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Parte II – Pressupostos Teóricos

Capítulo 10 O gênero dissertação escolar

10.1 A indexação do gênero dissertação escolar

A dissertação escolar já foi devidamente indexada como gênero em Manzoni (2007). Recorrerei a esse trabalho, portanto, para sustentar teoricamente o gênero com o qual trabalhei em minha pesquisa.

Entendo a dissertação escolar como um gênero textual tipicamente escolar. Respaldo- -me na legitimação da dissertação escolar enquanto gênero realizada por Manzoni (2007) e minhas práticas justificam-se pelo que a autora aponta como necessário à escola relativamente às produções escritas.

Ao fazer a legitimação da dissertação escolar como gênero discursivo (para mim, neste trabalho, gênero textual25, conforme proposto por Bronckart – 2012), Manzoni legitima dois gêneros distintos: o gênero dissertação escolar prototípico padrão e o gênero dissertação escolar prototípico não-padrão, este último o recorrente na escola. Para legitimar o gênero dissertação escolar prototípico não-padrão, Manozoni apresenta os traços recorrentes (com base nos elementos propostos por Bakhtin (2010) que o determinam). Assim, aponta: o conteúdo temático; o estilo; a construção composicional; a ação prática; a circulação sócio- histórica; a função e o status respectivo dos seus enunciadores e dos co-enunciadores; as circunstâncias temporais e locais da enunciação; temas que podem ser introduzidos e extensão e modo de organização. Chamo a atenção para o que ressalta relativamente aos seguintes traços:

 o conteúdo temático: “O tema caracteriza-se [...] como a tradução pessoal a respeito de qualquer assunto e, ao problematizar a realidade, o enunciador assume o caráter ideológico de seu discurso, por meio do qual revela seu posicionamento” a fim de convencer ou persuadir o coenunciador. Logo, traz a “possibilidade de abordar um conjunto aberto de temas”.

 o estilo: “o que define seu estilo são as escolhas recorrentes feitas pelo produtor, as quais se distanciam das escolhas inerentes ao gênero dissertação escolar prototípico padrão.”26

 a função: diferentemente do tipo protototípico, que desempenha “os papéis escolares de ensino/aprendizagem (avaliação, práticas de linguagem, envolvendo dimensões sociais, cognitivas e linguística) regulados pelos propósitos, intenções e interesse da Escola” (MANZONI, 2007, p. 190), o não padrão, “dependendo da prática [...] assume outras funções, como: ‘matar o tempo’ da aula; válvula de escape do professor ausente; preenchimento de protocolo; ocupar o tempo do aluno de alguma forma, como meio inibidor de indisciplina.” (ibidem, grifo meu).

 status respectivo dos seus enunciadores e dos co-enunciadores: “o gênero escolar tem como peculiaridade apenas dois participantes definidos: o enunciador, aluno, e o co- enunciador, professor. Todas as estratégias dos alunos são formuladas em função unicamente desse outro participante, o que demonstra a inflexibilidade do número de participantes e da posição desses participantes na cena enunciativa desse gênero.” (MANZONI, 2007, p. 191). “No entanto, ressalvamos que a pessoa a quem o discurso e dirigido não exerce um papel passivo, antes, é um participante ativo na enunciação, pois este co-enunciador estabelece um horizonte de expectativas e, a partir da representação que o enunciador tem desse horizonte, ele direciona seu discurso. Nesse sentido, ele participa da produção desse discurso em um ato cooperativo. Dessa maneira, verificamos que é na interação entre esses participantes que ocorre uma das coerções que esse gênero sofre, ou seja, ele já pressupõe um enunciador-aluno e um

26 A autora aponta que essas escolhas são, dentre outras, “marcas de oralidade presentes na modalidade escrita,

uso impróprio dos sinais de pontuação; o não uso dos sinais gráficos; desestabilização das normas gramaticais da gramática normativa tradicional (quebra de isotopias gramaticais – regência e concordâncias) à situação de comunicação; e problemas de ordem sintática (não preenchem as casas sintáticas, ocasionando incompletude oracional), inadequadas à situação de comunicação; instalação de eu/nós inclusivo no enunciado; predominância de heterogeneidade mostrada não-marcada, predominância da inscrição dos tempos verbais do sistema enunciativo no discurso, uso freqüente da seqüência argumentativa de modo incompleto (pula fases de sua forma prototípica); predomínio de conexão entre os níveis do texto sob a forma de ligação e, por vezes, encaixamento; predomínio da voz do autor empírico no discurso; predomínio de textos com enunciação enunciada; predomínio de modalizações (avaliações) com função pragmática.

co-enunciador professor. Assim, o enunciador-aluno, ao realizar a atividade de linguagem escolar solicitada, deve responder a imposições (solicitações, questionamentos, nota e avaliação) do co-enunciador professor.” (MANZONI, 2007, p. 191)

 circunstâncias temporais e locais de enunciação: ocorrem na escola (quando produzidas em casa, são uma extensão da instituição escolar) e no tempo da pós- -modernidade. “No entanto, o lugar (Escola) ainda não mudou os padrões tradicionais de ensino que lhes estão enraizados para atender a nova demanda do mundo contemporâneo, em que a tecnologia entra na sociedade com uma importância muito grande, tanto na economia, na indústria como na educação. Apesar de os dois primeiros setores terem alavancado seu desenvolvimento para se preparar a essa nova sociedade, a educação ainda não se moveu para isso, ainda continua presa aos esquemas tradicionais de ensino sem atingir a qualidade que almeja”. (MANZONI, 2007, p. 193)

Ao estabelecer a distinção entre o gênero prototípico padrão e o prototípico não- padrão, Manzoni aponta para a flutuação entre eles, que pode fazer com que um texto possa vir a ser considerado mais prototípico padrão ou mais prototípico não padrão “dependendo do modo como o enunciador-aluno ativa e maneja os conhecimentos que estruturam a forma de expressão e a do conteúdo adquiridos nas condições de produção no ambiente escolar, no momento da discursivização de seu texto.” (2007, p. 197). Em seguida, faz a ressalva de que dificilmente no ambiente escolar é encontrado o gênero escolar prototípico padrão ou o não padrão; o mais comum é a presença de um gênero predominantemente misto. E é este espaço de mistura entre os gêneros que, segundo a autora, é o espaço “de trabalho do professor que, por meio de práticas de linguagem, deverá mediar o modo de enunciação dos alunos e conduzi-los a um ideal enunciativo estabelecido pela escola.” (MANZONI, 2007, p. 201) Dessa forma, “[...] a escola teria que propiciar condições ao aluno para que ele conseguisse estabelecer as diferenças entre os gêneros padrão e não-padrão e que suas produções dissertativas escritas pudessem se aproximar gradativamente do gênero dissertação escolar prototípico padrão. No que concerne a este estudo, especificamente, essa função da escola é a de levar o aluno a adquirir as competências e habilidades previstas para o gênero dissertação escolar prototípico padrão, instituído como gênero aceito e reconhecido no sistema de ensino.”, o que, segundo a autora, não é o que ocorre nas escolas.

Dessa forma, é necessário que se reconheçam as produções dissertativas na escola como um gênero.

Reconhecer as produções dissertativas escritas na escola como um gênero não significa, em hipótese alguma, uma simples substituição terminológica, em que gênero esta no lugar de redação e/ou de produção de texto, mas trata, sim, de uma mudança de concepção e de tratamento didático no ensino da pratica de produção de texto. (MANZONI, 2007, p. 209)

Esse reconhecimento reflete mudança na concepção e no tratamento didático no ensino de produção de texto. Isso significa “conceber: (i) o texto produzido pelo aluno como discurso, como a língua em uso; (ii) a Escola como domínio discursivo e (iii) o processo de escolarização como a atividade humana.” (MANZONI, 2007, p. 209)