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A influência da edição na linguagem e emoção da narrativa

CAPÍTULO 2 – Design Audiovisual: Edição e Linguagem Narrativa

2.5. A influência da edição na linguagem e emoção da narrativa

“Cada imagem é uma ideia; cada cena é uma sucessão de ideias que, uma vez montadas, dão à narração cinematográfica uma fluidez lógica e harmoniosa” (Marner, 2014, p. 99)

Os conteúdos audiovisuais não são só o que se vê e ouve, mas também a estética e a linguagem da narrativa que, através de processos de edição, conduzem o olhar e atenção do espetador pelas cenas que os compõem. A composição de cada cena aliada à edição dos seus planos cria uma noção de contiguidade no espaço diegético, mas são os cortes entre planos, que mesmo supondo uma supressão temporal evocam na imaginação e consciência do espetador uma contiguidade de espaço e de tempo. É nesta premissa que assenta o fundamento de montagem narrativa: que cria “uma unidade lógica por meio de elementos fragmentados, que são os planos sucessivos” (Amiel, 2010, p. 23;Coutinho, 2006). A arte da montagem é, por vezes, muito mais subtil do que o simples recurso ao corte, recorre ao ritmo implícito nas próprias imagens, escolhe o tempo que o espetador terá para absorver determinada informação, joga com movimentos de câmara, expressões e representação dos atores (gestos, poses, tonalidade do discurso). É esta subtilidade associada a uma narrativa que provoca ou evoca a emoção pretendida e confere coerência entre imagem e sensação. A seleção de planos específicos, para transmitir determinada emoção ou efeito estético, é feita pelo realizador, que posteriormente recorre ao editor para montar e manipular os planos de acordo com uma ordem compreendida pela narrativa (Castro, 2012; Gardies, 2006).

Neste universo em que a montagem mantém a contiguidade diegética, o espetador é confrontado com continuidades conferidas pelo som que contrariam a diegese, mas que complementam as emoções e os sentimentos do próprio espetador, ao fazerem a conexão com a narrativa e os elementos da ação. Segundo Gardies (2006), classifica-se por “montagem por correspondência” em que se apela à sugestão do espetador, onde a narrativa poderá não apresentar uma linearidade óbvia conferindo liberdade ao espetador de interpretar ou não a história. Um bom exemplo cinematográfico deste fenómeno de montagem por correspondência ou associação é o filme Vertigo (1968) de Hitchcock em que há invariavelmente um uso repetitivo de vários elementos, como a cor verde, presente em cenários, personagens e coloração de imagem e, não esquecendo os efeitos especiais baseados nas espirais e ilusões de ótica, para reforçar o dramatismo e peso da narrativa, como se pode observar nas seguintes sequências de imagens (Figura 2 e 3).

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Numa análise mais aprofundada pode-se observar que não é só a montagem que tem influência sobre a narrativa e sobre as imagens, nem sempre a planificação feita no processo de pré-produção corresponde ao produto final, como já foi referido anteriormente, mas sim o conteúdo das próprias imagens – por vezes inesperado – que delimita a articulação entre as cenas, a ordem dos planos e construção de sequências. O editor concebe novas ligações a partir da linguagem e essência de cada novo plano, deixando o plano das ideias para trabalhar com os elementos reais e presentes no material (Gardies, 2006).

Quando a televisão alcançou uma posição de destaque em casa do público e se começaram a criar conteúdos específicos para o formato televisivo, como os programas de notícias ou os talk-shows, a cultura visual do espetador aumentou dando origem a novas exigências. Consequentemente, numa procura por respostas a estas exigências foram desenvolvidas novas técnicas de edição, uma maior aproximação da realidade e um maior rigor com a ocupação do tempo. O facto de o

Figura 3 - Sequência de imagens relativas à referência por associação das espirais Vertigo de Hitchcock

Figura 2 - Sequência de imagens relativas à referência por associação da côr verde em Vertigo de Hitchcock

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espetador poder mudar de canal televisivo é um desafio para os produtores de conteúdos que, em conjunto com os editores, desenvolveram processos de edição mais dinâmicos e práticos, técnicas para comprimir narrativas (Castro, 2012).

É inevitável estabelecer uma ligação entre a edição audiovisual e os processos utilizados na organização do texto literário, ou mais especificamente entre a linguagem cinematográfica e a linguagem literária. Isto é, as unidades de tempo utilizadas para classificar a estrutura cinematográfica como os planos, cenas e sequências podem-se comparar a, pela mesma ordem, parágrafos, capítulos e partes ou volumes (Nogueira, 2010).

Numa primeira abordagem pode-se dizer que a caracterização de um qualquer conteúdo audiovisual é, como o nome indica, o que se vê e ouve. No entanto, as componentes silenciosas e invisíveis são tão ou mais importantes para a narrativa, ao tornarem possível completar sugestivamente os vazios e os intervalos (Coutinho, 2006).

Recorre-se a Illich, citado por Coutinho (2006), e à sua metáfora para a linguagem, que refere que “A linguagem é uma corda de silêncio com sons nós. (...) Não são tanto os nossos sons que dão significado, mas é, sim, através das pausas que nós nos fazemos compreender (...)” para fazer uma analogia aos processos de edição e consequente contribuição para a linguagem e emoção da narrativa (Coutinho, 2006, p. 61). Se se comparar os “silêncios” aos cortes da edição, pode-se aferir que estas supressões temporais são os elementos que atribuem significado à linguagem narrativa, permitindo a transmissão de emoções, atuando como elementos construtivos e não disruptivos. O corte marca o ritmo de interpretação da narrativa, a mudança de espaços e de ambientes tal como as alterações da carga emotiva e dramática da cena, por esta razão se faz a analogia com os silêncios, são estes que realmente comunicam a intenção da linguagem e neste caso da linguagem narrativa audiovisual.

Os conteúdos audiovisuais são, por isso, suscetíveis a várias interpretações, intelectuais e emocionais, pelo espetador, a simples associação de planos cria novas perspectivas. Para além da interpretação condicionada pela visão do realizador, acrescem as de ordem subjetiva ao depender do contexto em que se vê, da capacidade e do interesse, e das expectativas criadas, das normas de época ou até mesmo de género e culturais.(Coutinho, 2006; Gardies, 2006).

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2.5.1. A edição como elemento narrativo

A edição audiovisual é considerada uma arte única do cinema, que separa a cinematografia das outras formas artísticas. A segmentação da narrativa fílmica em sequências é semelhante a outras formas de edição, como a literária que se segmenta em capítulos. As sequências são delimitadas pelo espaço e pelo tempo, sempre que se pretende alterar estes elementos muda-se de sequência (Amiel, 2010). O fio condutor de cada sequência e do conjunto das sequências é a continuidade (de movimentos, gestos, diálogos, ações) (Coutinho, 2006).

A edição é referida como a arte invisível, pois quando é bem executada permite ao espetador assimilar o conteúdo narrativo sem se aperceber do trabalho do editor. A escolha do momento do corte é o fator essencial para a edição, mas por vezes um corte súbito pode não ser a escolha ideal provocando desconforto no espetador. Para suprimir este constrangimento são usadas técnicas de fusão (também conhecidas por fades). Se for para iniciar uma sequência, a imagem surge gradualmente do preto; no fim da sequência, o resultado procurado é o contrário e, por isso, a imagem desvanece gradualmente para preto. A técnica de fusão também pode ser usada para representar passagem de tempo, se após a imagem ir a preto a imagem volta a mesma cena, o espetador intui que passou um período de tempo (Amiel, 2010). A montagem paralela é outro método de manipulação do tempo, ao apresentar paralelamente duas ações o editor consegue manusear a narrativa de forma a ocultar a passagem do tempo sem que este se torne evidente mantendo o espetador em suspense, relativamente ao desfecho que terá a conclusão de ambas as ações (Marner, 2014).

Fundamentalmente a edição é uma, uma técnica, é a prática de montar planos, significados em que o fragmento é a unidade temporal principal, numa sequência coerente alcançando novos significados. A junção de dois planos distintos, contíguos ou não, dá origem a um terceiro sentido intelectual, distinto e superior à soma das partes, pois ao receber informação visual de ambos origina uma nova interpretação, serve de exemplo a metáfora a que Chaplin recorre em Tempos Modernos ao suceder um plano de pessoas a sair do metro com um plano de um rebanho de ovelhas a balir (Gardies, 2006; Mourão, 2006). Esta interpretação, que se desenvolve na consciência e intelecto do espetador, não é inocente, resulta da visão do realizador transportada para a capacidade técnica e criativa do editor, reforçando a ideia de que a linguagem audiovisual – a montagem – é um meio de difusão para novas formas de percecionar e aceitar a realidade (Lira & Rocha, 2010).

Como elemento narrativo, em que se usa o corte como uma técnica construtiva, a arte da edição pode ser explorada de diversas formas. Pode criar montagens provocadoras, tensas ou dramáticas; voltar atrás no tempo (flashback), destacar a

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capacidade emotiva de um ator; criar pontos de vista sobre determinados conceitos, que de outra forma passariam despercebidos; conduzir o espetador através da narrativa e do ritmo da história; criar ilusões de situações que não existem na realidade; dar ênfase a determinada ação; eliminar períodos inteiros de ação e inclusive criar ligações emocionais inconscientes com o espetador. O editor controla como o espetador se sente ao longo do filme, a edição atua como um condutor da narrativa (Amiel, 2010).

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