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CAPÍTULO 2 – Design Audiovisual: Edição e Linguagem Narrativa

2.2. A emoção e o design emocional

A fim de entender como se processa a transmissão de emoções, surgiu a necessidade de dedicar um tópico ao conceito da emoção, articulado com o design emocional. A transmissão de emoções é bem-sucedida quando provoca o reconhecimento por parte dos espetadores – o editor tem um papel crucial a desempenhar nesta fase, pois este sucesso baseia-se na escolha certa de olhares, gestos, enquadramentos e, mais tecnicamente, na escolha de planos, momentos de corte, no ritmo e no raccord.

Segundo estudos na área de psicologia, o ser humano tem algumas emoções básicas inatas, tais como o medo, tristeza, raiva e alegria, sendo uma das suas funções mais relevantes a sobrevivência da espécie. Damásio, citado por Lopes (2011), refere que os sentimentos são efeitos externos da emoção, que é uma manifestação maioritariamente interna, e divide as emoções em primárias, inatas e partilhadas por todos os seres humanos, e secundárias, resultado de interações sociais e processos de aprendizagem (Lopes, 2011).

A emoção compreende várias realidades que desencadeiam sensações e perceções a nível fisiológico, como o processamento da informação, transformando-a em conhecimento; provoca, inconscientemente, afetos positivos ou negativos, mencionados no tópico 2.2.1. transmissão de emoções no utilizador, e causa sentimentos, tratando-se de uma predisposição do comportamento do ser humano.

Na década de 90, do século passado, emerge uma nova abordagem ao design: o design emocional. Nasce da premissa de que as emoções que se pretendem provocar são passíveis de obter através de metodologias para a elaboração de projetos e planificação. É uma nova disciplina que resulta da atuação e interação da psicologia no design (Tonetto & Costa, 2011).

Com base nas suas experiências e crenças, o designer tem a complicada tarefa de projetar num objeto as emoções que pretende transmitir e provocar. Esta capacidade depende do estudo e pesquisa direta com os utilizadores, não necessariamente ligada à psicologia, no entanto é precisamente a associação destas duas disciplinas que possibilita a projeção e criação de métodos de trabalho, permitindo a obtenção de sucesso na transmissão de emoções (Tonetto & Costa, 2011).

Ao contrário do que se poderia pensar, o design emocional, é considerado uma das áreas científicas do design ao trabalhar com teoria, métodos e obtenção e análise de resultados derivados de processos de pesquisa. Como mencionado na seção correspondente à definição de design, este depende da elaboração de projetos e é um

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comunicador do produto, no caso do design emocional, a sua caraterização centra-se no binómio projeto/pesquisa. O designer fica assim apto a desenvolver o seu projeto indo ao encontro das necessidades do seu público-alvo, podendo distinguir o seu produto de forma competitiva (Tonetto & Costa, 2011; Vilas Boas, 2014).

Não se pode pensar no design emocional como um recurso do designer para manipular a experiência emocional do utilizador, mas sim uma abordagem que procura encontrar soluções para responder às necessidades deste, considerando função, compreensão, usabilidade e a perceção física do produto.

Desde o início desta nova disciplina destacam-se três autores que contribuíram para o seu avanço, compreensão e estabelecimento como disciplina integrante do design: Jordan, distinguiu-se por catalogar as formas de gratificação do utilizador em função das fontes de prazer, foi responsável pelo desenvolvimento de uma metodologia para abordar os estudos sobre a personalidade do produto; Norman, explorou a disciplina numa vertente mais teórica distinguindo diferentes tipos de estimulação e Desmet, contribuiu para a construção de uma relação entre o mercado e as escolas de design, transpondo uma teoria psicológica e cognitiva das emoções para a disciplina do design e, consequentemente, revelando um conjunto de novas opções para a projeção e planificação dos produtos visando a emoção (Agni, n.d.; Tonetto & Costa, 2011).

Na realidade desta investigação consideram-se os dois primeiros autores como importantes para uma melhor compreensão e imersão no conceito de design emocional e produção de produtos que se poderá transcender à produção de conteúdos.

Jordan, citado por (Tonetto & Costa, 2011), baseou a sua investigação na relação entre as fontes de prazer e os objetos/produtos, propondo que as necessidades do utilizador, perante a escolha de determinado objeto, seriam, por ordem, a funcionalidade, a usabilidade e a mais importante o prazer. Este, faz parte da condição humana, a busca pelo mesmo faz-se com o intuito de atingir os benefícios emocionais e práticos associados à aquisição e utilização dos objetos. É uma busca pelo prazer imediato, numa sociedade materialista (Tonetto & Costa, 2011).

Desencadear emoções não é um processo simples, nem há uma fórmula para desenvolver um processo único, há sim um estudo que visa a compreensão da relação das pessoas com os objetos, através do entendimento das características que desencadeiam as respostas emocionais específicas pretendidas. Com o intuito de criar uma ferramenta para mais facilmente responder às limitações encontradas no estudo que se desenvolve para cada produto, Jordan, citado por Nuno Monge (Monge,2006),

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introduz quatro tipos de prazer que os objetos podem desencadear nos seus utilizadores, sendo o prazer fisiológico, o social, o psicológico e o ideológico, sobre os quais se faz, de seguida, uma breve análise (Agni, n.d.; Monge, 2006).

O primeiro prazer a analisar é o fisiológico que diz respeito ao corpo e aos órgãos sensoriais. Reflete-se em objetos, por forma a não causarem transtorno ao seu utilizador, por exemplo o tamanho do telemóvel e do seu teclado tem de considerar a dimensão média das mãos, para não se tornar nem demasiado pequeno nem demasiado grande permitindo a sua utilização de forma simplificada.

No caso do prazer social, que abrange os relacionamentos interpessoais e sociais, é observável em produtos que fomentam a interação ou o convívio entre os utilizadores ou evidencie a sua posição social.

O prazer psicológico, relacionado com a mente, inclui os produtos que facilitam a execução de tarefas resultando em experiências satisfatórias e agradáveis, o resultado de cada experiência pode depender da personalidade do utilizador, como por exemplo as pessoas práticas podem não dar tanta importância a objetos que valorizem o design emocional, mas antes aos que valorizam a usabilidade.

Por último, o prazer ideológico está relacionado com os valores de objetos considerados teóricos como os livros ou a arte, tanto os valores do utilizador como os valores que o objeto representa, abrangendo uma componente estética e outra moral, o usuário pode experimentar o prazer ideológico quando adquire e utiliza objetos que representam e enriquecem o seu sentido moral, como por exemplo comprar produtos ecológicos ou que promovem a reciclagem, no caso de haver um forte sentido de responsabilidade ambiental (Monge, 2006; Tonetto & Costa, 2011).

Esta investigação de Jordan originou o desenvolvimento do teste de personalidade do produto, o que foi considerado um importante contributo a nível do design emocional e do produto. A personalidade dos produtos é um atributo experiencial, uma vez que são os próprios utilizadores que projetam caraterísticas humanas nos objetos e é no reconhecimento dessas características que se opta, se escolhe um objeto em detrimento de outro (Norman, 2004).

No caso de Norman, a sua investigação e trabalho centra-se no melhoramento do design dos objetos quotidiano de forma a encontrar uma melhor conexão com os seus utilizadores. Considerando os seres humanos como o ser mais complexo, Norman (2004) sugere que as emoções estão associadas a três níveis de processamento cerebral: nível visceral, nível comportamental e nível reflexivo, níveis estes que o objeto precisa atingir para que se considere bem-sucedido (Norman, 2004).

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Cada nível de processamento funciona de maneira diferente, dependendo das pessoas, mas pode-se fazer a seguinte análise:

O nível visceral, também denominado design para aparência diz respeito ao conceito de “instinto”, a uma condição do subconsciente inerente a cada pessoa, uma forma de interpretar as emoções da natureza, correspondendo ao lado mais primitivo da condição humana. No entanto, apesar de ser uma componente primitiva e transcendente a todos os seres humanos, sabendo que se trata de um nível que desencadeia o gosto pelas cores brilhantes, formas arredondadas, texturas suaves. Aplicando este conceito ao produto pode concluir-se que algo simples e intuitivo, que apele aos sentidos básicos humanos será mais facilmente aceite por um maior número de pessoas, sendo os fatores cultura e sociedade menos relevantes. Pelo contrário um objeto mais sofisticado apela a níveis cerebrais mais reflexivos, mais dificilmente agradará ao utilizador. Um produto que se considere “atraente” pode levar os usuários a superarem problemas de usabilidade acreditando que funcionará melhor que os “feios”. (Norman, 2004; Tonetto & Costa, 2011). Segundo Norman (2004) o desenvolvimento do produto a nível visceral é relativamente simples, pois de forma resumida refere que se trabalha com as reações emocionais automáticas – como aceitação/ rejeição -às características como forma, sensações e texturas, por exemplo. O nível comportamental, considerado por Norman, o nível médio de processamento acontece ainda subconscientemente, com ligação ao comportamento automático. Neste caso, a aparência e a racionalidade são deixados de lado e o que realmente importa é a relação entre a facilidade e o prazer de uso, o prazer de completar a tarefa, o propósito do produto, do inicio ao fim ininterruptamente (Norman, 2004). A limitação encontrada nesta fase é, muitas vezes, descobrir quais são as reais necessidades das pessoas, por vezes não são assim tão óbvias. Norman (2004) dá o exemplo do espaço nos carros reservado a pousar os copos das bebidas, referindo que a inovação é o fator aliado à observação direta dos hábitos do quotidiano, podendo dessa forma constatar as potencialidades de objetos e produtos comuns. Para que os objetos funcionem o designer tem de ter o mesmo modelo mental que o seu público-alvo (Norman, 2004; Tonetto & Costa, 2011).

O último nível corresponde ao reflexivo, corresponde ao contributo que a utilização de um objeto tem, no entendimento do utilizador, no estatuto social, na forma como é visto pelos outros. De uma certa forma o objeto permite a construção da identidade de quem usufruir dele, a construção que este projeta de si mesmo e quer que os outros tenham de si. Este é um nível que está inteiramente ligado à cultura e à associação de características sociais aos objetos e marcas.

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Segundo Kahneman (2003) mencionado por Tonetto & Costa (2011), a emoção é um catalisador para o processamento cognitivo, querendo com isto dizer que os utilizadores assimilam com mais ou menos facilidade a usabilidade, a mensagem, o propósito do objeto/produto através da experiência emocional com o mesmo.

2.2.1. Transmissão de emoções

Transpondo o conceito da emoção para o universo audiovisual considera-se que a forma como se expõem as imagens e a construção das sequências permite a transmissão de emoções junto da consciência do espetador (Balázs, n.d.). Este facto processa-se inconscientemente pelo desenvolvimento de afetos, cria-se uma relação afetiva entre produto audiovisual e espetador. Os afetos positivos traduzem-se no aumento da recetividade a novos estímulos visuais e auditivos, desenvolvem o conhecimento através do reconhecimento de ações repetidas, ativando a curiosidade e criatividade, no momento de preencher os espaços vazios da ação. Por outro lado, os afetos negativos captam a atenção do espetador em momentos específicos da ação aumentando a sua capacidade de foco em detrimento de elementos secundários. O espetador ao ser confrontado com uma situação desconfortável vai inconscientemente estar mais atento a possíveis alterações procurando encontrar soluções (Agni, n.d.).

Para a transmissão de emoções e aquisição de afetos com os produtos audiovisuais seja efetiva, o espetador tem de sentir que participa e interage com a narrativa, ao ser-lhe pedido que preencha os vazios que o realizador proporciona premeditadamente na narrativa; que lhe seja proposta a lembrança de experiências visuais e auditivas anteriores como forma de evocação de afetos e comportamentos, que haja um reconhecimentos de valores com a condição humana da narrativa, tal como a existência de interação física, que se traduz nas reações que o espetador tem a determinadas ações, como tensão muscular ou tapar os olhos (Agni, n.d.; Block, 2012).

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