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Mecanismos de textualização: conexão e coesão

Parte II – Pressupostos Teóricos

Capítulo 8 A produção textual no aporte do isd

9.5 Mecanismos de textualização: conexão e coesão

Os mecanismos de textualização relacionam-se à organização linear do conteúdo temático e, dessa forma, contribuem para estabelecer uma coerência textual.

São diversas as unidades linguísticas (as marcas de textualização) que se responsabilizam por esses mecanismos que se reagrupam no conjunto da conexão, da coesão nominal. Não tratarei das funções da coesão verbal (temporalidades primária e secundária e contrastes global e local) devido ao fato de elas serem mais facilmente identificáveis na narração, tipo de discurso que não compreende o gênero com o qual trabalhei diretamente em minha prática didática. Observarei, todavia, a presença recorrente do tempo verbal nos textos dos alunos bem como a adequação no uso dos tempos e modos respaldando a argumentação. A conexão

A conexão é estabelecida pelos organizadores textuais. Tem como funções “explicitar as articulações do plano de texto” (BRONCKART, 2012, p. 264). A conexão pode acontecer por meio de diferentes unidades linguísticas, como advérbios (ou locuções adverbiais com caráter transfrástico), sintagmas preposicionais (assumindo função de adjunto adverbial), conjunções coordenativas, conjunções subordinativas, ou seja, podem pertencer a classes gramaticais distintas (advérbios, preposições, substantivos, conjunções), desde que se reagrupem com a função de estabelecer conexão no nível textual, ou seja, como organizadores textuais.

Essas unidades linguísticas podem ser relacionadas parcialmente com as funções de conexão. Passarei a explanar sobre essas funções e, depois, voltarei a falar sobre as relações possíveis entre essas unidades e as funções.

Ao explicitar as articulações do texto, os organizadores textuais podem assumir diferentes funções (Cf. Bronckart, 2012). Para exemplificar essas funções, trarei excertos retirados dos textos prototípicos autênticos que utilizei para a modelização didática do gênero ou dos textos de meu corpus.

i. função de segmentação: quando os organizadores marcam os limites, a passagem, a transição de um tipo de discurso para outro. Exemplo de segmentação entre discurso teórico e narração:

[...] em princípio, tudo, na ciência, é público, toda afirmação é controlável, todo resultado experimental deve poder ser verificado. O modo mais evidente de fazê-lo é a repetição, ou como se diz frequentemente tomando-se um termo inglês, a replicação da experiência, supondo-se que as publicações dêem todas as informações necessárias para se poder fazê-lo. Durante

muito tempo, provavelmente até o fim do século XIX, era frequente que

experiências fossem apresentadas em público, em geral diante das sociedades de sábios [...] (BRONCKART, 2012, p. 264, 265, grifos do autor marcando a segmentação).

ii. função de demarcação ou balizamento: quando os organizadores marcam as fases de uma mesma sequência. Quando, anteriormente, mencionei a teorização de Bronckart sobre as sequências, discorri sobre as fases de cada uma. É essa demarcação entre as fases que esses operadores realizam. Exemplo de balizamento em fase da argumentação:

Alguns constatam que a clonagem em humanos, para apenas reproduzir novos seres, pode ser perigosa, pois ela não está livre de resultados anômalos. [...]

Entretanto [...] cientistas apresentaram à sociedade o projeto Genoma, que

consistiu na [...]” (prototípica: desenvolvimento por contraste de ideias, grifo meu)

iii. função de empacotamento: quando os organizadores unem frases em uma mesma fase da sequência. Exemplo de empacotamento em uma mesma fase da argumentação:

Assim, pode-se concluir que, apesar de as pesquisas revelarem conquistas

importantes como a redução da mortalidade infantil e o aumento da eficiência da saúde pública, outros pontos positivos de seu resultado não devem ser levados ao pé da letra. Como podemos observar, esses são capazes de ocultar problemas graves do país, como a má distribuição de renda e o desequilíbrio quanto aos investimentos governamentais nos diferentes setores da educação pública. (prototípica: desenvolvimento por contra-argumentação)

iv. função de encaixamento: quando os organizadores subordinam as orações de um período. Exemplo de encaixamento:

A classe média só pensa em aumentar sua riqueza para não entrar nesse índice de pobreza e os ricos preferem blindar os vidros de seus carros para se proteger dessa população, que teima em incomodar e pela qual não se acham responsáveis. (prototípica: desenvolvimento a partir de enumeração, grifo meu)

v. função de ligação: quando os organizadores coordenam ou justapõem as orações de um período. Exemplo de ligação em fase da argumentação: “Por outro lado, ela pode ser benéfica, pois devidamente utilizada provilegiará a sociedade com avanços científicos jamais vistos.” (prototípica: desenvolvimento por contraste de ideias, grifo meu)

Conforme havia apontado, as categorias de organizadores textuais podem se relacionar, ainda que parcialmente, às funções de conexão supramencionadas. Conforme Bronckart 2012, organizadores da categoria dos advérbios ou locuções adverbiais com caráter transfrástico “de fato, depois, primeiramente, de um lado, finalmente, além de” (BRONCKART, 2012, p. 265) e organizadores da categoria dos sintagmas preposicionais podem tanto estabelecer função de segmentação quanto de balizamento, sendo que alguns deles – como “depois, então, após” (BRONCKART, 2012, p. 267) – podem marcar a função de empacotamento. Já os organizadores da categoria das conjunções coordenativas destinam- se ao empacotamento ou ligação; às vezes, todavia, estabelecem função de balizamento – “mas, é então que” (BRONCKART, 2012, p. 267) –. Por fim, os da categoria das conjunções de subordinação, necessariamente estabelecem encaixamento.

A relação entre os organizadores textuais e os tipos de discurso é uma relação de correspondência estatística, visto que o valor semântico dos organizadores podem se relacionar de forma mais ou menos privilegiada em determinado tipo. Por exemplo, organizadores com valor semântico temporal aparecem mais em discursos do eixo do narrar; os organizadores de caráter lógico aparecem mais na ordem do expor; os espaciais são mais frequentes em sequências descritivas independendo do eixo em que estejam. Isso não impede que os temporais apareçam também no eixo do expor, ou outras variações, visto que, além de essa relação ser apenas estatística como adverte Bronckart (2012), acontece de organizadores terem o seu valor semântico transformado ao se inserirem em determinado tipo de discurso.

A coesão nominal

O conjunto da coesão nominal engloba os mecanismos que explicitam “as relações de dependência existentes entre argumentos que compartilham uma ou várias propriedades referenciais” (BRONCKART, 2012, p. 268). Os sintagmas (nominais ou pronominais) que estabelecem a coesão formam cadeias anafóricas.

Quanto às funções da coesão nominal, denomina-se “introdução” quando da primeira aparição de uma unidade de significação no texto e denomina-se “retomada” a função que retoma essa unidade (antecedente). O exemplo a seguir foi retirado de um texto que compõe os textos prototípicos.

Assim, pode-se concluir que, apesar de as pesquisas revelarem importantes conquistas como a redução da mortalidade infantil e o aumento da eficiência da saúde pública, outros pontos positivos de seu resultado não devem ser levados ao pé da letra. Como podemos observar, esses são capazes de ocultar problemas graves do país [...]. (prototípica: desenvolvimento por contra- argumentação).

No exemplo, a introdução foi marcada pela inserção da unidade-fonte as pesquisas e, posteriormente, outros pontos positivos de seu resultado. A função de retomada da primeira unidade fonte acontece em “seu resultado” e a função de retomada da segunda unidade-fonte acontece em “esses”.

As anáforas que marcam a coesão nominal podem ser compreendidas em duas categorias: a das anáforas pronominais (em que se pode incluir a marca anafórica de apagamento – Ø) e a das anáforas nominais. Também de forma estatística, apenas, alerta Bronckart (2012), pode-se relacionar a função de introdução aos sintagmas nominais

indefinidos e a função de retomada às anáforas pronominais e aos sintagmas nominais com determinantes definidos.

Quanto à relação entre a coesão nominal e os tipos de discurso, a escolha das unidades linguísticas que realização a anáfora pode guardar relação com o tipo de discurso em que aparecerão. Assim, é comum encontrarmos:

i) no eixo do narrar:

 anáfora pronominal de terceira pessoa

 nas sequências descritivas do narrar: anáforas nominais com determinante possessivo

ii) no eixo do expor:

 discurso interativo: pronome de 1ª, 2ª, 3ª pessoas com valor dêitico e anafórico

 discursos teóricos: anáforas nominais associadas a relações complexas de co-referência (associação, contiguidade, inclusão, implicação – cf. Bronckart, 2012).