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A Influência do IDE nas Exportações e Importações Brasileiras

Capítulo 3. A Anatomia do IDE no Brasil durante os anos 90

3.6. A Influência do IDE nas Exportações e Importações Brasileiras

Em relação aos aspectos estruturais promovidos pelo IDE, cabe analisar a possível capacidade dos novos investimentos em aumentar a produção de bens exportáveis e/ou

contribuir para aumentar a competitividade dos setores exportadores. Segundo Bonelli e Gonçalves (1998), as empresas estrangeiras poderiam contribuir para o aumento da competitividade e do saldo comercial, mesmo quando essas atuassem em atividades non-

tradables, como nos serviços bancários, no comércio, seguros, etc. Para os autores

investimento direto nessas atividades acabaria por beneficiar, a competitividade das atividades tradables.

Contudo, verifica-se que parte dos investimentos industriais destinados aos setores exportadores é concentrada em setores nos quais a indústria brasileira, inclusive com participação nacional, já ocupa espaços no mercado internacional. De modo geral, a indústria brasileira insere-se nesse mercado na condição de exportadora de commodities. Como mencionado anteriormente, mesmo com o aumento da produtividade e da competitividade da indústria ao longo da década de 90, não há evidências de que esse quadro tenha sofrido profundas alterações.

A expectativa de uma mudança profunda na inserção internacional da indústria brasileira, e em particular nos setores de maior intensidade tecnológica e valor agregado, repousou, em última instância, nas iniciativas das empresas estrangeiras, que lideram esses setores no Brasil e no mundo, e na abertura econômica. De fato, parece que as empresas nacionais e estrangeiras tiveram que fazer um grande esforço diante do acirramento da concorrência com os produtos importados. Esse processo de ajustamento contribuiu de forma decisiva para o aumento dos índices de produtividade, ver gráfico 3.1; No entanto, segundo Bielschowsky (1994), a partir de entrevistas com 55 grandes empresas estrangeiras, é possível identificar dois movimentos neste processo de ajustamento: (i) a concentração nos elos principais da cadeia produtiva e (ii) a busca por maior eficiência produtiva. Segundo o autor, esse duplo movimento levou a um ajustamento baseado, preponderantemente, na redução de pessoal e no aumento das compras de produtos intermediários, externa e internamente. Essa constatação apontava para um aumento no coeficiente de importação das empresas estrangeiras a partir da abertura, o que poderia significar importantes dificuldades para o desempenho comercial brasileiro ao longo da década.

Segundo Lacerda (2002), no período 1990-93, os fluxos de IDE para a indústria de transformação foram relativamente escassos, e estiveram dirigidos principalmente à racionalização e modernização de empresas já existentes. A partir de 1994, com a recuperação da demanda doméstica promovida pela estabilização e as privatizações, começou uma reversão de tendência com a ampliação do volume de IDE, o que nos sugere que o mercado interno teria sido um poderoso fator de atração para as empresas estrangeiras, potencializado pela consolidação e aprofundamento do Mercosul.

Portanto, tanto a concentração do IDE na produção de bens para o mercado interno e regional, adicionado ao movimento posterior em direção ao setor de serviço, quanto o aumento da importação de bens de capital38 e intermediário enfraqueceriam a hipótese da contribuição positiva das empresas estrangeiras ao saldo comercial brasileiro.

Laplane e Sarti (1997) mostram que os projetos de investimentos dessas empresas, concentrados nos setores automobilístico e eletrônico, visavam, prioritariamente, suprir o mercado interno. Tratando-se de investimentos market-seeking, na classificação de Dunning39, voltados para atender o mercado interno e o Mercosul (os autores ressaltam que esse tipo de investimento, market-seeking, foi o que caracterizou os IDE no Brasil ao longo da década). A inserção dessas filiais é completamente diferente das outras que aqui investem atraídas pela disponibilidade de recursos naturais, resource seeking na classificação de Dunning, cujas filiais atuam como plataforma exportadora de commodities, de gêneros agroalimentares ou minerais, ou de insumos industriais intensivos em energia, porém com baixo dinamismo no comércio internacional. Esta visão é compartilhada por Kupfer (2003) e Coutinho (1997), que chamam este processo de “especialização regressiva”.

Ainda segundo Laplane e Sarti (1997), as filiais dos setores de bens de consumo duráveis e de componentes têm como principal recurso local o mercado interno. Sendo que

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Ver gráfico 3.3.

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o objetivo prioritário da presença dessas empresas na região não é constituir uma base de exportação para seus mercados de origem, mas suprir o mercado doméstico.

Cabe destacar que, para os autores, o papel das filiais brasileiras na rede corporativa das respectivas matrizes sofreu uma importante mudança em relação às décadas anteriores. As filiais brasileiras são menos verticalizadas e mais especializadas em suas linhas de produto do que anteriormente e apresentam também maior integração produtiva e comercial com outras filiais no âmbito do Mercosul. Para os autores, essas mudanças refletem as características gerais da evolução das redes de filiais ao redor do mundo (especialização e complementação interfiliais), e também a adaptação à abertura da economia brasileira na década de 90.

De modo geral, para as empresas estrangeiras que atuam nos setores de bens de consumo durável e de bens de capital a exportação para fora do Mercosul não é prioritária, embora a exportação para fora do bloco possa ser uma alternativa diante à condições desfavoráveis no mercado regional ou para usufruir de benefícios fiscais, ou até mesmo para atender a exigência de políticas setoriais. As exceções são as empresas locais que assumem o papel de fornecedoras mundiais, isto é, produzem um determinado produto ou linha de produtos para toda a corporação. Mas, no Brasil, são poucas as filiais que assumem esse papel40.

Como base nos argumentos acima, os autores concluem que os investimentos das empresas estrangeiras nos setores de bens de consumo não foram capazes de gerar maiores exportações para fora do bloco e também não alteraram significativamente a pauta de exportação da indústria brasileira diante das expectativas do início da década de 90. Completando o argumento precedente, Laplane e Sarti (1999) analisaram informações sobre o comércio exterior de 74 empresas estrangeiras nos anos 1989, 1992 e 1997, fortalecendo algumas tendências já apontadas em Laplane e Sarti (1997). Dentre elas,

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Hiratuka e De Negri (2004) apresentam uma tipologia das filiais da empresas estrangeiras no Brasil por meio da comparação de suas diferentes estratégias de inserção externa. A conclusão dos autores é que apenas um tipo de estratégia, denominada de “integração global”, contribuía para melhoria quantitativa e qualitativa da balança comercial brasileira. Contudo, essa estratégia é claramente minoritária entre as filiais de empresas estrangeiras que atuam no Brasil.

destaca-se a constatação de que as empresas superavitárias eram aquelas que atuavam em setores intensivos em recursos naturais (filiais resource seeking): alimentos, fumo, mineração, papel e celulose, e siderurgia/metalurgia. Encontram-se também nesta situação empresas de outros dois setores: equipamentos mecânicos (filiais produtoras de equipamentos agrícolas e terraplanagem) e autopeças. Por outro lado, as filiais que atuavam em bens de consumo duráveis e equipamentos (filiais market-seeking) eram deficitárias: eletrônica, informática, máquinas e equipamentos eletrônicos, e telecomunicações. Nesta mesma situação deficitária encontram-se filiais do setor químico e farmacêutico. As montadoras de automóveis, inicialmente superavitárias, tornaram-se deficitárias.

Ainda segundo Laplane e Sarti (1999), os coeficientes de comércio intra-firma, estimados a partir do volume de comércio da filial com o país-sede de sua matriz, mostravam que o país-sede da matriz atuava mais fortemente como origem das importações das filiais brasileiras do que como destino de suas exportações. O estudo mostra também a ampliação do coeficiente de comércio interfiliais dessas empresas com o Mercosul que, paralelamente a redução dos fluxos filial-matriz neste mesmo período, ratificavam a “vocação regional das filiais brasileiras”.

Em outro pólo, os autores que viam na nova onda de investimentos estrangeiros uma possibilidade concreta de aumento da competitividade internacional da indústria brasileira, concentravam seus argumentos em dois aspectos: o viés importador dos novos investimentos e os impactos sobre a competitividade da indústria.

Para Moreira (1999b), o novo ciclo de investimentos estrangeiros traria uma relação custo-benefício mais vantajosa para o país devido, principalmente, ao rompimento do viés anti-exportador do antigo regime de substituição de importações. O autor utilizou uma amostra de cerca de 20 mil firmas nacionais e estrangeiras, com base nos dados do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), para extrair informações sobre produtividade, concentração e comércio exterior para o período de 1995-97. A conclusão do estudo mostra que em virtude das transformações ocorridas na economia brasileira nesta década, o novo ciclo de investimentos estrangeiros assumia uma característica radicalmente distinta dos

ciclos anteriores (anos 60 e70). A partir de exercícios econométricos, o autor constatava que “para um dado setor e para um dado tamanho de firma, as exportações das empresas estrangeiras são, em média, 179% superiores às nacionais, enquanto no caso das importações essa superioridade chega a 316%” (1999b, p. 368). Contudo, o autor rebate as análises que verificavam a existência de um viés pró-importação dos investimentos estrangeiros. Sua argumentação se concentrou no fato de que as empresas estrangeiras também poderiam atuar no sentido inverso em virtude do acesso a redes de distribuição, capital e tecnologia, além das externalidades positivas geradas pela presença dessas empresas. Além disso, Moreira procurava salientar que a maior propensão a importar dessas empresas poderia estar relacionada aos setores nos quais elas atuam, sendo esses mais intensivos em capital e tecnologia.

Em Moreira (1999a) encontramos resultados semelhantes em relação ao aumento do coeficiente de importação. Neste trabalho o autor revisa o tema dos impactos da liberalização comercial sobre a indústria brasileira, estendendo para o período 1989-98 uma série de indicadores relativos a mudanças estruturais e ganhos de eficiência técnica e alocativa, calculados originalmente por Moreira e Correa (1997) para o período 1989-95. Para o autor, “quaisquer que tenham sido os fatores que influenciaram a velocidade de crescimento dos coeficientes de importação, é importante reafirmar que sua elevação era não só esperada como desejada (...). O caminho em direção a uma alocação mais eficiente dos recursos, e aos ganhos de escala e especialização a ela associados, passava inexoravelmente pelo crescimento das importações” (1999a, p. 299). Ainda segundo o autor, o que se poderia argumentar é que esse mesmo caminho poderia levar a desindustrialização. Contudo, o estudo mostra que os níveis atingidos pelos coeficientes de importação no final do período; 19,3% em termos de consumo aparente e 20,3% em termos de produção; que quando confrontados com a experiência internacional, não sustentam a hipótese de que isto tenha ocorrido.

Chudnovsky et alli (2002), ao analisarem o caso brasileiro, em outro exercício econométrico, utilizando dados sobre as 500 maiores empresas, que representavam em seu conjunto 49,74% das exportações e 33,72% das importações brasileiras para o período de

1992-2000, mostram um aumento no coeficiente de importação e uma pequena redução no coeficiente de exportação das empresas estrangeiras durante este período. Cabe, ainda, destacar que, em média, os coeficientes de importação das empresas estrangeiras, com 7,4; eram superiores aos das empresas nacionais, com 5,4 (ver tabela 3.7).

Tabela 3.7 – Coeficientes de Comércio 1992 (n=57) 1997 (n=63) 2000 (n=46) Origem do Capital Coef. Exp. Coef. Imp. Coef. Exp. Coef. Imp. Coef. Exp. Coef. Imp. Nacional 14,6 5,1 10,2 5,9 12,4 5,1 Estrangeira 14,2 4,1 11,6 8,1 12,9 10,1 Estatística T (0,99) (0,30) (1,79) (2,31) (1,51) (1,90) Significância (32,6%) (76,7%) (7,9%) (2,4%) (13,7%) (5,9%)

Fonte: Adaptado de Chudnovsky (org), 2002.

Segundo os autores, a significância destas diferenças foi estimada a partir de um teste de diferenças de médias no qual foram controlados o setor e o tamanho da firma. Os autores estabeleceram, ainda, que não existiam diferenças significativas nos coeficientes de comércio entre empresas estrangeiras e nacionais em 1992. Já em 1997 e 2000, embora as diferenças não se apresentassem significativas para os coeficientes de exportação, eram significativas para os coeficientes de importação.

Neste mesmo estudo foi realizado outro teste no que diz respeito à existência ou não de orientação comercial diferenciada entre empresas nacionais e estrangeiras. Os autores controlaram as variáveis para empresas do mesmo tamanho e que atuassem no mesmo setor (ver tabela 3.8).

Tabela 3.8 – Participação do comércio com o Mercosul no total 1992 (n=57) 1997 (n=63) 2000 (n=46) Origem do Capital Exp. Mercosul Imp. Mercosul Exp. Mercosul Imp. Mercosul Exp. Mercosul Imp. Mercosul Nacional 17,0 13,7 24,39 12,39 30,0 25,5 Estrangeira 22,7 17,3 28,73 12,10 36,7 17,3 Estatística T (1,01) (0,06) (1,74) (1,26) (0,53) (1,88) Significância (31,9%) (94,7%) (8,9%) (21,3%) (59,8%) (8,9%)

Para os autores, observando os dados da tabela 3.8, não é possível estabelecer diferenças significativas entre empresas nacionais e estrangeiras no que se refere à proporção do comércio exterior para o Mercosul.

Laplane, Hiratuka et alli (2000), consideram que as evidências observadas ao longo da década de 90 contradizem as expectativas de autores que viam no aumento da internalização da economia brasileira um caminho para melhorar o saldo comercial da indústria nacional, pelo fato da maioria dessas expectativas estarem baseadas em hipóteses muito genéricas a respeito da atuação das empresas transnacionais e desconsiderarem especificidades de atuação das filiais no Brasil.

Em uma pesquisa inovadora, Arbache e De Negri (2001), pela utilização de uma base de dados inédita no estudo dos determinantes das exportações brasileiras, a qual é o resultado da junção de micro-dados das firmas e trabalhadores da RAIS com dados das exportações da SECEX, do cadastro do Censo de Capitais Estrangeiros do Banco Central, do cadastro amostral da Pesquisa Industrial Anual e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE, para todos os anos de 1996-98. Os autores buscavam responder, dentre outras questões, se existem diferenças entre as firmas exportadoras e não exportadoras e qual a influência da origem do capital nesta questão. Para os autores, “um resultado importante do modelo refere-se à variável nacionalidade do capital. A probabilidade da firma multinacional exportar é 700% maior que a de uma firma nacional” (2001, p. 25). Esses autores completam, mencionado que esse resultado era esperado, pois as firmas multinacionais tendem a ser competitivas internacionalmente. Já que para uma firma tornar- se multinacional, ela tem que ter algum destaque no seu país de origem, acumulando um patrimônio tangível e intangível com elevados custos de transação no mercado internacional. E que essa acumulação de ativos está relacionada diretamente com a acumulação global da firma que, por sua vez, é determinada pelas estratégias competitivas da indústria em que ela atua. Como estas firmas tendem a surgir nas indústrias onde o processo de diferenciação do produto é a principal forma de competição, e são empresas que já fizeram estrategicamente um processo de diversificação em direção ao seu core

business para garantir o crescimento de longo prazo, elas têm maior capacidade de

diferenciação de produto.

Embora possam existir controvérsias é apontado pela literatura e comprovado empiricamente que as empresas estrangeiras, no Brasil, têm uma maior propensão a se integrarem nas atividades de comércio exterior do que as empresas nacionais. Sendo essa integração mais voltada para as importações do que para as exportações.

3.7. Resumo.

As mudanças que a economia brasileira sofreu ao longo da década de 90 frustraram muitas expectativas daqueles analistas, que viam na abertura econômica e na atuação das empresas multinacionais o caminho para uma dinâmica de crescimento sustentável, que seria possibilitada pelo incremento tecnológico e produtivo proporcionado pelo acirramento da competitividade e pelo efeito transbordamento das multinacionais para as empresas domésticas.

Mesmo com o aumento dos índices de produtividade da indústria, o nível de investimento geral da economia ficou abaixo do esperado, e revelou um importante aspecto desse novo “modus operandi”, que foi a crescente transferência de demanda, sobretudo, máquinas e equipamentos para o exterior, deixando claro que a nova onda de investimento tinha pouca possibilidade induzir efeitos aceleradores ao longo das cadeias produtivas, dado o vazamento de parte da demanda para o exterior.

O fluxo IDE que a partir da metade dos anos 90 ganhou especial fôlego, atraído pelo processo de privatização, fusões e aquisições e, também, pelo mercado interno e regional, com o Mercosul, fez com que a economia brasileira aumentasse sua participação como destino deste tipo de investimento. Contudo, esse movimento não se traduziu em investimentos em novas unidades produtivas, ao contrário. Parte significativa esteve ligada

a mudanças de propriedade e racionalização das estruturas produtivas existentes. Como destaca Laplane et alli:

“Contribuindo menos para a ampliação da capacidade produtiva e participando mais no estoque de capacidade produtiva já existente, a presença crescente do capital estrangeiro promove menores efeitos em termos de encadeamentos produtivos e de geração adicional de renda e de emprego”. (2001, p.175).

Já a influência desses investimentos para o comércio exterior, mostrou que as especificidades das filiais de empresas estrangeiras no Brasil é um fator de grande relevância, na medida em que, pela dinâmica comercial, essas empresas têm uma propensão maior a se integrarem através das importações do que pelas exportações, o que significa que o mercado interno e regional são os grandes motivadores dessas empresas. Deste modo, o papel dessas para o aumento do saldo comercial foi diminuto, e pouco contribuiu para a diversificação da pauta de exportação, pois a maioria dos setores de atuação deste capital, onde se verificaram saldos comerciais positivos, é caracterizada por uso intensivo de recursos naturais e é voltada para o atendimento de mercados em que a economia brasileira já está presente, em alguns casos, desde a década de 70.

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