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Alguns casos concretos à luz da teoria da imputação objetiva

3.2 Alguns pontos práticos e doutrinários que desafiam a teoria do nexo

3.2.7 Alguns casos concretos à luz da teoria da imputação objetiva

Por fim, queremos aqui fazer uma análise comparativa de alguns casos concretos expostos na doutrina pátria, onde a aplicação da teoria da imputação objetiva geraria uma solução diferente, com conseqüências distintas para os acusados.

Primeiramente, trazemos à baila um caso exposto na obra do doutrinador Damásio E. de Jesus (2002a, p. 96): “Um sujeito invadiu o quintal da residência de uma pessoa, fazendo menção de agredi-la. Ela, para fugir, pulou um muro, sofrendo lesões corporais”.

Neste caso, à luz da teoria do nexo de causalidade, principalmente da teoria da conditio sine qua non, houve a condenação do invasor por lesão corporal leve (JESUS, 2002a).

ϭϬϮ encontraria solução equivalente dentro da teoria da imputação objetiva. Isto porque, no caso em tela, o resultado ofensivo à integridade física da vítima deveu-se a um comportamento impulsivo dela própria, não sendo responsável o invasor, o qual poderia vir a responder por invasão de domicílio, mas nunca por lesão corporal leve, pois tal evento deveu-se a um ato arriscado da própria vítima, não tendo o invasor qualquer domínio sobre tal fato.

Outro caso interessante, fornecido pelo citado doutrinador, refere-se aos seguintes fatos:

Uma senhora saindo de automóvel de um shopping, em São Paulo, ao parar num semáforo foi abordada por quatro marginais armados de revólveres. Apontando-lhe as armas, um sentou-se a seu lado e três entraram atrás. ‘Vamos, dona, toca logo p’ra Raposo’, um deles lhe ordenou, referindo-se à Rodovia Raposo Tavares. Lembrando-se, de acordo com seu relato, do que havia ocorrido com as vítimas do caso do ‘Maníaco do Parque’, que foram estupradas e assassinadas, resolveu: ‘Se vou morrer, morro aqui mesmo’. Acelerou o carro, abriu a porta para se jogar e deu um ‘golpe’ no volante. O veículo, desgovernado, capotou. Dois assaltantes foram presos, dois conseguiram fugir e a vítima foi levada para um hospital com várias fraturas. (JESUS, 2002a, p.97-98).

De acordo com o insigne doutrinador, tendo como base a teoria do nexo de causalidade, os assaltantes responderiam pelo crime de lesão corporal, visto que a conduta deles é condição para a eclosão do evento, não sendo afastada pela aplicação do art.13, § 1º do CP (causa superveniente relativamente independente) (JESUS, 2002a).

Entretanto, aceita a teoria da imputação objetiva, o caso em questão teria outro desfecho, pois o evento, igualmente ao caso anterior, foi causado por uma conduta arriscada da própria vítima, que assentiu em colocar-se em perigo, tendo total domínio do fato que praticara. Deste modo, os assaltantes não seriam responsáveis pelo crime de lesão corporal.

Se quiséssemos, poderíamos ainda mencionar vários outros exemplos, que demonstram como a aplicação da teoria da imputação objetiva pode ter relevância prática nas condutas delituosas. Entretanto, preferimos, em vez de nos estendermos por mais algumas páginas, findar este estudo com a colação de uma decisão jurisprudencial, colhida pelo pesquisador Luiz Flávio Gomes (2004, p.36), onde a teoria da imputação objetiva realmente foi aplicada a um caso concreto. Eis os termos da decisão:

Em Minas Gerais, o Acórdão nº 364.378-3 do egrégio Tribunal de Alçada (2ª Câmara Criminal), tendo como relator o culto estudioso Juiz Alexandre

ϭϬϯ

Victor de Carvalho, publicado em 07.03.03, abriu um precedente histórico no Brasil, no tocante à imputação objetiva do resultado. Neste acórdão, cuja votação foi 2X1, um jovem delegado de Minas Gerais insistiu que seu subalterno (detetive) o levasse de viagem para Carandaí/MG, mesmo advertido que o carro da Polícia Civil não tinha condições, estava ‘puxando’ conforme mecânicos afirmaram. Assim, o carro perdeu o controle, invadiu a contramão direcional e colidiu de frente com um caminhão, o que matou o delegado que estava no banco do passageiro. Em primeira instância o detetive foi condenado pelo art.302 do CTB, a pena de 2 anos de detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, além da suspensão da habilitação, adotando a escola antiga da culpa (teoria finalista da ação), mas no Tribunal de Alçada foi absolvido (artigo 386, III, do CPP) pelo princípio da imputação objetiva do resultado consistente na autocolocação em perigo pela vítima, com os seguintes dizeres do culto e jovem juiz de alçada-relator:

‘[...].

Assim, a imputação objetiva fulcra-se no denominado princípio do risco, que é conseqüência da ponderação, própria de um Estado de Direito, entre os bens jurídicos e interesses de liberdade individuais, segundo a medida do princípio da proporcionalidade.

Pressupõe não apenas que haja a relação de causalidade física entre uma conduta e o resultado, mas que essa conduta tenha realizado um perigo fora do âmbito do risco permitido, criado pelo autor dentro do alcance do tipo objetivo.

Significa, portanto, que a relação de causalidade não será comprovada apenas pelo chamado processo hipotético de eliminação de Thyrén, ou seja, se mentalmente abstraída a conduta, não mais se verificar o resultado, é porque está demonstrado o nexo causal.

Agora, é necessária, conforme dispõe Claus Roxin, em sua magistral obra – La Imputación Objetiva en el Derecho Penal, tradução de Abanto Vasquez M., Lima, 1997 – a criação de um risco penalmente relevante ou não permitido ou desaprovado, a realização do risco imputável no resultado lesivo e a infração ao fim de proteção do tipo penal ou alcance do tipo. A imputação objetiva serve para limitar a responsabilidade penal; constitui um mecanismo de delimitação do comportamento proibido. Ancorada em um sistema coerente de interpretação, que se infere da função desempenhada pelo Direito Penal na sociedade, sua finalidade é analisar o aspecto social de um comportamento, precisando se este se encontra ou não socialmente proibido e se tal proibição é relevante para o Direito Penal. [...]

Assim, se a própria vítima quem, por livre e espontânea vontade, se coloca em situação de risco, por exemplo, ordenando ao subalterno que a conduza em veículo desprovido de condições de segurança, ainda que advertido do precário estado mecânico do automotor, o resultado advindo desse comportamento imprudente não pode ser debitado ao condutor, uma vez que a rigidez da equivalência dos antecedentes causais há de ser abrandada com a apreciação dos dados valorativos posteriores à causalidade meramente física, o que torna forçoso excluir a pretensão punitiva relativa à lesão corporal ou ao homicídio culposo, pela razão de que não se pune aquele que meramente executa os meios tendentes a concretizar uma situação de perigo conscientemente desejada pela vítima’.

Tal precedente jurisprudencial molda-se perfeitamente ao que dissemos sobre as ações a próprio risco no capítulo segundo deste trabalho, para onde remetemos o leitor.

ϭϬϰ Por fim, vale ressaltar que mencionada decisão, além de denotar a existência de juristas atualizados em nosso judiciário, mostra como é possível a real aplicação da teoria da imputação objetiva em casos concretos, e como a mesma atende aos anseios de justiça, por ter fundamento na idéia de risco proibido e na de adequação social da conduta.

3.3 A imputação objetiva e a necessidade de normatização de seus