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CAPÍTULO II – METODOLOGIA DA PESQUISA

2.1 A NATUREZA DA PESQUISA

Uma vez que o objetivo desta investigação é analisar as relações entre as crenças de alunos e professora no processo de ensinar e aprender, considero fundamental que seja adotada nesta investigação, a pesquisa de natureza qualitativa interpretativista, de cunho etnográfico (ERICKSON, 1990).

Atualmente, a escolha por pesquisas qualitativas, também conhecidas como naturalistas62 ou interpretativas63, tem sido cada vez mais freqüente na pesquisa em educação, visto que os educadores e os professores têm se empenhado em compreender as qualidades dos fenômenos educacionais em detrimento de resultados numéricos que muitas vezes escondem “a dimensão humana, a pluralidade e a interdependência dos fenômenos educacionais na escola” (TELLES, 2002:102). Conforme Davis (1995) esse tipo de pesquisa considera a aprendizagem ou a aquisição64 inserida nos contextos sócio-culturais onde ocorre e não como um evento isolado. O termo ‘interpretativa’ é utilizado por Erickson (1990:78-79), para referir-se à pesquisa que envolve a observação participante (Participant Observational Research). O autor apresenta três motivos para o uso desse termo: (1) é uma expressão abrangente; (2) evita que se pense que a pesquisa interpretativa não possa incluir alguns itens quantificáveis, devido ao significado restrito do termo 'qualitativo' e (3) aponta para a característica principal desse tipo de investigação – o sentido humano das relações sociais, sua elucidação e exposição por parte do pesquisador. Portanto, a função primordial do investigador qualitativo, segundo o autor, é a de construir significados através das suas interpretações dos dados analisados.

As perspectivas das pesquisas qualitativas e quantitativas possuem diferenças marcantes que são fatores essenciais na escolha do paradigma ideal para a investigação proposta pelo pesquisador. Segundo Almeida Filho (2005), os modelos de pesquisas qualitativas e quantitativas possuem características próprias. Para o autor, a pesquisa quantitativa é

62 Segundo André (1995:17), o paradigma naturalista ou naturalístico leva esta denominação por ser o estudo do

fenômeno em seu acontecer natural.

63 Uma pesquisa é interpretativa por proporcionar ao investigador a construção do significado através de

interpretações pessoais dos dados coletados durante a investigação (ERICKSON, 1990).

64 Os termos aquisição e aprendizagem têm sido objeto de debate na literatura em Lingüística Aplicada. Neste

trabalho, utilizo os dois termos com o mesmo significado para me referir ao processo de aprender (adquirir) uma língua estrangeira.

particularista e, portanto, busca detalhes para categorizá-la, o pesquisador permanece distante dos dados, pois precisa manter uma visão ética, de fora do contexto; enquanto a pesquisa qualitativa é globalista, ou seja, holística65, logo, lida com dados singulares. Assim, o pesquisador permanece próximo aos dados, tendo uma visão êmica do contexto pesquisado, ou seja, uma visão que “...se refere a perspectivas baseadas culturalmente, interpretações, e categorias usadas pelos membros de um grupo sob estudo para conceituar e codificar conhecimento e para guiar seus próprios comportamentos” 66 (WATSON-GEGEO, 1988:580). Portanto, segundo a autora, termos, conceitos e categorias êmicas são funcionalmente relevantes para o comportamento dos indivíduos estudados pelo etnógrafo. Uma análise construída com base em conceitos êmicos considera as perspectivas e interpretações do comportamento, eventos e situações dos participantes da pesquisa.

Ainda segundo Almeida Filho (2005) a pesquisa quantitativa é centrada no produto, ou seja, nos resultados, busca a objetividade, além de caracterizar-se pelo positivismo lógico, tentando encontrar fatos ou causas para fenômenos sociais, não se atendo a estados subjetivos dos sujeitos. Contudo, na pesquisa qualitativa o estudo é centrado no processo, possui uma subjetividade controlada e busca compreender ou interpretar o comportamento humano a partir de um quadro interno de referências do sujeito: a fenomenologia67.

Ao refletir sobre a distinção entre as perspectivas quantitativa e qualitativa de pesquisa, pude perceber que as diferenças entre elas não as tornam boas ou ruins, certas ou erradas, tradicionais ou inovadoras. É importante ressaltar, no entanto, que os paradigmas qualitativo e quantitativo estão intimamente ligados entre si. Segundo André (1995) muitos pesquisadores consideravam que só era qualitativa a pesquisa fenomenológica, ou a etnográfica, ou a que não utilizava números. Note-se que não é só separando o quantitativo do qualitativo que se obtém uma pesquisa qualitativa, uma vez que uma pesquisa que utiliza dados basicamente quantitativos, durante a análise de seus dados, se beneficia do quadro de referência, os valores e, portanto, a

65 A pesquisa é considerada holística quando os eventos são analisados em relação ao contexto em que se inserem,

considerando os aspectos sócio-culturais, lingüísticos e sociais do grupo em estudo (FETTERMAN, 1998; VAN LIER, 1990).

66 Do original: “… refers to culturally based perspectives, interpretations, and categories used by members of the group under study to conceptualize and encode knowledge and to guide their own behavior” (WATSON- GEGEO, 1988:580).

67 A fenomenologia “...enfatiza os aspectos subjetivos do comportamento humano e preconiza que é preciso

penetrar no universo conceitual dos sujeitos para poder entender como e que tipo de sentido eles dão aos acontecimentos e às interações sociais que ocorrem em sua vida diária.” (ANDRÉ, 1995:18)

dimensão qualitativa do investigador, pois “as perguntas usadas no instrumento de pesquisa possuem marcas da postura teórica, valores e visão de mundo do pesquisador” (ANDRÉ, 1995:24). Assim, a escolha pelo tipo de pesquisa deve ser feita de acordo com o objeto de estudo proposto pelo pesquisador e é importante destacar, ainda, que a natureza da pesquisa deve direcionar o investigador na seleção do tipo de tendência mais adequada à coleta e análise dos dados do estudo. Deve-se salientar que muitas pesquisas qualitativas usam dados quantificáveis, embora sua análise traga marcas da subjetividade próprias da abordagem qualitativa (ANDRÉ, op.cit.). Assim, devido ao grande número de participantes, e a não familiaridade dos aprendizes em relação à participação em uma pesquisa científica, considerei relevante a utilização de alguns dados quantificáveis os quais foram apresentados em gráficos. A triangulação dos dados quantitativos e qualitativos forneceu maior confiabilidade aos resultados deste estudo.

O objetivo deste estudo me leva a desenvolver uma pesquisa de natureza qualitativa, tipicamente interpretativista, visto que esta modalidade de pesquisa beneficia a compreensão das ocorrências do contexto da sala de aula, favorecendo, assim, uma melhor compreensão das crenças da professora e de seus alunos no processo de ensino e aprendizagem. O paradigma da pesquisa qualitativa possui diferentes modalidades para a sua realização. A modalidade adotada neste estudo é a pesquisa de base etnográfica.

2.1.1 A Pesquisa Etnográfica

A etnografia é, conforme André (1995:27), “um esquema de pesquisa desenvolvido pelos antropólogos para estudar a cultura e a sociedade”. Etimologicamente, etnografia significa “descrição cultural”. Esse esquema pode descrever o contexto de uma sala de aula ou qualquer outro contexto exótico. Para a autora, o termo possui dois sentidos: (a) o primeiro refere-se a um conjunto de técnicas utilizadas para coletar dados sobre os valores, os hábitos, as crenças, as práticas e os comportamentos de um grupo social; (b) no segundosentido, a etnografia é entedida como um relato escrito resultante do emprego das técnicas etnográficas.

Segundo André (op.cit.), porém, a preocupação dos estudiosos em educação não se resume à descrição da cultura (práticas, hábitos, crenças, valores, linguagens, significados) de um grupo

social, mas ao processo educativo (ANDRÉ, 1992:28). Portanto, conforme a autora, alguns requisitos sugeridos pela etnografia antropológica, como uma longa permanência do pesquisador em campo ou o contato com outras culturas não são, muitas vezes, exigidos nos estudos educacionais, ou seja, a etnografia educacional tem adaptado as características tipicamente etnográficas ao seu objeto de estudo. O que se tem realizado, então, é um ajuste da etnografia à educação. Assim, a autora sugere a denominação “estudos do tipo etnográfico” para pesquisas etnográficas realizadas na área da educação.

A etnografia escolar é definida por Spindler68 (apud JOHNSON, 1992:133) como “o estudo de todos e quaisquer processos educacionais, relacionados à escola ou não”69 desde que relacionada à aprendizagem de uma língua nova e à culturacorrespondente àquela língua. Conforme Johnson (op.cit.), a pesquisa etnográfica tem o objetivo de descrever e interpretar o comportamento cultural e comunicativo de um grupo, incluindo as atitudes e valores. De acordo com a autora, a importância do estudo etnográfico para a pesquisa em aprendizagem de L2 incide sobre o poder de nos informar sobre os caminhos das experiências culturais dos aprendizes em suas casas e comunidades e compará-las com as culturas das escolas, universidades ou comunidades onde estudam, e as implicações dessas diferenças para a aprendizagem de uma L2 e sua cultura. Segundo a autora, esse tipo de informação auxilia na explicação de como hipóteses e valores culturais podem causar interações ou a falta de comunicação entre culturas diferentes e ainda direcionar atitudes distintas em relação a situações de aprendizagem e a diferentes abordagens de aprendizagem.

De acordo com Nunan (1992:56) os seguintes itens caracterizam uma pesquisa de natureza etnográfica: (a) a investigação ocorre dentro da sala de aula dos participantes (em seu contexto), (b) o pesquisador evita manipulação do fenômeno investigado; (c) o pesquisador deve permanecer mais de quatro meses em campo; (d) o pesquisador, aprendiz e professor devem estar envolvidos colaborativamente no processo; (e) o pesquisador interpreta os significados e as ações dos participantes, e finalmente; (f) há uma interação entre as questões de pesquisa, a coleta e interpretação dos dados obtidos a partir da coleta.

68 Sprindler, G. (1982). Doing the etnography of education of schooling. New York: CBS College Publishing. 69 Do original: “the study of any or all educational processes, whether related to a ‘school’ or not” (SPINDLER,

Alguns princípios relativos à pesquisa de base etnográfica descritos por autores como André (1995), Watson-Gegeo (1988), Cançado (1990), entre outros, são fundamentais para a compreensão das características que norteiam a escolha pela pesquisa de base etnográfica para esta investigação, no entanto, apresento apenas aqueles que possuem uma estreita relação com este trabalho.

A pesquisa de base etnográfica foca o comportamento das pessoas em grupos e os modelos culturais desse comportamento (WATSON-GEGEO, 1988). Esta pesquisa focaliza a cultura de aprender e de ensinar de uma professora e de seus alunos.

É naturalística, pois o pesquisador conduz a sua investigação em ambiente natural, onde as pessoas vivem e trabalham (ANDRÉ, 1995). Neste estudo, a pesquisadora desloca-se para o ambiente escolar onde ocorrem as aulas de LI.

É holística, ou seja, qualquer aspecto da cultura ou comportamento tem que ser descrito ou explicado em relação ao processo completo em que está inserido (WATSON-GEGEO, 1988). No caso desta investigação, as crenças foram examinadas em relação ao contexto social onde se encontravam a professora e seus alunos, das experiências anteriores de aprendizagem que tiveram e no contexto maior do ensino público brasileiro.

Possui características êmicas, pois esse princípio exige que o observador isole visões pré- estabelecidas e modelos e considere o fenômeno “sala de aula” sob o ponto de vista funcional do dia-a-dia. O pesquisador deve manter um comportamento neutro, ou seja, ele deve estudar a interação como ela ocorre no contexto, sob o panorama dos participantes (CANÇADO, 1990:14).

A coleta de dados baseia-se em teoria, a qual ajuda o pesquisador a definir que tipos de evidências serão expressivos para responder as perguntas de pesquisa propostas no início do estudo e desenvolvidas durante o trabalho de campo (WATSON-GEGEO, op.cit.).

Procura a formulação de hipóteses, conceitos, abstrações, teorias, e não sua testagem. Para tal, faz uso de planos de trabalho abertos e flexíveis, em que os núcleos da investigação são constantemente revistos, as técnicas de coleta e os instrumentos, reavaliados e reformulados e os fundamentos teóricos, repensados (BELAM, 2004).

Constata-se, portanto, que a pesquisa de base etnográfica é a mais apropriada para este estudo, uma vez que através dela é possível compreender as relações entre grupos de pessoas em um determinado contexto social, e, especificamente neste caso, a relação entre as crenças de uma professora e alunos na aprendizagem de LE. A etnografia não apenas enfatiza a compreensão de eventos através de uma perspectiva êmica e holística, mas foca a sua atenção no que as pessoas dizem, como agem, e nas tensões entre o dizer e o fazer (CRESWELL, 1998).

Tendo delimitado o tipo de investigação utilizada nesta pesquisa, na próxima seção, discuto as principais abordagens utilizadas para investigação das crenças de aprendizagem de LE, conforme Barcelos (2001), destacando o tipo de abordagem utilizada neste estudo.

2.2 ABORDAGENS PARA A INVESTIGAÇÃO DAS CRENÇAS DE APRENDIZAGEM