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FOTO 27 – FÁBRICA REFRIGERANTES COROA EM 2002

5. AS PRÁTICAS DE GESTÃO E A REPRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA

5.1. A REPRESENTAÇÃO DO DIRIGENTE COMO “PAI”

5.1.1. A influência de valores religiosos, familiares e culturais

Um dos fatos que dá sentido a esse discurso na organização está ligado diretamente com a história de vida de Roberto Anselmo Kautsky. A influência dos princípios religiosos, da sua educação e de seus valores familiares, ajudou definitivamente na construção de sua individualidade e formou o seu modo de lidar/relacionar com os objetos e as pessoas que estão à sua volta.

Conforme a trajetória de vida, a família Kautsky sempre teve uma estreita relação com a religião. Conforme os relatos narrados no capítulo 4, Roberto sempre foi um membro ativo da Igreja Católica na comunidade de Santa Isabel, e, posteriormente, Domingos Martins. Essa estreita relação promoveu no seio familiar uma valorização dos princípios religiosos, como a moral familiar baseada na hierarquia e na atribuição de papéis.

No Brasil essa doutrina não foi diferente, durante a Primeira República, o modelo tradicional de família e de imagem da mulher foi incentivado, o homem, principal e legítimo ganha-pão da família; e a mulher, guardiã da moralidade doméstica e participando da sociedade por meio de suas aptidões emocionais, como o amor, a paciência e a sensibilidade (PAOLI, 1985; COLBARI, 1992). Ressaltam-se assim valores que também são reconhecidos na família Kautsky – a autoridade paterna, a hierarquia e o papel social de cada membro da família. O pai detentor de todos os poderes por ser o provedor econômico da família, e a mulher e os filhos devedores do mais profundo respeito e obediência.

Apesar de ser católico, Roberto estudou por um longo período na escola luterana e, além disso, havia uma profunda mistura das doutrinas católica e luterana no município, devido aos aspectos de sua colonização. Essa educação e sincretismo influenciaram Roberto a construir

uma ética9 para o trabalho, pois diferentemente da Igreja Católica que pregava uma certa apologia a pobreza (despojamento material), a Reforma Protestante fornecia as bases religiosas e éticas para o ato do trabalho, transformando-o em dever e sinal da presença da essência divina no ser humano (COLBARI, 1995). Isto de certo modo explica a sua dedicação integral ao trabalho e à cobrança dos seus empregados.

Não menos importantes estão os valores promovidos pelos seus pais – Roberto Carlos Kautsky e Elisabeth Schwambach Kautsky – que trabalhavam arduamente para sustentar a família e desde cedo disciplinaram duramente os seus filhos.

Num ângulo de moralização, a família, ao lado da escola e da fábrica, foi uma instituição basilar no processo de gênese e afirmação da disciplina fabril ao atuar como um eficiente mecanismo de controle social, reafirmando certos padrões de sociabilidade e de moralidade em que se incluía a visão positiva do trabalho (COLBARI, 1995, p. 211).

Esses valores são verificados em diversas passagens da história de vida de Roberto Anselmo Kautsky quando recebeu duro corretivo (surras) de seus pais, sua rígida educação nas escolas Católica e Luterana, a dura disciplina na Escola Militar, dentre outros. Essa rígida disciplina que recebeu foi naturalmente transportada ao tratar com seus empregados na empresa. Também valores como honestidade, honra e responsabilidade, foram por ele incorporados, basta relembrar a sua história de vida e o momento de criação da empresa, onde ele ressalta essas qualidades contando os casos de seu pai, fundador da empresa – o mito.

Na história de criação da empresa é que se pode sentir a força do mito (DAVEL, 1998). O mito designa uma história verdadeira, extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo, nesse sentido, fornece os modelos para a conduta humana, conferindo significado e valor à existência.

O mito conta uma história sagrada: ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio. [...] Ele narra como, graças às façanhas dos entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir. Ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser (DAVEL, 1998, p. 292).

Assim, o momento de criação da empresa sustenta o mito que permite exprimir, enaltecer e codificar a crença no seu fundador, atribuindo os seus princípios morais e oferecendo regras

práticas para a orientação dos novos gestores e demais membros da organização. Os entrevistados ressaltaram vários valores de Roberto Anselmo Kautsky que estão calcados nesses princípios morais do mito como: trabalhador árduo, responsável, honrado.

Desde criança teve que trabalhar pesado. Tomava para si a responsabilidade do sustento de sua casa (GESTOR 9).

[...] passou por muita dificuldade devido à doença de seu pai. Vendeu verduras na cidade, trabalhou na roça. Ele é muito responsável (GESTOR 7).

Portando, esse espaço de convivência sangüínea e afetiva modelou a individualidade do proprietário da empresa, quer dizer, construiu os seus primeiros valores que são tomados como os mais permanentes em todo o seu processo de integração social (SINGLY, 2000). Essa gênese foi possível porque além da família ser um espaço de relações de identificação afetiva e moral (abordagem psicológica), também é considerada como responsável pela transmissão de um patrimônio econômico e cultural (abordagem sociológica), nela que a identidade social do indivíduo é tramada. De origem privilegiada ou não, a família transmite para seus descendentes um nome, uma cultura, um estilo de vida moral, ético e religioso. Mais do que os volumes de cada um desses recursos; cada família é responsável por uma maneira singular de vivenciar esse patrimônio (LAHIRE, 1997, 1998, apud SETTON, 2002).

Para se entender a construção da individualidade de Roberto deve-se mencionar que a cidade de Domingos Martins, no período em questão, ainda recebia forte influência de aspectos culturais trazidos pelos imigrantes. Baseado em Belhadj (2000), pode-se a firmar que a família Kautsky carregou consigo valores religiosos, tradições e costumes germânicos; valores da família tradicional e nuclear; esses aspectos formaram a identidade dos seus membros e influenciaram indiretamente gerações, inclusive a de Roberto Anselmo Kautsky. Sendo assim, a união entre os membros da família é mais forte na medida em que a emigração separou os pais do resto do grupo familiar e reforçou os laços em torno do casal e filhos.