou seu próprio sistema de imputação objetiva, compreensivo de dois níveis: imputação objetiva do comportamento (em que se extrema comportamentos não-permitidos, que implicam quebrantamento dos deveres do indivíduo, e comportamentos permitido, que não frustram o princípio da confiança); e imputação objetiva do resultado (em que se analisa se o resultado produzido deve-se àquele comportamento ou apenas teve lugar na mesma ocasião, como fortuitidade). A imputação objetiva do comportamento constitui o primeiro nível de imputação (correspondente, em Roxin, ao âmbito de criação de riscos); já a imputação objetiva de resultados constitui o segundo nível de imputação (correspondente, em Roxin, ao âmbito de realização dos riscos). (grifo do autor)

[...]

Ancorado em seus supostos sociológicos, Jakobs enunciou quatro postulados, que são os fundamentos teóricos de seu sistema de imputação objetiva. Seguem-se: a. não toma parte do rol do cidadão a eliminação de todo e qualquer risco de lesão a outrem, porque a sociedade convive com o

risco permitido (‘existe risco permitido’); b. quando os comportamentos dos

seres humanos entrelaçam-se na sociedade de relações, não toma parte do rol do cidadão o controle permanente de todos os demais que com ele se relacionam, porque a divisão social do trabalho seria, de outro modo, impossível (‘existe o princípio da confiança – no qual Jakobs busca fundamento para apontar o equívoco de Deus no mitológico julgamento de Adão); c. quem mantém com outro uma relação esterotipicamente inócua não defrauda expectativas sociais, ainda se o outro usar desse vínculo para invadir esferas de competência alheia – eis a noção de ‘organização não-

permitida’, na trilha do conceito de competência em virtude de uma

organização (‘existe uma proibição de regresso’, assim enunciada: todo comportamento que, de modo estereotipado, é inócuo ‘per se’, não constitui participação em uma organização não-permitida); d. se a configuração da relação social compete não apenas ao autor, mas também à vítima, de maneira que o resultado se deva ao próprio comportamento da vítima ou ao caso fortuito, ao autor não se imputa o fato (‘existe uma competência da

ϱϲ

proibição de regresso, competência da vítima – Jakobs denomina instituições jurídico-penais. Tais instituições fundamentam, no seu sistema doutrinal, o primeiro nível de imputação objetiva (imputação objetiva do comportamento). (FELICIANO, 2005, p.93, 96-97). (grifo do autor)

Por fim, é importante ressaltar que a teoria da imputação objetiva, pelo posicionamento majoritário da doutrina, deve ser buscada após a análise da existência do nexo causal (MAGGIO, 2001, P.405), e antes da aferição da imputação subjetiva (dolo ou culpa), questão que iremos analisar melhor em ponto posterior.

Diante do exposto, passemos agora à análise detalhada de alguns princípios e pontos de importância dentro da teoria da imputação objetiva, os quais já foram, em grande parte, mencionados quando tratamos das contribuições de Claus Roxin e Günther Jakobs.