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ideais quanto às funções do governo Levou tempo para desenvolver tudo isso Os direitos sociais estavam em

No documento Direito Fundamental ao Máximo Existencial (páginas 167-171)

seu ponto mínimo e se encontravam entrelaçados no tecido da cidadania”. Em tradução livre. No original, “Los derechos civiles daban poderes legales cuyo uso se veía drásticamente reducido por el perjuicio de clase y la falta de oportunidad económica. Los derechos políticos daban poder potencial cuyo ejercicio demandaba experiencia, organización y un cambio de ideas en cuanto a las funciones apropiadas del gobierno. Llevó tiempo desarrollar todo esto. Los derechos sociales estaban en su punto mínimo y se hallaban entrelazados en el tejido de la ciudadanía”. A outra corrente doutrinária, mais comum no Brasil, defende que os direitos sociais compõem a segunda dimensão, ficando a primeira composta pelos direitos civis e políticos, ou seja, a liberdades individuais e a liberdades políticas, tal como sustentado em 1979 por Karel Vasak (1982) e acolhido, posteriormente, por Norberto Bobbio (1992). María Eugenia Rodríguez Palop (2010, p. 89-98) defende a autonomia geracional dos direitos políticos e Peces-Barba Martínez (1999b, p. 62-65) também o faz. Alessandro Pizzorusso (2011), por sua vez, após analisar o processo de evolução geracional dos direitos fundamentais, insere os direitos sociais da segunda dimensão. A diferença quanto à inserção dos direitos políticos juntamente com os direitos civis ou em dimensão autônoma é de menor relevância caso se compreenda que, malgrado iniciado o seu surgimento com o constitucionalismo moderno, só vieram a ser garantidos de forma ampla, com a previsão do sufrágio universal, na maioria dos países, no século XX. Na doutrina brasileira, adotando esta última classificação, Paulo Bonavides (1997, p. 516-526), José Adércio Leite Sampaio (2004, p. 259-263), Dirley da Cunha Júnior (2009, p. 579-583) e Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p. 45-57). Ademais, sobre a discussão atinente à correta qualificação como sendo uma evolução por gerações ou dimensões, as observações tecidas por Dirley da Cunha Júnior e Ingo Sarlet são deveras esclarecedoras, destacando-se a posição de Paulo Bonavides ao preferir ‘dimensão’ a ‘geração’ caso por este se entenda sucessão cronológica e caducidade dos direitos de gerações antecedentes. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martis (2007, p. 32-36), por sua vez, rechaçando ambas as denominações, suscitam a utilização das expressões ‘categorias’ ou ‘espécies’. No âmbito dessas controvérsias, afigura-se pertinente a preservação da expressão ‘dimensões’, sendo possível a sua relação com a evolução cronológica dos direitos na medida em que é possível identificar as respectivas dimensões temporais do seu surgimento. De qualquer sorte, uma das perspectivas que decorrem da evolução dos direitos fundamentais é a que reputa os direitos sociais, por serem de segunda dimensão, menos importantes do que os de primeira dimensão, o que não encontra qualquer fundamento, posto se tratar de classificação de ordem meramente histórico-cronológica. Cabe salientar, ainda, o entendimento de Emmanuel Decaux (2009, p. 44) de que a distinção em gerações estabelecida por Vasek não se confirma historicamente e consubstancia uma falácia, sendo que os direitos econômicos, sociais e culturais habitam o direito internacional desde 1919, com o Tratado de Versailles, sendo consagrados conjuntamente com os demais na Declaração Universal de Direitos Humanos. O mesmo entendimento é adotado por Asbjorn Eide e Allan Rosas (2001, p. 4), que não admitem a noção de gerações ou dimensões, considerando que não pode ser identificada sequer quando analisada a evolução dos direitos no âmbito interno dos vários Estados. O Supremo Tribunal Federal adota a concepção das dimensões para a compreensão histórica dos direitos fundamentais, inserindo os direitos sociais na segunda dimensão, como restou expresso no acórdão proferido na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3540, no sentido de que “Os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sócias e culturais), de outro lado,

identificam-se com as liberdades positivas, reais ou concretas, pondo em relevo, sob tal perspectiva, o princípio

da igualdade” (Destaques no original). Cabe, ainda, salientar a posição de Jim Ife (2008, p. 37-39) que reputa ser a compreensão geracional dos direitos humanos absolutamente inconsistente e portadora de problemas conceituais, malgrado destaque alguns aspectos positivos que dela provêm e apesar de ser amplamente utilizada na literatura e residir na consciência popular. O primeiro problema seria relativo aos direitos de terceira dimensão como integrantes de um processo autônomo e separado das demais. Como bem observa, não se afigura pertinente alçar os direitos coletivo e difusos na terceira dimensão, pois pressupõe que os de primeira e segunda seriam apenas individuais. O mais adequado seria considerar que tanto os direitos civis e políticos, como os sociais, podem ser tanto individuais quanto coletivos. O segundo problema é reputar que os de primeira dimensão são mais importantes que os demais, o que é um equívoco. O terceiro é que existem direitos que não se adequam a nenhuma das três gerações, o que é resolvido pelo reconhecimento de outras além da terceira, o que não é vislumbrado por Ife ( 2008, p. 47-50). Diante disso, Ife sugere abandonar a classificação em gerações e, indo além, propõe sete categorias de direitos de direitos humanos, que seriam os direitos de subsistência, direitos sociais, direitos econômicos, direitos civis e políticos, direitos culturais, direitos ambientais e direitos espirituais.

que se revestam de mecanismos similares de tutela. O quarto é decorrente dos demais e se expressa na consideração dos direitos sociais como meros programas, sem vinculação, e à respectiva forma de positivação nas constituições210.

Por sua vez, Roig e Añon (2002, p. 105-109) apontam o que consideram como aporias dos direitos sociais, que seriam, no que seja mais relevante, a) o caráter relativo pelo condicionamento de sua implementação às circunstancias e à disponibilidade de recursos, b) a indeterminação interna, c) o problema de suas garantias e da justiciabilidade, e d) a ausência de caráter universal.

Da mesma forma, Carlos Miguel Herrera (2009, p. 7-8) reconhece que os direitos sociais continuam a ser percebidos como direitos particulares, excepcionais, contingentes, confundindo-se com políticas sociais ou resumindo-se às prestações sociais. Além disso, a própria condição de serem direitos é negada por aqueles que reputam como tais apenas os que ensejam exigibilidade judicial, o que, para eles, não seria o caso dos direitos sociais.

Assim, os direitos sociais sofrem algo como uma capitis diminutio com relação às liberdades, haja vista o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais conforme o paradigma liberal-individualista que marca a reflexão teórica211.

Esses problemas também são perceptíveis no âmbito da compreensão dos direitos econômicos, sociais e culturais pelos textos normativos internacionais de direitos humanos. Como já mencionado, foi intenso o debate acerca da integração das liberdades e dos direitos sociais num único texto ou em textos distintos tanto na redação da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948212, quanto na positivação dos Pactos Internacionais de Direitos

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Como é o caso da Constituição espanhola, que consagra regime jurídico distinto para as liberdades e direitos políticos diante da maior parte dos direitos sociais, definidos como princípios norteadores da política social e econômica, consoante os seus art. 39 e seguintes.

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Cabe salientar que as liberdades e os próprios direitos humanos já enfrentaram tais problemas. Ao serem consagradas, as liberdades exprimiam princípios de direito natural, abstratos e indeterminados, que só portariam feição jurídica depois de disciplinados pelo legislador, o que se reforçava a medida em que o positivismo jurídico se estabelecia e fundava o mito do legislador racional. Desse modo, é elucidativa a análise de Canotilho (2008a, p. 105), de que “[...] sob o ponto de vista jurídico-constitucional e jurídico-dogmático os ‘direitos sociais’ estão hoje na mesma situação em que estavam os direitos, liberdades e garantgias individuais há mais de cinquenta anos. Se nessa época, a conhecida ‘teoria da regulamentação das liberdades’ implicava a tornar a eficácia dos direitos individuais dependentes da interpositio legislatoris, também agora se insiste na tese que o legislador tem uma completa liberdade de conformação e, por isso, sem a intervenção constitutiva da lei ‘não existem’ direitos sociais”. Ao ser superada quanto às liberdades, passou a aplicar-se, com matizes próprias, aos direitos sociais, como pontua José Afonso da Silva (2000, p. 140-145). Carlos Miguel Herrera (2009, p. 11) faz o mesmo registro, considerando que os direitos humanos também padeciam da equivocada compreensão de que seriam meras proclamações filosóficas e políticas.

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Apesar de previstos conjuntamente os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais, Imre Szabo (1984, p. 55) salienta ser perceptível algum certo menosprezo a estes últimos, pois não lhes é dado o mesmo destaque e atenção que os demais direitos. De forma geral, adota-se a referência aos direitos sociais como categoria abrangente das demais. Sobre a distinção entre elas, dentre outros, José Adércio Leite Sampaio

Humanos, destinados a conferir aos direitos consagrados na Declaração Universal caráter juridicamente vinculante, no âmbito do direito internacional.

Com efeito, Sodini (2000, p. 1-8), como já referido, salienta que a Assembleia Geral havia decidido que os direitos sociais seriam previstos juntamente com os civis e políticos em um único pacto, seguindo o modelo adotado pela Declaração Universal de Direitos Humanos, reputando que o exercício dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais era interdependente (SZABO, 1994, p. 61).

Mesmo assim, a Comissão designada para a redação do pacto persistiu na discussão da pertinência ou não da consagração conjunta ou em pactos distintos, entendendo, majoritariamente, pela última opção, considerando que a natureza peculiar dos direitos econômicos, sociais e culturais recomendaria a definição de medidas e obrigações diferenciadas. Assim, sem sequer submeter à Assembleia Geral a sua deliberação de adotar dois pactos, a Comissão empreendeu a criação de um pacto dentro do projeto de Pacto ao prever uma série de ressalvas e um estatuto derrogatório quanto aos aludidos direitos. Em face disso, a Assembleia Geral constatou a impossibilidade da adoção de um único pacto, originando, por essa via, o divórcio das duas categorias de direitos, reiterando, entretanto, que ambas deveriam seguir o mesmo espírito.

Asbjorn Eide e Allan Rosas (2001, p. 3) salientam que a mudança de concepção da Assembleia Geral decorreu da pressão de países ocidentais, havendo a tentativa de mitigação da separação dos direitos em dois pactos distintos pela reiterada declaração da sua indivisibilidade e inter-relação, tanto na Proclamação de Teerã de 1968, como na Declaração de Viena de 1993.

Embora Sodini entenda ser até justificável, sob a perspectiva jurídica, a distinta consagração dos direitos em dois pactos – o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ambos de 1966 –, por demandarem, esses últimos, ações positivas dos Estados que implicam um esforço financeiro, além da complexidade e imprecisão das obrigações que acarretam, sustenta que a leitura política da bipartição dos direitos é mais adequada à realidade. O acirramento ideológico da Guerra Fria repercutia, então, na compreensão dos direitos humanos e na forma da positivação do catálogo de direitos, malgrado os Estados Unidos do

(2004, p. 262-263), sustentando que os sociais visam a garantir a participação plena na comunidade política, os econômicos têm o objetivo de assegurar um nível de vida adequado e os culturais se referem ao estímulo e preservação das formas de manifestação cultural de todas as matizes em dada sociedade.

New Deal, a Inglaterra da Lei dos Pobres, e a França do État Providence já conhecessem os

direitos sociais.

Da mesma forma, Szabo rejeita as duas razões usualmente apresentadas para justificar a separação dos direitos. O fato de constituírem os direitos econômicos, sociais e culturais uma novidade não era, já em torno de 1950, razão suficiente para tanto. A outra alegação, de que poderia conferir mais liberdade aos Estados de aderir a um ou outro pacto, não era pertinente, pois a própria Assembleia reafirmava possuírem a mesma importância.

Emmanuel Decaux (2009, p. 44-45) invoca, então, a fratura ideológica ensejada pela Guerra Fria, em detrimento da estruturação do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, ocasionando, ainda, uma clivagem institucional entre a Organização das Nações Unidas e outros órgãos voltados à proteção internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

No mesmo sentido, Albert Noguera Fernández (2010, p. 35-36) registra que a indivisibilidade e a interdependência dos direitos fundamentais foram contraditadas pela perspectiva ideológica da tese liberal e da tese socialista, refletindo-se na aprovação por duas Convenções distintas dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, não tendo até hoje a adesão dos Estados Unidos no PIDESC.

Essa diferenciação da consagração em documentos internacionais distintos, entretanto, não teria qualquer importância se houvesse a mesma intensidade da tutela internacional das duas categorias de direitos, o que não ocorreu, persistindo até a atualidade. Como salientam Chisanga Puta-Chekwe e Nora Flood (2001, p. 39), desde a adoção da Declaração Universal a proteção dos direitos civis e políticos é sistematicamente priorizada sobre a dos direitos econômicos sociais e culturais, com a consequente frustração do propósito da Declaração de promover a melhoria das condições de existência humana, ignorando os graves problemas sociais que acometem parte significativa da população mundial.

A marginalização pela segregação dos direitos econômicos, sociais e culturais serve, assim, à marginalização dos mais pobres e dos grupos mais vulneráveis, à aniquilação da projeção de sentido que propicia a dimensão utópica dos direitos fundamentais. Do mesmo modo que o camponês kafkaniano que não consegue ultrapassar a porta da lei e entrar na lei, proibido pelo porteiro até a proximidade de sua morte, os que mais necessitam não alcançam o reino dos direitos fundamentais, premidos pelas necessidades existenciais. Mesmo sabendo – tanto o homem do campo como os membros da comunidade política – que a lei – e os direitos fundamentais, sobretudo – devem ser acessíveis a todos, não consegue superar os obstáculos simbólicos que lhe são postos e que, talvez, não representassem mais perigo ou

riscos do que os riscos e perigos oriundos da realidade das necessidades existenciais insatisfeitas.

Além disso, haveria menor importância na separação dos direitos em pactos distintos caso fossem previstos os mesmos mecanismos de garantia, o que não veio a ocorrer, sendo os mecanismos de tutela internacional dos direitos civis e políticos mais efetivos.

Segundos os regimes dos dois pactos, as liberdades clássicas e os direitos políticos gozam de justiciabilidade facultativa, enquanto os direitos sociais carecem de qualquer justiciabilidade (GUSY, 2003, p. 33-35)213. A falta de justiciabilidade dos direitos sociais corresponde mais à decisão política dos Estados-parte, firmemente ancorada no sobredito caráter ideológico, do que por força da natureza ou da estrutura jurídica dos direito sociais.

A despeito disso, Daniel Whelan (2010, p. 113-115) expõe as questões centrais que levaram à adoção dos dois pactos. Primeiramente, os direitos sociais eram consagrados mediante expressões imprecisas e vagas, de forma muito geral. Qualquer especificação mais detalhada foi prontamente rejeitada pela Comissão.

Já os direitos civis e políticos tinha sua redação muito precisa e específica, acreditando os Estados-parte que se fazia necessário o detalhamento para especificar as obrigações que seriam encaradas pelos Estados-parte. O sistema de monitoramento dos direitos econômicos, sociais e culturais não chegou a ser objeto de intenso debate, embora nitidamente ineficaz em cotejo com o sistema de reclamações.

Por essas vias, os países capitalistas relegavam os direitos para um tratando de segunda classe, o que veio a se confirmar com as práticas instituídas após o advento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o que não era a intenção dos seus redatores.

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Essa mesma situação se repete no âmbito do sistema regional europeu de proteção

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