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PARTE IV- AS RELAÇÕES ENTRE AS CRENÇAS DOS APRENDIZES E AS

3.4.2 A influência das crenças dos aprendizes na prática da professora

A literatura sobre as crenças de alunos e professores no ensino e aprendizagem de línguas freqüentemente se refere às similaridades entre as crenças e as interpretações dos alunos a respeito da maneira como devem aprender ou o professor deve ensinar. Entretanto, trabalhos (BARCELOS, 2004; KUMARADIVELU, 2003; WOODS, 2003) têm apontado apenas a influência das crenças dos professores nas crenças e ações dos alunos. O foco desta pesquisa, no entanto, consiste na investigação sobre as influências das crenças dos alunos sobre o EALE nas ações ou prática do professor em sala de aula.

As dissonâncias entre crenças e ações de professores e alunos já foram abordadas por vários pesquisadores (BARCELOS, 2000; BORG, 2003; ELLIS, 2004; JOHNSON, 1994; WOODS, 1996, 2003), contudo, como sugerido na pesquisa de Barcelos (op.cit.), pouco foi investigado sobre a influência das crenças dos alunos na prática do professor.

As primeiras pesquisas sobre conflitos ou dissonâncias entre crenças de professores e alunos sobre EALE (BARCELOS, 2000; BORG, 2003; BLOCK, 1990, 1992 WOODS, 1996, 2003)

investigaram as discrepâncias entre crenças e ações dos professores em sala de aula através de questionários, mostrando uma grande limitação quanto aos instrumentos de coleta de dados, que conseqüentemente, gerou uma insegurança em relação aos resultados.

Andréa inicia o ano letivo na EP adotando alguns princípios da AC em sala de aula, entretanto, após as primeiras interpretações que conseguiu fazer das ações dos alunos em sala de aula, decide voltar a usar o método de gramática e tradução, no qual o aluno deixa de ser o protagonista da sua aprendizagem para transportá-lo para a professora. À medida que Andréa adota uma metodologia centrada na figura do professor, os conflitos diminuem.

[121] “[...], por mim eu trabalharia a AC o tempo todo porque eu acredito que essa abordagem seria o ideal para ser trabalhado na aula, mas na escola regular é complicado. Então eu estou voltando para o Método de gramática e tradução.”

Andréa, EI Pode-se notar que apesar das crenças sobre a melhor abordagem para o ensino de línguas, Andréa resolve modificar suas ações em sala de aula. Por meio das observações realizadas, pude perceber que a mudança de metodologia ocorreu devido a fatores disciplinares. As ações de Andréa foram influenciadas pela interpretação que fez das ações dos alunos durante as aulas de LI. Esse resultado corrobora o estudo de Borg (2003), que afirma que as crenças e as práticas dos professores são reciprocamente informativas com os fatores contextuais assumindo um papel importante em determinar até que ponto os professores conseguem programar a instrução de acordo com suas crenças. Igualmente, Barcelos (2000) afirma que crenças de alunos e professores e suas ações se acomodam ao contexto e são formadas por ele.

Andréa interpretou as crenças dos alunos a partir de suas ações e essas interpretações parecem ter influenciado a maneira como ensina e o seu papel como professora. A participante crê que os aprendizes não desejam aprender a LI e, portanto, não possuem motivação para a aprendizagem. Em sua concepção, os alunos da EP não se interessam em aprender a LI, pois somente aspiram obter boas notas com o intuito de passar de série. Assim, as interpretações de Andréa sobre as crenças e ações de seus alunos sobre EALE parecem ter influenciado as suas ações. Ao acreditar na desmotivação dos alunos para com a aprendizagem da LI, principalmente devido às ações indisciplinares, falta de interesse ou vontade para aprender dos alunos, a professora decide modificar a abordagem de ensino, de uma abordagem com toques comunicativistos para uma abordagem centrada no professor, de gramática e tradução, e considerada pela professora de simples aplicação. Creio que esta concepção está diretamente

relacionada ao controle da disciplina, uma vez que a professora é levada a adotar a autoridade autoritária, mesmo que entre em contradição com as suas crenças. Dessa forma, pode-se dizer que a abordagem da professora parece se ajustar às diferentes metodologias de ensinar de acordo com as interpretações que faz das ações de seus alunos. Assim, a interação da professora com seus alunos e as interpretações que fez do resultado dessa interação mostram sinais do princípio da interação entre experiências proposto por Dewey (1938), conforme discutido no capítulo 1 desta dissertação.

[122] “A professora não faz muita aula diferente. Na quinta-feira, a professora ia fazer o ‘Bingo’, só que a sala estava muito agitada, conversando muito, ela decidiu passar trinta palavras do vocabulário no caderno, aí hoje, ela fez o ‘Bingo’, porque a sala estava mais quieta.”

Lúcio, 12 anos, EI

[123] “Por exemplo, o professor pode montar uma gincana de inglês, por exemplo, separa a turma em dois grupos e passa tantas palavras para o outro. [...] Acho que provoca uma brincadeira relacionada ao inglês, para o aluno se interessar ainda mais.”

Lúcio, 12 anos, EI [124] “As aulas deveriam ter brincadeiras. Deveriam ser super diferentes

para motivar mais o aluno.”

Júlia, 12 anos, EI [125] “[...] a aula só passada no quadro é chata.”

Verônica, 12 anos, EI

No excerto [122] percebe-se que apesar da prática da professora coincidir com a crença dos alunos sobre o EALE quanto ao uso de jogos e atividades mais dinâmicas na sala de aula, os alunos não agiram de acordo com as regras da aula de LI para jogos. No entanto, devo salientar que na aula seguinte, a professora conseguiu aplicar o jogo proposto na aula anterior. A meu ver, os alunos não estavam preparados para esse tipo de aula, tornando-se bastante eufóricos e, portanto descontrolados. No entanto, após a primeira tentativa frustrada, a segunda tentativa foi eficaz. Percebi que se a professora tivesse persistido na utilização de atividades dinâmicas em suas aulas, os alunos poderiam ter se habituado a participar desse tipo inovador de interação em sala, sem, contudo, provocar tantos problemas disciplinares. Assim sendo, configura-se, nesse episódio, uma dissonância entre as crenças e ações dos alunos.

Os trechos seguintes (123, 124, 125), demonstram a crença dos alunos em que aulas repetitivas com base em exercícios escritos e cópias do quadro negro, não motivam os alunos a participarem das aulas de LI. Acredito que no momento em que a professora desistiu dos seus alunos do 8º ano, estes também desistiram das aulas de LI, e com essa desistência a oportunidade da aprendizagem da língua. Corroborando os estudos de Reeve (1998) e Reeve, Bolt e Cai (1999), o estilo motivacional da professora está relacionado com a personalidade. Entretanto, é vulnerável a fatores sócio-contextuais, como o número de alunos em sala de aula, o tempo de experiência no magistério, o gênero, a idade, as interações com a direção da escola, entre outros.

Apesar da crença de Andréa em relação ao papel do professor de LI, devido às influências contextuais e modificação na abordagem de ensinar nesse contexto especificamente, a prática de Andréa não está em consonância com a sua crença ou com a crença dos alunos. De acordo com os dados coletados e descritos anteriormente, os alunos do 8º ano acreditam que o papel do professor seja o de ensinar a LI, passar tarefas em sala, corrigir as tarefas, verificar os cadernos, explicar bem o conteúdo proposto e saber lidar com a disciplina em sala de aula. Percebe-se, através das expectativas dos alunos em relação às aulas de LE, que as crenças sobre o papel do professor coincidem com as experiências que os alunos têm sobre o desempenho de um professor, em qualquer outra disciplina escolar, como matemática, ciências, história ou geografia. Posso dizer que o princípio da continuidade (DEWEY, 1938) está, mais uma vez, presente na relação entre as crenças investigadas.

[126] [O papel do professor] “O professor deve dar visto, explicar a matéria direito, corrigir o aluno.”

Breno, 12 anos, QE [127] “O papel do professor é ensinar e corrigir o que o aluno fizer de

errado.”

Suzy, 12 anos, QE [128] “Professor capaz!”

Fernando, 13 anos, QE

As crenças de Andréa sobre o papel do professor de LI consistem em facilitar o processo comunicativo, ser o provedor de um ambiente de interação e comunicação, ser questionador, ou

ainda um negociador do significado, e foram provavelmente construídas por meio da sua formação acadêmica e profissional. Contudo, devido às suas interpretações em relação às ações de seus alunos em sala de aula, a participante retrocede no tempo e resgata um papel de professor voltado para uma abordagem tradicional, com base na gramática e tradução. Nesta abordagem o papel do professor é o de sintetizador de estruturas gramaticais, o detentor do conhecimento, o provedor da informação, um treinador lingüístico e um controlador da ação. Dessa forma, posso concluir que a interpretação da professora sobre algumas crenças de seus alunos está em consonância com as crenças dos mesmos, influenciando, portanto, a sua prática, uma vez que as ações dos alunos em sala de aula, nesse momento especificamente, correspondiam ao que acreditam sobre EALE. As diferenças entre o papel do professor na abordagem comunicativa e na tradicional corroboram as concepções de Cardoso (2004).

Embora Andréa tenha construído um conjunto de ações resultantes das interpretações que realizou sobre as atitudes dos alunos em suas aulas, estes narram em entrevista aberta que apreciam as aulas da professora e que com as aulas de Andréa estão finalmente aprendendo a LI. Naturalmente, precisamos analisar no que consiste o conceito de aprender para estes alunos. Porém, devemos manter em mente que aprender uma LE significa aprender a interpretar e transmitir significado nessa nova língua e isso implica a formação de relacionamentos com outros indivíduos na busca de experiências complexas, válidas, pessoalmente relevantes, assim como preparar o caminho para futuras ações (ALMEIDA FILHO, 1993). De acordo com as crenças dos alunos sobre o aprender a LI identificadas, percebe-se que o conceito de aprender desses alunos não está de acordo com a visão contemporânea e interacionista de Almeida Filho (op.cit.). Para os alunos investigados, aprender uma língua ainda se baseia na aprendizagem de estruturas gramaticais fixas e vocabulário, relegando a último plano, a função, a experiência, as fantasias dos alunos, a cultura da língua-alvo.

Durante a SV (seção de visionamento), quando Andréa teve a oportunidade de assistir a uma de suas aulas, impressionou-se com a participação dos alunos. Nessa aula especificamente, a professora utilizou o livro didático para introduzir diálogos com o uso de “There is” e “There are”. Durante a aula os alunos aprenderam novos vocábulos, a estrutura gramatical e como usá- los em um diálogo, com produção oral. Diante do desafio de falar a língua-alvo, os alunos sentiram-se motivados para a aprendizagem, participando da aula e mantendo uma atitude

positiva em relação à aprendizagem. Esta mudança de atitude impressionou a professora participante.

[129] “É... eu me lembro dessa aula. Realmente foi uma boa aula! Os meninos participaram e a escola estava bem tranqüila.

Andréa, SV

A meu ver, a diferente abordagem usada pela professora, motivou os alunos a gostarem e participarem ativamente da aula, confirmando a necessidade de aulas diversificadas, significantes e relevantes para o interesse dos alunos para que haja motivação para a aprendizagem da LI (KELLER, 1983). Na minha percepção, Andréa, ao interpretar as crenças de seus alunos, não conseguiu vislumbrar as fantasias ou desejos de seus alunos em aprender a usar a LI para a comunicação, e que uma abordagem diferenciada poderia estimular a motivação dos alunos e conseqüentemente a sua própria motivação para ensinar. Andréa não conseguiu identificar algumas expectativas de seus alunos, o que poderia tê-la direcionado para um ensino com toques comunicativistas.

[130] “Ah... eu desisti e acabei voltando para a gramática e tradução.” Andréa, N Resumindo, como sugere a análise dos dados, as crenças dos alunos em relação à EALE podem, de fato, influenciar a prática do professor em sala de aula. No entanto, as interpretações da professora sobre as crenças dos alunos, neste estudo, parecem influenciar mais fortemente suas ações.

Como salientado anteriormente, as crenças são parte da experiência, que envolve a interação, adaptação e ajuste dos indivíduos ao ambiente (DEWEY, op.cit.). Cito, aqui, algumas conseqüências que parecem ter sido geradas a partir das interpretações da professora quanto às crenças de seus alunos.

i. Falta de compreensão e comunicação: Andréa interpretou as ações dos alunos como o não interesse pela aprendizagem da LI. Porém, na realidade, as atitudes indisciplinares dos alunos mostravam a falta de motivação para aulas repetitivas e estruturalistas.

ii. Frustração: Andréa mostrou-se bastante desmotivada e frustrada ao tentar aplicar a abordagem comunicativa e não conseguir, voltando para a velha e segura metodologia de gramática e tradução.

iii. Indisciplina: Os alunos de Andréa mostravam muitos problemas de disciplina, ou melhor, a falta de hábito em participar de aulas comunicativas, gerando, assim, a indisciplina, o não cumprimento das regras, a desmotivação para a aprendizagem.

iv. Desistência da professora: Devido aos vários problemas disciplinares, a falta de apoio institucional e o desgaste em relação à frustração na realização do seu trabalho, Andréa abandona as turmas do turno vespertino, inclusive a turma investigada.