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Capítulo 4. Restrição de Divisas e o Crescimento Econômico do Brasil

4.3. Restrição ao Crescimento e Fluxos de Capitais

A entrada de capital estrangeiro nos países em desenvolvimento é um fator de grande importância na determinação da magnitude das restrições externas. Thirlwall e Hussain (1982)50 em reconhecimento a esse importante aspecto incorporaram ao modelo original mais uma variável, o valor nominal do fluxo de capital, com o objetivo de aumentar o poder explicativo do modelo em relação à taxa de crescimento observada da economia.

No Brasil, a entrada de fluxos voluntários de capital durante os anos 90, com destaque para o período posterior a 1995, não somente se apresentou de forma distinta no que toca sua composição e comportamento, como visto no capítulo 3, mas também, sobretudo a partir de 1995, foi acompanhado da seguinte relação: enquanto os déficits em transações correntes51 se avolumavam, a conta de capital apresentava superávits sucessivos, o que levou a economia brasileira à situação de captação líquida de poupança externa52. Esse movimento foi influenciado fortemente pelos déficits da balança comercial (pelo lado das transações correntes) e pela entrada de capital estrangeiro na modalidade de IDE (pelo lado da conta de capitais). (Ver gráfico 4.2).

49

“it is very important to take into account variables such as the exchange rate and terms of trade, something to be done in a future research” (p. 18, op. cit).

50

Vale destacar que o estudo de Thirlwall e Hussain (1982) foi o primeiro a incluir o Brasil em sua amostra. Mesmo que o período coberto por esse estudo esteja fora do escopo deste trabalho, cabe mencionar que os resultados estimados para o Brasil, entre 1951 e 1969, mostram que de um crescimento anual médio de 9,5%; cerca de 4% pode ser atribuído à lei de Thirlwall, do modelo original; 0,1% é originado das variações nos termos de troca e, a maior parte, cerca de 5,4% diz respeito a fluxos de capital.

51

Ver Séries Históricas em Boletim de Conjuntura (72), IPEA, Março de 2006.

52

Captação líquida de poupança externa é a situação em que fluxos positivos na conta de capital cobrem os déficits na conta corrente. No entanto, quando um fluxo positivo de capitais e um equilíbrio ou saldo positivo na conta corrente não se define com captação líquida de poupança externa (Aurélio, p. 9, 1997).

Gráfico 4.2 – Déficits da balança comercial e entrada de IDE – 1995/99 -500 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 1 995 T 1 1 995 T 2 1 995 T 3 1 995 T 4 1 996 T 1 1 996 T 2 1 996 T 3 1 996 T 4 1 997 T 1 1 997 T 2 1 997 T 3 1 997 T 4 1 998 T 1 1 998 T 2 1 998 T 3 1 998 T 4 1 999 T 1 1 999 T 2 1 999 T 3 1 999 T 4 U S $ m ilh ões

Déficit da Balança Comercial IDE (líquido)

Fonte: IPEAData (elaboração própria).

Nakabashi e Meirelles (2004), usando dados do IBGE e do Boletim do Banco Central para o período entre 1992 e 2000, aplicaram o modelo de Thirlwall com o objetivo de analisar, dentre outros, o impacto da entrada e saída de capitais, pela conta de capital e pelo balanço de serviços, sobre a elasticidade-renda das importações real da economia (h∗) e sobre a elasticidade-renda das importações com restrição no balanço de pagamentos ( h )′ 53. Sendo a , calculada a partir do comportamento das importações em resposta ao crescimento da renda no Brasil, estimada da seguinte forma:

h

( )

M h ln

(

Y

ln = ∗

)

, onde: é o logaritmo natural das importações e

( )

M

ln ln

( )

Y é o logaritmo natural da renda (PIB)

do Brasil. Já para estimar a h′, utilizou-se a seguinte equação ln

( ) ( ) (

Y = 1h′ ∗ln X

)

54

, onde:

53

Cabe destacar que os autores não fizeram o teste tradicional proposto por Thirlwall no modelo original, que consiste em verificar se a taxa de crescimento com restrição no balanço de pagamentos (yb =x h) é

estatisticamente igual à taxa real de crescimento da economia.

54

O autor chegou a esta equação considerando a lei de Thirlwall (equação 18, do capítulo 2): yb =x h, que é a taxa de crescimento com restrição no balanço de pagamento, do modelo original. Ele partiu do seguinte princípio: yb =x hyb =

( )

1h x ⇒ ln

( ) ( ) ( )

Y = 1h′∗lnX . De modo que para achar elasticidade- renda das importações com restrição no balanço de pagamentos (h′), bastou dividir o um (1) pelo coeficiente desta regressão. Esse procedimento, na verdade, foi feito por McCombie (1997) em um simpósio (Minisymposium on Thirlwall’s Law and the economic growth in an open-economy context) publicado pelo

( )

X

ln é o logaritmo natural das exportações. Cabe ressaltar que os autores apoiaram o modelo na hipótese de que a diferença entre as duas elasticidades-renda corresponde ao fluxo de capitais pelas contas de capital e de serviços. Contudo, é preciso ter em mente a existência de uma taxa de crescimento que é limitada pela restrição externa e que só pode ser aliviada através: (i) da entrada de capitais, (ii) pela melhora do setor exportador e/ou (iii) pela redução do valor da elasticidade-renda das importações.

Os resultados encontrados pelos autores (ver tabela 4.2) mostram que ocorre uma mudança no setor externo da economia. No período 1993-1996, a elasticidades-renda das importações real da economia (h∗) e a elasticidade-renda com restrição no balanço de pagamento (h′) praticamente se igualam. A partir deste período h supera h , indicando que o crescimento real da renda superou aquele preconizado pela lei de Thirlwall.

Tabela 4.2 – Elasticidades-renda das Importações reais e com restrição no BP

Período hh′ 1990 – 1993 0,86690 0,88158 1991 – 1994 0,86932 0,88256 1992 – 1995 0,87196 0,87988 1993 – 1996 0,87487 0,87502 1994 – 1997 0,87834 0,87187 1995 – 1998 0,88252 0,87136 1996 – 1999 0,88278 0,87420

Fonte: Adaptado de Nakabashi e Meirelles (p. 16, 2004).

Como já destacado anteriormente, desde o início da dos anos 90, ocorreram importantes entradas de fluxos de capitais. Contudo, a partir de 1995 até 1998, esses ganham especial fôlego, de modo que a soma das contas de serviços e de capital e financeira ficou positiva, a pesar dos crescentes déficits na balança comercial. Esse fato nos sugere que boa parte do capital externo serviu para financiar os crescentes déficits da conta de serviços e, outra parte, serviu para cobrir os déficits da balança comercial. Como mostra o gráfico 4.3.

Journal of Post Keynesian Economics no ano de 1997 (vol. 19, n. 3). O artigo em questão vai da página 345 até 375.

Gráfico 4.3 – Evolução da balança de serviços, balança comercial e conta de capital e financeira (Saldos) -35.000 -25.000 -15.000 -5.000 5.000 15.000 25.000 35.000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 U S $ mi lh ões

Balança de Serviços Conta capital e financeira Soma das contas de serviços , capital e financeira Balança Com ercial

Fonte: IPEAData (elaboração Própria).

Verificamos ainda, observando o gráfico 4.3, que nos anos de 1995 e 1996, o fluxo de capital estrangeiro foi capaz não só de financiar os déficits da balança de serviços, como também de financiar os déficits da balança comercial. Cabe destacar que, diferentemente de outros períodos de história econômica brasileira (como na década de 70, por exemplo), a maior parte do “endividamento”55 foi feita pelo setor privado, sendo que boa parte deste capital se constituiu na forma de IDE.

55

Segundo Franco (2005): “qualquer empresário sabe a diferença entre o capital que chega como participação acionária e o que chega como dívida; são imensamente diferentes seja quanto à natureza, seja quanto o custo. Numa ótica estritamente contábil, ambos são parte do “passivo”, porém capital integralizado é “não exigível”, pois é conta de natureza patrimonial. O mesmo vale para os países. incluir os estoques de IDE no “passivo externo” é uma maneira tola e depreciativa, além de conceitualmente equivocada, através da qual muitos observadores gostam de se referir, ou mais precisamente diminuir a importância do crescimento do IDE no Brasil, confundir indevidamente “internacionalização” com “vulnerabilidade externa” e, de forma mais genérica, expressar má vontade com relação ao fenômeno da globalização” (p. 11).

Gráfico 4.4 – Dívida Externa Registrada em proporção do PIB 0 5 10 15 20 25 30 35 40 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 %

Dívida externa - privada Dívida externa - pública Dívida externa

Fonte: IPEAData (elaboração própria). Nota: calculado usando o PIB - câmbio médio.

De acordo com o gráfico 4.4 acima, o setor privado foi responsável por grande parte do aumento da dívida externa registrada, saindo de uma dívida externa registrada de US$ 9,5 bilhões, em 1990, para uma divida de US$ 105,8 bilhões, o que representou um aumento de participação de 2,04% para 19,73%, respectivamente, na relação Dívida Externa Privada/PIB. Já a participação da dívida externa pública diminuiu, saindo do patamar de 18,53%, passando por 9,43% (em 1997) e chegando a 18,16% na relação entre a Dívida Externa Pública/PIB. Já a dívida externa global registrada não aumentou em termos expressivos, passando de 20,57%, em 1990, para 37,89%, em 1999, na relação Dívida Externa Global/PIB. Vale lembrar que boa parte deste aumento foi devido à desvalorização do câmbio de 1999.

Ainda nesta mesma linha, da análise de restrição ao crescimento observando-se os fluxos de capitais, encontramos Jayme Jr. e Souza Jr. (2004) que partem dos pressupostos do modelo de hiatos56, onde o hiato de divisas é representado por

(

)(

)

[

x f p

]

h

yb′ = δ + 1−δ − d 57, que é a taxa de crescimento com restrição no balanço de pagamentos quando consideramos os fluxos de capitais. Isto é, o crescimento previsto pelo

56

O modelo de testado pos Jayme Jr. e Souza Jr. (2004) é um modelo de três hiatos (poupança, divisas e fiscal), que toma por base o modelo original proposto por Bacha (1990).

57

hiato de divisas, com um desequilíbrio inicial em conta corrente, é a soma ponderada do crescimento das exportações ( xδ ) com o crescimento do fluxo de capitais

[(

1−δ

)(

fpd

)]

, dividido pela elasticidade-renda das importações ( h ). Onde, como mencionado no capítulo 2, δ e

(

1−δ

)

representam a participação das exportações e dos fluxos de capitais como proporção do total recebido do exterior, respectivamente. Os autores usam dados do IBGE e do Bacen sobre variáveis como PIB e exportações da economia brasileira para os anos de 1970-2000. Cabe destacar que essas variáveis foram usadas em nível e não em taxas de variação, como o exposto pela equação do início do parágrafo.

Os autores aplicam uma série de testes econométricos com o objetivo de mostrar estatisticamente a relação entre o PIB e as exportações. E apresentam no gráfico abaixo (gráfico 4.5), o comportamento do PIB efetivo (linha cheia) e do PIB estimado (tracejado) durante o período em questão.

Gráfico 4.5 – PIB estimado e PIB efetivo (Índice 1955=100)

PIB Efetivo (Linha cheia) / PIB Estimado (tracejado)

Fonte: dados do IBGE e Bacen (elaboração Jayme Jr. e Souza Jr. (p. 61, 2004).

Segundo os autores, os resultados indicam que as séries de PIB e exportações de bens e serviços admitem pelo menos um vetor de co-integração a 1%. Quer dizer, a semelhança das taxas exposta no gráfico acima indica que as exportações e o PIB no longo prazo possuem estreita relação. Os autores ainda explicam que os resultados confirmam que o crescimento econômico no Brasil é restringido pelo setor externo, e que as discrepâncias

de curto prazo entre o PIB estimado e o PIB efetivo podem ser, pelo menos em parte, explicadas pela evolução do influxo líquido de capitais externos.

Podemos ver no gráfico acima que durante a década de 70, o PIB efetivo posicionou-se acima do PIB estimado, o que pode ser explicado pela entrada de capitais estrangeiros na forma de empréstimos. Já com a crise da dívida externa dos anos 80 e os conseqüentes problemas gerados no balanço de pagamentos, o PIB efetivo posicionou-se abaixo do estimado. Este resultado perdurou durante quase todos os anos até 1994, somente a partir de 1995, com a nova onde de fluxos de capitais estrangeiros, sobretudo na forma de IDE, o PIB efetivo voltou a ficar acima do estimado.

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