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A INSUFICIÊNCIA DOS PARADIGMAS TEÓRICOS TRADICIONAIS

No documento Direito Fundamental ao Máximo Existencial (páginas 30-39)

finalidade do Estado tornar possível a existência no sentido mais amplo possível Sobre a questão também se

2 PRESSUPOSTOS PARA O DIREITO FUNDAMENTAL AO MÁXIMO EXISTENCIAL

2.1 A INSUFICIÊNCIA DOS PARADIGMAS TEÓRICOS TRADICIONAIS

A deficiência dos paradigmas26 teóricos tradicionais já vem sendo anunciada há tempos, embora ainda não tenha sido devidamente internalizada no âmbito da ciência jurídica, que persiste atada às concepções e modelos construídos por inflexão do positivismo jurídico.

Esses paradigmas assentam-se na premissa de que a racionalidade é inerente ao homem e que, pelo desempenho regrado e metódico da reflexão, ser-lhe-ia possível explicar, predizer e, por consequência, dominar a natureza, encontrando frágil respaldo nos êxitos técnicos propiciados pelas descobertas das ciências naturais. O Iluminismo deitava, então, suas raízes numa profundidade que alcançaria as ciências sociais, estendendo-se à ciência jurídica.

Com efeito, como destaca Larenz (1966, p. 31), Ihering – antes da sua adesão à jurisprudência de interesses – reputava que a dogmática jurídica deveria parecer com a química, sendo, em verdade, uma química jurídica. Kelsen (1998, p. 82), por sua vez, extremando a ciência jurídica das impurezas, afirma a ciência jurídica como meramente descritiva, entendendo-a como ciência normativa apenas em função do seu objeto e limitando- a “[...] ao conhecimento e descrição das normas jurídicas e às relações, por estas constituídas”; ou seja, bem à feição das ciências naturais.

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Gadamer (1999, p. 442-447) destaca a distinção entre preconceitos legítimos e ilegítimos ou falsos, considerando que os últimos obstaculizam a compreensão e devem sujeitar-se à razão crítica possibilitada e apurada com o distanciamento histórico.

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Entende-se por paradigma a noção estabelecida por Thomas Khun (2000, p. 13) como “[...] as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.

A ciência jurídica, embasada, então, em paradigmas surgidos com o Iluminismo e partilhando do êxtase do modelo epistemológico das ciências naturais, apresentava-se completamente dissociada da realidade, sendo-lhe negado o seu caráter produtivo e produtor de sentido, o que veio a repercutir na construção dogmática de mitos e revelação de preconceitos inautênticos cuja superação se torna tarefa árdua.

Na medida em que a tarefa da ciência jurídica é descritiva e fundada nos textos normativos, tem-se que a função do intérprete se limitaria à construção da descrição das regras jurídicas, bem ao modo positivista e, mais recentemente, conforme as proposições da teoria pura (KELSEN, 1988). Não lhe caberia exercer a crítica, inovar, e nem imprimir sentido axiológico na revelação do sentido do texto, que se encontra ou no próprio texto, ou na vontade originária do legislador, caso se adote a mens legis ou caso se busque a mens

legislatoris. Haveria reprodução de sentido e não produção de sentido.

Esses paradigmas oriundos da compreensão da razão iluminista27 compõem-se da crença do caráter constitutivo do método rigoroso e adequado, que confere objetividade, imparcialidade e, então, verdade e correção à atividade científica. Tais paradigmas acabaram por engessar a reflexão jurídica, além de se associarem às matrizes do pensamento capitalista- liberal, nutrido durante os séculos XVIII e XIX.

É a partir desses paradigmas e da matriz liberal que advêm os preconceitos inautênticos e mitificados em torno da compreensão dos direitos sociais, prejudicando substancialmente a construção de uma teoria dos direitos fundamentais constitucionalmente adequada ao texto e ao contexto e em conformidade com a indivisibilidade que lhes deve ser característica. Respalda, ainda, uma eficácia mínima dos direitos fundamentais e, pode-se dizer, uma eficácia zero dos direitos sociais.

Como o direito fundamental ao máximo existencial sustenta a indivisibilidade dos direitos fundamentais, respaldando o caráter indivisível e interdependente, inclusive, das liberdades e dos direitos sociais, conclui-se que a insuficiência dos paradigmas teóricos tradicionais se revela, inicialmente, com relação aos direitos sociais.

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Para uma compreensão profunda e detalhada desses paradigmas, remete-se a Boaventura de Sousa Santos (2002, p. 10-23), destacando que o modelo de racionalidade típico da ciência moderna foi constituído com a revolução científica do século XVI e floresceu rapidamente no âmbito das ciências naturais, vindo a ser aspirado no século XIX pelas ciências sociais por ser o referencial de cientificidade. Daí que se possa considerar haver, desde então, “[...] um modelo global de racionalidade científica que admite a variedade interna mas que distingue e defende, por via de fronteiras ostensivas e ostensivamente policiadas, o senso comum e os estudos humanísticos, que seriam duas formas de conhecimento não científico.”

A ampliação do rol de direitos fundamentais, para além dos individuais e políticos, não foi bem compreendida, pois desvirtuaria as bases do edifício conceitual que foi descrito pelas primeiras reflexões em torno da teoria dos direitos a partir do surgimento dos direitos fundamentais de primeira dimensão28.

O problema fundamental da condição humana sempre foi assegurar a liberdade pela política; o sentido de liberdade de que partem as concepções acerca da teoria dos direitos fundamentais, que desprestigia os direitos sociais, colocam-nos em segundo plano, sendo tidos, desde a sua origem, como dotados de mero caráter programático. Como registram Bodo Pieroth e Bernhard Schlink (2008, p. 13), os direitos econômicos e sociais, apesar de consagrados na Constituição de Weimar de 1919, eram desgraduados com relação aos direitos civis e políticos.

Expoente dessa incompreensão é a concepção de Carl Schmitt (1996, 170-174), para quem só os direitos individuais seriam, efetivamente direitos fundamentais, enquanto os direitos sociais – por ele chamados como socialistas – têm estrutura distinta, são relativos e limitados, encontrando-se em situação de contraposição com os autênticos direitos fundamentais.

Nesse sentido, o pensamento jurídico classicamente desenvolvido em torno dos direitos fundamentais sempre se voltou para prestigiar e privilegiar os direitos individuais e os direitos políticos, ou seja, os direitos fundamentais tidos como de primeira dimensão (SANCHÍS, 2004, 111-114). Os direitos sociais seriam, então, direitos menos nobres, não- justiciáveis, inferiores e que custam mais caro (GREWE, 2003, p. 67).

Segundo Teresa Vicente Giménez (2006, p. 95), o principal problema dos direitos sociais quanto à dogmática dos direitos fundamentais é relativo à sua natureza e à sua realidade jurídica. Em outras palavras, saber se são realmente direitos em sentido jurídico- normativo ou se são meras exigências de outra ordem. Assim, “[…] a determinação do seu conteúdo e seu desenvolvimento concreto depende da teoria que seja adotada e, ao final, na concepção de Estado que se tenha”29.

Como as teorias – dos direitos fundamentais e da constituição – eram embasadas nos paradigmas do constitucionalismo moderno e do Estado Liberal, não havia ambiente favorável ao desenvolvimento da potencialidade normativa dos direitos sociais, o que é

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Sobre as dimensões de direitos, a que se retornará adiante, a doutrina originária de Marshall (1992), com a atualização precisa de Ingo Sarlet (2006).

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Tradução livre. No original, “[...] la determinación de su contenido y su desarrollo concreto, depende de la teoría que se adopte y, en definitiva, de la concepción de Estado que se tenga”.

corroborado por Danièle Lochak (2005, p. 39-40) ao observar que é preciso “[...] tomar consciência da insuficiência da concepção liberal clássica, vinculada apenas à defesa das liberdades individuais e dos direitos políticos, e da necessidade de reconhecimento dos direitos econômicos e sociais como direitos humanos”30.

Em razão disso, os direitos sociais jamais receberam a mesma atenção da doutrina e nem dos poderes públicos, sendo usualmente preteridos, notadamente naqueles países em que não vicejou a democracia imediatamente ao pós-guerra, como foi o caso da América Latina.

A única via de garantia dos direitos sociais, já que inexistiam meios institucionais e constitucionalmente assegurados para garanti-los, consistia no processo político desenvolvido em ambiente democrático. Ausente a democracia, ausentavam-se também as condições propícias à efetivação dos direitos sociais.

Diante de tal situação, sobreleva a observação de Albert Nogueira Fernández (2010, p. 23) de que, analisando o estágio da implementação dos direitos sociais na América Latina, “não há dúvida de que o resgate do reconhecimento e das garantias de acesso aos direitos sociais se constitui como prioridade absoluta nas nossas sociedades”31.

Corroborando com a urgência da questão, Ferrajoli (2002, p. 61-62) percebe que esse desprezo quanto aos direitos sociais repercute na carência de garantias jurídicas específicas, quer primárias, quer secundárias, que sejam estruturadas à feição dos direitos sociais e que possam, portanto, viabilizar a sua efetividade. Assim, há uma mútua implicação entre a incompreensão e desprezo quanto aos direitos sociais e a inexistência de garantias jurisdicionais específicas.

Quanto à incompreensão, Aniza García Morales (2009, p. 11), por sua vez, reconhece que a doutrina tradicional costuma reputar os direitos sociais como posteriores, axiologicamente subordinados e estruturalmente distintos dos direitos civis e políticos, não sendo mais do que aspirações ou princípios de caráter programático, considerando-os, em síntese, como “[...] direitos de segunda categoria, realização gradual e tutela jurídica debilitada”32.

30

Tradução livre. No original, [...] l’on prend conscience de l’insuffisance de la conception libérale classique, attachée à la seule défense des libertés individuelles et des droits politiques, et de la nécessité de reconnaître les droits économiques et sociaux comme des droits de l’homme à parte entière”.

31

Tradução livre. No original, “[...] no hay duda que el rescate de un reconocimiento y de las garantías de acceso a los derechos sociales se constituye como una prioridad absoluta en nuestras sociedades”.

32

Destaque no original. Tradução livre. No original, “[...] derechos de segunda categoria, realización gradual y tutela jurídica debilitada”.

O estágio atual da dogmática constitucional não é muito distinto, pois, como sustenta Giménez (2006, p. 99), a teoria dos direitos fundamentais, no que respeita à responsabilidade com a compreensão adequada dos direitos sociais, encontra-se em situação desalentadora, sendo necessário que, além de tê-los como autênticos direitos, haja um desenvolvimento dogmático que possibilite o revigorar da sua dimensão constitucional.

Da mesma forma, Asbjorn Eide e Allan Rosas (2001, p. 3) identificam a negligência, quer na dimensão teórica, quer na prática, quanto aos direitos econômicos, sociais e culturais, havendo uma preocupação mais intensa, desde o advento da Convenção de Direitos Civis e Políticos e da Convenção de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, com a bipartição dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Revigorar da dimensão constitucional dos direitos sociais se torna, pois, um problema que supera as fronteiras dos Estados, sendo uma questão que desafia a proteção da pessoa humana em escala local, nacional, regional e internacional, do que advém a importância da inserção do direito ao máximo existencial no âmbito da tutela multinível dos direitos fundamentais e, mais ainda, das novas dimensões do constitucionalismo.

Para tanto, é necessário romper com os mitos e insuficiências teóricas ora expostas, que retardam o desenvolvimento de uma dogmática constitucional engajada no compromisso pela efetividade das normas constitucionais, tal como referido por Konrad Hesse (1999, p. 32) ao defender que a preservação da vontade de Constituição é “[...] tarefa confiada a todos nós”.

Essa missão se torna imperiosa em se tratando da vontade de Constituição referida aos direitos sociais e à afirmação do direito ao máximo existencial, cabendo à sociedade aberta de intérpretes (HÄBERLE, 1997) e, principalmente, à ciência do direito constitucional.

Nesse sentido, Daniel Farber e Suzanna Sherry, embora tratando do judicial

review of legislation (2009, p. 123-126), criticam a apatia da doutrina jurídica, extensiva à

reflexão empreendida nos cursos de Direito33.

As teorias que prestigiam as liberdades em detrimento dos direitos sociais são inadequadas em razão da impossibilidade de viabilizar ao indivíduo a capacidade de auto- realização, notadamente em Estados em desenvolvimento, acarretando grande concentração de renda, em detrimento das classes menos abastadas. A liberdade deve ser compreendida em

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Referindo-se especificamente ao ambiente do ensino jurídico e ao papel dos professores de direito, adotando uma concepção de necessário engajamento, Farber e Sherry (2009, p. 129) defendem que “Como acadêmicos, é preciso levar a sério o desempenho do papel de educadores, tanto dos estudantes quanto do público”. Na versão original, “As academics, we must take our role as educators – of our students and of the public – seriously”.

conexão com a igualdade, como liberdade protegida, e não como liberdade desprotegida (ALEXY, 2008b, p. 227-235), respaldada pela aludida indivisibilidade.

Não obstante isso, há muita resistência quanto a uma renovada compreensão dos direitos sociais, no âmbito da teoria dos direitos fundamentais constitucionalmente adequada. Assemelha-se com a mesma resistência que Georges Gurvitch (2005, p. 4-6) refere com relação ao advento do novo paradigma do Direito Social. Assim, não se pode ignorar que as categorias vetustas da teoria dos direitos fundamentais sejam repensadas e revisitadas diante dos horizontes que se apresentam com o advento dos direitos sociais, operando-se uma nova compreensão diante do novo constituir da ordem jurídica.

A negligência com relação aos direitos sociais ignora um dos postulados científicos sustentados por Karl Popper (1999, p. 15), que destaca o caráter eminentemente prático dos problemas que devem nortear as ciências sociais, como analfabetismo, pobreza, supressão política ou insegurança jurídica, não ficando restrita a questões apenas teóricas. Entretanto, tais problemas, para serem resolvidos, conduzem à especulação e ao desenvolvimento de teorias e a problemas teóricos.

Esse mister deve comportar tanto a audácia como a originalidade, na medida em que “Em todos os casos, sem exceção, é o caráter e a qualidade do problema e também, é claro, a audácia e a originalidade da solução sugerida, que determinam o valor ou a ausência do valor de uma empresa científica”.

Outrossim, Mario Bunge (1980, p. 67-68) aponta que o cientista não pode ignorar a responsabilidade social, devendo, dentre outros referencias de legitimidade da pesquisa, criticar crenças anticientíficas ou pseudocientíficas e nem “[...] servir aos opressores econômicos, políticos ou culturais.”

Ademais, a solução de problemas se dá pelo advento de novas teorias que passam a ensejar novos problemas porque permitem a abertura de novos horizontes, surgindo problemas inesperados (POPPER, 1999, p. 54).

A tarefa é árdua, mesmo constatada a insuficiência dos paradigmas teóricos tradicionais, em razão do apego para com o positivismo jurídico. Gaetano Silvestri (2009, p. 25-26) destaca que a teoria geral do direito, firmada sobre matrizes positivistas, conduz ao déficit de efetividade das normas constitucionais, notadamente daquelas pertinentes a direitos sociais, o que explica a perplexidade de Perez Luño (2006b, 291-292) diante da circunstância de que parcela dos direitos humanos consagrados pelos textos de máxima hierarquia careçam de proteção judicial efetiva.

Para o positivismo jurídico, os direitos subjetivos, em contrapartida aos direitos naturais, seriam aqueles direta e imediatamente invocáveis perante os tribunais. Diante disso, dentro da matriz positivista que equipara positivação, validez e vigência, é inexplicável a natureza peculiar dos direitos sociais e a compreensão que sobre eles se estabelece como sendo meramente normas programáticas, entendidos como “[...] direitos cuja tutela efetiva se remete ao futuro e que mais que obrigações jurídicas estritas, enunciam compromissos políticos imprecisos”34.

Desse modo, pressupondo-se a condição de direitos fundamentais por estarem consagrados nos textos constitucionais35, há um paradoxo fundamental na teoria dos direitos contemporânea consistente em não ser possível negar-lhes a condição de autênticos direitos e, ao mesmo tempo, reputá-los como injusticiáveis, cabendo colacionar a doutrina de Ferrajoli (2001), in verbis:

Certamente, a enunciação constitucional dos direitos sociais a prestações públicas positivas não foi acompanhada da elaboração de garantias sociais ou positivas adequadas, ou seja, de técnicas de defesa e justiciabilidade equiparáveis às garantias liberais negativas para a tutela dos direitos de liberdade.36

Evidentemente que não se defende, de forma ampla e genérica, a absoluta justiciabilidade de todos os deveres positivos que derivam dos direitos fundamentais – e não só, mas também, dos direitos sociais – dado que a operação de preenchimento e especificação do seu conteúdo só é possível a partir do caso concreto, não se podendo conceber, a priori, que estejam sujeitos ao desarrollo legislativo37. Não parece viável, entretanto, a proposta de redução da justiciabilidade dos direitos fundamentais ao que seja entendido como mínimo vital, sendo a questão que desafia a reflexão.

Desse modo, não se mostra pertinente a adoção de qualquer consenso oriundo mais da ausência de reflexão do que da concordância consciente e deliberada em torno da restrição da justiciabilidade dos direitos sociais apenas quanto ao mínimo vital, como

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Em tradução livre. No original, “[...] derechos cuya tutela efectiva se reenvia al futuro, y que más que obligaciones jurídicas estrictas enuncian compromisos políticos imprecisos.”

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Embora haja mais extensa previsão em alguns do que em outros e que nem todos sejam previstos como direitos, tal como se dá com a Constituição espanhola, abrigando vários direitos sociais dentre os chamados princípios norteadores da política social e econômica. Além disso, tanto as Constituições alemã como sueca não encerram um catálogo de direitos sociais, o que não significa que não estejam constitucionalmente fundados em razão dos princípios por ela adotados.

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Em tradução livre. No original, “Ciertamente, la enunciación constitucional de los derechos sociales a prestaciones públicas positivas no se ha visto acompañada de la elaboración de garantías sociales o positivas adecuadas, es decir, de técnicas de defensa y justiciabilidad paragonables a las aportadas por las garantías

liberales o negativas para la tutela de los derechos de libertad.” 37

sustenta, com precedência na doutrina pátria, Ricardo Lobo Torres (2009). Nem os poderes públicos estão vinculados somente ao mínimo vital e nem a tanto pode se limitar o controle jurisdicional, fazendo-se mister a promoção e a garantia do máximo existencial.

A afirmação e a compreensão do direito fundamental ao máximo existencial projetam-se sobre uma área ainda carente e nebulosa da teoria dos direitos fundamentais. Enquanto não faltam estudos de escol atinentes às restrições aos direitos fundamentais, com a preservação do seu conteúdo essencial38, não se pode dizer o mesmo quanto às condições de ampliação dos níveis de prestação relativos aos direitos fundamentais.

Essa carência, certamente em parte devida ao desprezo acima indicado quanto aos direitos sociais, não impede que se reconheça as feições do direito fundamental ao máximo existencial, desenvolvido a partir dos paradigmas e referenciais ora indicados, movido pela reflexão hermenêutica nesse ambiente de complexidade.

Ora, é preciso reconhecer, com Ortega y Gasset (2003, p. 36) que “[...] no vivimos

para pensar sino que pensamos para lograr subsistir o pervivir”; e não há questões mais

sensíveis à existência humana, ou, ao menos, à existência humana compatível com a sua dignidade, do que a reflexão atinente aos direitos fundamentais, em intersecção com os direitos humanos, que vise não apenas a garantir a sobrevivência, mas a vivência plena.

As ideias e as teorias não podem, por si só, mudar o mundo ou transformá-lo em mais adequado às utopias que estão encartadas nos direitos fundamentais; a despeito disso, “É certo que o pensamento insistente não é suficiente. Porém, sem ele, as coisas andam menos ainda” (HABERMAS, 1993, p. 111).

Daí a necessidade de que seja revista a teoria dos direitos fundamentais para superar as insuficiências motivadas pelos paradigmas teóricos liberais, possibilitando constituir uma teoria dos direitos fundamentais constitucionalmente adequada, na qual tem abrigo o direito fundamental ao máximo existencial.

Cabe esclarecer que, embora não se possa sobrelevar a importância do direito, e do direito constitucional, sobre a filosofia, a política e a economia, impõe-se reconhecer que, recebendo ou projetando influxos oriundos da reflexão filosófica e da prática política, o direito constitucional se entremostra como direito de resistência e de projeção (DANTAS, 2009).

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De que são expressão, ainda que em caráter não exaustivo, as reflexões de Jorge Reis Novais (2003), Antonio- Luis Martínez-Pujalte (1997), Virgílio Afonso da Silva (2009) e o próprio Alexy (2009).

Resistência a retrocessos e projeção do desenvolvimento em nível suficientemente satisfatório dos direitos fundamentais, consoante a dimensão normativo-emancipatório do constitucionalismo dirigente.

E nessas projeções se pode empreender verdadeiras revoluções jurídicas no plano das ideais e das concepções. É perceptível que a evolução das teorias jurídicas e da prática jurídica – às vezes inter-relacionadas, outras vezes nem tanto – acaba por operar revoluções, no sentido popperiano (POPPER, 1999, p. 38-39).

A análise dos reflexos das ideias no plano das mudanças e transformações sociais ainda não está muito consolidada; a despeito disso, “[...] o sistema de normas, valores e instituições que regulam a conduta humana é considerado, por muitos estudiosos, o aspecto central da sociedade" (SZTOMPKA, 1998, p. 423).

E pode-se adotar, com relação à teoria dos direitos fundamentais, o quanto sustentado por Erwin Chereminsky (2010) com relação à prática decisória da Suprema Corte norte-americana, que estaria sendo submetida ao que considera ser um assalto conservador. Só que nos Estados Unidos o assalto conservador é recente e contraria uma tendência socialmente ativista da Corte; já no plano dos paradigmas clássicos da teoria dos direitos fundamentais, confrontados com as necessidades exigidas pela realidade e com as

No documento Direito Fundamental ao Máximo Existencial (páginas 30-39)