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A QUESTÃO SOCIAL: O REAL AQUÉM DO NECESSÁRIO E DO POSSÍVEL

No documento Direito Fundamental ao Máximo Existencial (páginas 156-166)

alcançando a conformação da própria comunidade política, Carlos de Cabo Martín (2006) e o caráter

2.5 A QUESTÃO SOCIAL: O REAL AQUÉM DO NECESSÁRIO E DO POSSÍVEL

Qualquer reflexão sobre direitos fundamentais não pode perder de vista a realidade a que se referem. Isso porque, a despeito da generalidade dos problemas, com as matizes apresentadas, ser global e local (SANTOS, 2002, p. 46-50), o constitucionalismo contemporâneo também abarca tais dimensões por força da sua dimensão expansiva, estendendo-se para além das fronteiras e exigindo o apuramento das reflexões e da capacidade projetiva e emancipatória dos direitos fundamentais pela interseção com os direitos humanos.

A afirmação do direito fundamental ao máximo existencial demanda a constatação da insuficiência das políticas públicas e das ações estatais quanto à efetividade dos direitos fundamentais. A insuficiência é percebida também pela má compreensão das instâncias doutrinária e jurisprudencial acerca das condições e possibilidades de efetividade dos direitos fundamentais, sobretudo pela exaltação, defesa e circunscrição da justiciabilidade ao que seria o mínimo vital.

Ou seja, a censura constitucional ao poder público só se efetiva quanto não se assegura que o membro da comunidade sobreviva – e muitas vezes, nem em tais casos. A sobrevivência nas condições existenciais mínimas distancia-se do ideal constitucional de vida boa, ou qualidade de vida, ou, ainda, vida decente (FABRE, 2000), que é necessária ao pleno desenvolvimento das capacidades e, por consequência, à auto-realização e à autonomia individuais.

Assim, a liberdade exigida pela condição humana em razão da potencialidade e da capacidade de autodeterminação e de programação do plano de vida de cada ser humano fica aquém não apenas do necessário, mas muito vezes também do que se afigura possível. A garantia do mínimo, independentemente do que seja entendido como tal, não é suficiente para evitar a expropriação da condição humana.

Para que se verifiquem as condições propiciadas pela realidade e as necessidades por ela imposta, a fim de se construir as alternativas e possibilidades no que respeita às condições e possibilidades de efetividade suficientemente satisfatória dos direitos fundamentais, impõe-se um olhar sobre a realidade social brasileira e mundial.

Os contornos da análise não poderão ser extensos e nem se pretende trazer dados ou informações exaustivos, mas apenas retratar pontualmente a grave situação de pobreza, exclusão e desigualdade por que passam aqueles destituídos do nível adequado de implementação dos direitos sociais, ou mesmo de qualquer nível de sua implementação, quiçá aquele designado como mínimo vital.

Não obstante isso, no mais das vezes, em se tratando das condições sociais brasileiras, e malgrado os avanços alcançados nos últimos anos199, nem sequer o mínimo tem sido alcançado em caráter geral. Aquém do mínimo e do máximo encontra-se a deficiência do Estado Social brasileiro, matizado por diversos problemas que remontam à origem histórica200 e à formação econômica brasileira201, mas também sofrem incrementos pela incapacidade das instâncias político-decisórias de formular programas de governo que visem efetivamente à institucionalização de um Estado de direitos fundamentais202, ou seja, de um governo das leis conforme e para os direitos fundamentais. A ineficiência dos mecanismos e dos processos da Administração Pública é notável, ao que se agrega os níveis de corrupção, fragilizando a atuação do poder público em favor dos direitos fundamentais.

Lopez Calera (2004, p. 73) aponta que, dentre os problemas pertinentes aos direitos fundamentais – relativos à conceituação, fundamentação, determinação e realização – o mais grave concerne ao da realização. Embora sem suscitar especificamente a situação

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Que podem ser retratados a partir dos êxitos de programas sociais, como o Fome Zero, depois integrado ao Programa Bolsa-Família, juntamente com a Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás, como registram Nelson Carlos Teixeira (2004) e Walter Belik (2004, p. 34), dentre outros, ressaltando que o Fome Zero abrange mais de sessenta ações, emergenciais e estruturais, desde o cartão alimentação até medidas de intensificação da Reforma Agrária, com o objetivo de priorizar e dar um tratamento universal à segurança alimentar.

200

Como pode ser visto em Sérgio Buarque de Holanda (1995).

201

O que pode ser identificado em Celso Furtado (2003).

202

A concepção do Estado Democrático de Direito como portador de uma dimensão que o caracteriza como Estado de direitos fundamentais foi introduzida por Canotilho e Vital Moreira (1991, p. 83) por se voltar para a efetivação dos direitos e liberdades fundamentais do homem “[…] na sua complexa qualidade de pessoa,

cidadão e trabalhador” (destaques no original). Dessa forma, consideram que assegura uma autonomia perante

os poderes públicos e que, ao mesmo tempo, torna-se um Estado antropologicamente amigo. No mesmo sentido, aderindo e desenvolvendo a noção de Estado de direitos fundamentais, encontra-se Paulo Otero (2007, p. 525- 526), destacando a sua fundamentação no impositivo respeito pela dignidade da pessoa humana, entendida como cada pessoa individual e concreta, defendendo, todavia, a sua transição para um Estado de direitos humanos com o desiderato de firmar o elemento humanístico como norte e base do Estado de direitos.

brasileira, traz indagações similares às interpelações anteriormente apontadas, e que merecem destaque, conforme excerto abaixo, in verbis:

Los hechos hablan por sí solos. Grandes masas de población carecen de un reconocimiento, de un respeto mínimo de los derechos más elementales. Incluso en las sociedades avanzadas, en los Estados democráticos de Derecho, se puede detectar que los derechos humanos reconocidos y tutelados tiene realizaciones muy insatisfactorias, limitaciones e incluso negaciones parciales o particularizadas muy través.

Constata-se que os aludidos problemas, que fazem definhar a dimensão social do constitucionalismo contemporâneo e dirigente, do constitucionalismo regional e do constitucionalismo internacional e privado, não são, em caráter exclusivo, típicos das plagas brasileiras.

Ora, se essa observação é pertinente para os países do capitalismo central, quanto mais para o Brasil, integrante dos países em desenvolvimento, ainda que emergente, cujo crescimento econômico não repercute, na proporção adequada, desenvolvimento, entendido como bem-estar e liberdades substantivas (SEN, 2000).

Nesse contexto, tem-se apenas corroborado a ineficiência dos direitos fundamentais e, principalmente, dos direitos sociais, encerrando uma dramaticidade trágica se cotejados com as necessidades sentidas no plano da realidade e desvelando.

Daí a séria constatação de que “[...] a face sombria do Estado de direito”, que deixa “[...]‘ao Deus dará’ a condição daqueles que não têm os meios de assegurar a existência pela propriedade”, segundo as lições de Castel (2005, p. 21)203, ainda persistente naqueles países que não conseguiram implantar institucional e politicamente o Estado Social.

A análise da realidade mundial e brasileira permite concluir que medidas e ações estatais consubstanciadas em políticas públicas e em serviços públicos destinados a mitigar a questão social, em suas novas feições, ou a superá-la, não têm sido suficientes e, ao que parece, aquém do possível. Registre-se, todavia, que não se pretende, pelos contornos e limites do presente estudo, esgotar a análise da realidade social que perpassa globalmente as comunidades políticas e o Brasil ou mesmo as adentrar profundamente em suas principais causas e consequências.

O problema da questão social concerne à dependência do indivíduo as suas necessidades existenciais que, não logrando satisfação adequada, sujeitam-no à exploração pelas vias da economia de mercado, constrangendo a sua liberdade.

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Os efeitos da pobreza e da exclusão social que ela enseja, conduzindo à expropriação da condição humana, manifestam-se inclusive nos risco de quebra do ligame social formado em derredor da solidariedade, fundada no compartilhamento tanto de demandas e valores, como de anseios e utopias comuns.

O risco é da própria subsistência da comunidade, podendo ocasionar o seu perecimento em favor de um individualismo que relegue cada um a si mesmo. Em tal situação, a política estaria fadada a desaparecer, perdendo o seu sentido primitivo e significativo de liberdade. Liberdade em comunidade. Sendo suprimida pelo poder econômico que se apropria das instituições políticas.

Como assevera Castel (1998, p. 30), a questão social teria sido abordada pela primeira vez pelo jornal francês Le Quotidienne, em 1830, decorrendo de uma “[...] tomada de consciência das condições de existência das populações que são, ao mesmo tempo, os agentes e as vítimas da revolução industrial. É a questão do pauperismo.”

Por sua vez, Engels (2008, p. 106) compara a condição existencial de um escravo com a de um proletário, obtemperando que “[...] o escravo pode ter uma existência melhor que a do proletário, mas o proletário pertence a uma etapa superior de desenvolvimento da sociedade e ocupa também, ele mesmo, uma posição superior à do escravo”.

A questão social, segundo Jacques Commaille (1997, p. 13-14) é estrutural ao capitalismo, e não apenas acidental, sendo caracterizada como “[...] uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma da sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura” (CASTEL, 1998, p. 30).

Ao que se percebe, a questão social acomete o homem em sua existência social, imerso na comunidade, como a própria comunidade em si mesmo, em razão do que se percebe que as dificuldades que ela acarreta não se limitam ao pauperismo e ao desemprego. Atinge a toda a comunidade, inviabilizando o exercício pleno da liberdade, o que se dá tanto por parte dos que se encontram excluídos, como dos que, embora incluídos, sofrem com os seus efeitos sobre o trabalho e o salário (PIMENTEL, 2007, p. 147).

As consequências da questão social são responsáveis por expropriar a condição humana do indivíduo, que passa a governar-se premido pelas necessidades mais atávicas, que não consegue satisfazer nem por si, nem pela via da comunidade. O pertencimento à comunidade passa a significar pouco, se ela própria não visa a assegurar não apenas a sobrevivência, não somente o mínimo, mas efetivas condições de superar a desassistência em que se encontra. O indivíduo fica sujeito ao mercado, operando-se a mercantilização das suas condições existenciais.

Ademais, os problemas resultantes da pobreza e da inexistência das condições de emancipação social são graves também por não existirem critérios adequados para sua mensuração.

Como salientando por Fitoussi, Sen e Stiglitz (2009), a indicação do crescimento econômico mediante o Produto Interno Bruto não é fator adequado para mensurar o nível de desenvolvimento de um país e, muito menos, da existência de qualidade de vida para os seus membros.

Para tanto, é preciso identificar, inicialmente, a pobreza para que seja possível promover as condições de sua mitigação ou superação mediante políticas públicas que desenvolvam e expandam os níveis de prestação dos direitos fundamentais de forma contínua, persistente e progressiva, no contínuo alcance do referencial da satisfação suficiente.

William Felice (2010, p. 4-6) questiona os critérios adotados pelo Banco Mundial para aferir a pobreza, sendo considerada como a incapacidade de alcançar o mínimo padrão de vida, fixando que a extrema pobreza abaixo da renda de U$1,00 por dia. Em 2008 o próprio Banco Mundial reconheceu que a sua metodologia era imprecisa e inadequada e, curiosamente, aumento a linha de extrema pobreza para abaixo de U$1,25 por dia. No seu relatório de 2005, 1,4 bilhões de pessoas, ¼ da população dos países em desenvolvimento, estaria vivendo abaixo do aludido patamar, enquanto 3,1 bilhões estaria com renda diária inferior a U$2,5. Ainda assim, esse critério é inadequado, pois o custo de vida é variável de país para país, de modo que, mesmo havendo uma redução do número de pessoas com renda inferior a U$1,25 em se comparando com dados de 1981, tal constatação não é indicativa da redução da pobreza.

De qualquer forma, como constata Hammil (2010), o conceito de pobreza é difícil por envolver perspectivas de várias disciplinas das ciências sociais, como a análise das estruturas sociais.

Amartya Sen (1996b, p. 69) considera a pobreza como situação em que não se tem o exercício dos níveis de capacidades básicas minimamente aceitáveis, criticando a adoção da fixação de um critério relativo à linha de pobreza.

Com efeito, Diane Roman (2002, p. 412) busca identificar o conceito jurídico de pobreza, percebendo uma tendência de assimilar pobreza a exclusão social. Não obstante isso, entende ser descabido fundamentar a noção de pobreza como insuficiência de recursos, que levaria à prevalência de um critério exclusivamente econômico. Do mesmo modo, censura os que se valem da perspectiva sociológica para entender a pobreza como exclusão social e ausência de trabalho (ROMAN, 2002, p. 446-449).

Diante disso, sugere que seja erigido o conceito jurídico de pobreza204. Constata que a pobreza consubstancia um problema social inaceitável pela ordem jurídica, sendo um atentando à dignidade da pessoa humana, à sua existência e desenvolvimento, atentado que o direito se destina a combater. A pobreza, mais do que ausência de recursos e exclusão social, consubstancia, juridicamente, uma ausência de direitos. Assim, “A pobreza é mensurada, desta forma, pelo não-exercício de direitos essenciais, constitutivos do ligame social.”205 Reforça o seu conceito ao invocar o Relatório do Comitê Econômico e Social das Comunidades Europeias, que associa a pobreza à ausência dos direitos à moradia, a alimentação e a recursos financeiros, ou seja, à ausência de proteção social e sanitária. A pobreza seria, então, um sinônimo de não-direitos, ou de um não-exercício de direitos em tamanha amplitude que esvazia a sua substância. Daí se justifica que a resposta a tal grave problema se dê pela consagração de direitos humanos e fundamentais, pelos quais se intenta assegurar tais direitos, suprimindo o não exercício deles próprios.

Essa definição é corroborada quando assevera que a ordem jurídica utiliza outra linguagem para pobreza. Não se trata de uma linguagem econômica e nem sociológica, mas a linguagem dos direitos humanos, pois é por eles que se visa a promover o objetivo de toda e qualquer comunidade política, desde Aristóteles, passando pela Declaração de Independência americana e a Constituição francesa de 1793, expandindo-se e globalizando-se, que é a felicidade. Evidentemente, o que o direito pode garantir para que seja alcançada, pois existem elementos e componentes que não são passíveis de tutela jurídica.

As observações de Diane Roman e de Amartya Sen são importantes para evitar que se pense em qualidade de vida e desmercantilização das condições existenciais a partir de critérios exclusivamente econômicos. Como observa Jean-Paul Maréchal (2005, p. 32), é perceptível a tendência ao reducionismo de todos os problemas sociais a questões meramente econômicas e financeiras.

Há o reducionismo do ser humano ao homo oeconomicus, o que obnubila as possibilidades e capacidades das organizações internacionais, dos atores não-estatais e dos próprios Estados de enfrentarem as situações de desigualdades, exclusão social e pobreza extrema e, com elas, os seus efeitos, notadamente porque “[...] nunca o mundo foi tão rico,

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Embora se adira ao conceito jurídico de pobreza sugerido por Diane Roman, tal adesão não equivale e negar o caráter multidimensional da pobreza e nem a transdisciplinaridade da sua compreensão, que também não é a proposta da autora.

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Em tradução livre. No original, “La pauvrété se mesure de la sorte par la non-jouissance de droits essenciels, constitutifs de l’appartenance social. »

nunca os seres humanos estiveram tão desigualmente dotados, nunca a biosfera foi tão ameaçada” . Não obstante isso, o discurso econômico assevera que não há alternativa senão a adoção de políticas neoliberais (FELICE, 2010, p. 15).

O relatório das Nações Unidas sobre os Objetivos do Milênio de 2011 revela que, apesar da pobreza continuar a cair, mesmo com os efeitos decorrentes da crise econômica de 2008/2009, há uma distância significativa para a meta fixada para 2015, de redução de 23% da pobreza. A mortalidade infantil ainda apresenta números alarmantes, embora também tenha sido reduzida de 12,4 milhões em 1990 para 8,1 milhões em 2009, expondo, ainda, os êxitos parciais no combate à malária, à AIDS e à tuberculose. Além disso, o acesso à água potável vem sendo assegurado a um maior número de pessoas.

O relatório constata, entretanto, que os esforços têm que ser intensificados, pois os mais vulneráveis, as minorias, continuam intensamente desprotegidos, o que exige o aumento das medidas relativas à paz, equidade, igualdade e sustentabilidade.

A Comissão Econômica para América Latina e Caribe – CEPAL – (2009), analisando aspectos econômicos e sociais da América Latina em 2008, constatou que a pobreza atingia, até 2007, 34,1% de toda a população, sendo que 12,6% vivem em pobreza extrema ou em condições de indigência; ou seja, de 184 milhões de pessoas pobres, 68 milhões são indigentes. Com relação a 2006, a pobreza teria sido reduzida em 2,2% e a indigência em 0,7%206.

Esses dados, tanto em âmbito global, como regional, estendendo-se à situação brasileira, confirmam a pertinência, adaptada aos contextos atuais, da observação de Marx e Engels (2008, p. 82-83) de que, na sociedade burguesa, a propriedade burguesa leva ao fim da propriedade, pois ela não é acessível à boa parte da população e “[...] os que trabalham não ganham e os que ganha não trabalham.” A liberdade, então, não pode se reduzir apenas ao livre comércio e à liberdade de compra e venda, pois não passam de elementos retóricos na medida em que não podem ser exercidas.

Por sua vez, o relatório do Human Rightes Watch (2010, p. 202) relativo aos eventos e dados de 2009, no que se refere ao Brasil, registra que o país consolidou a sua posição como um dos mais importantes e influentes no âmbito regional e global, mas continua enfrentando problemas graves que desafiam os direitos humanos, como os altos índices de

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Para a análise de outros dados sociais relativos à América Latina, recomenda-se CEPAL (2009), que mostra quão grande é o desafio de uma dimensão social e regional que proporcione o direito ao máximo existencial, pela convergência entre os direitos fundamentais das constituições dos seus países e a tutela reconhecida em caráter supranacional.

crimes violentos, práticas de tortura policial, prisões em condições desumanas, trabalho forçado e violência contra as populações indígenas e contra os sem-terra. Dentre os problemas mencionados, sobressai a dimensão social de todos eles, ainda que indiretamente. Apenas o trabalho forçado e a violência contra povos indígenas e contra os sem-terra é que podem ser imediatamente reconduzidos aos direitos sociais.

A situação de pobreza produz efeitos graves e intensos, dentre os quais se destaca a fome. Josué de Castro (2007, p. 284) já observava, em obra clássica, que não é possível o desenvolvimento com um povo faminto, que não disponha de um mínimo de alimentação.207 O mínimo, a despeito de assegurar a sobrevivência, não seria suficiente, ainda assim, como vem posteriormente a destacar (CASTRO, 2007, p. 290).

Nesse sentido, se a questão social nos países do capitalismo central é preocupante, ainda mais grave e desafiadora é em Estados como o brasileiro, em que consta com a inércia e complacência histórica dos governantes, como diagnosticado por Josué de Castro (2007, p. 267) ao reconhecer que o desajuste econômico e social foi “[...] consequência da inaptidão do Estado Político para servir de poder equilibrante entre os interesses privados e o interesse coletivo”.

A fome é a consequência mais degradante da questão social, que vem a repercutir na constituição de uma situação de pobreza que aparece como um repuxo que ameaça toda a coletividade. A pobreza, embora não se tenha originado da questão social (SCHWARTZMAN,

2004, p. 57-58), é potencializada pelos efeitos desestabilizadores e excludentes do abuso do poder econômico.

Victor Vicent Valla (2005, p. 42) registra que, conforme dados da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), em 2002 cerca de metade da população da América Latina vive na pobreza e que 1/5 dessa população era de indigentes.

Os dados da situação socioeconômica brasileira não negam a insuficiência da ação estatal e o distanciamento dos direitos fundamentais para com a realidade. São deficiências que comprometem não apenas as condições existenciais, mas até mesmo as liberdades que, aprioristicamente, conforme a teoria liberal-individualista, não dependem das ações e das políticas públicas.

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De forma sintética ao seu levantamento, assertoa que “A alimentação do brasileiro se mostra assim imprópria em toda a extensão do território nacional, apresentando-se em regra insuficiente, incompleta, desarmônica, arrastando o país a um regime habitual de fome – seja de forme epidêmica, como na área do sertão, exposta às secas periódicas, a do Nordeste açucareiro e da monocultura do cacau, exposta às secas periódicas, seja epidêmica, como na área do sertão, exposta às secas periódicas, seja de subnutrição crônica, de carências mais discretas como nas áreas do Centro e Sul” (CASTRO, 2007, p. 290).

Segundo Pochmann (2005, p. 52), há uma diversidade d fatores que levam à má distribuição de renda, ampliando a pobreza e a exclusão social e deixando a sua própria sorte os que não gozam de trabalho, reputando que a dispersão de objetivos, o clientelismo, o paternalismo, o favorecimento aos ricos, “[...] podem continuar a obstaculizar a perspectiva necessária da emancipação social e econômica da população de baixa renda (POCHMANN, 2005, p. 62)”.

A pobreza, o desemprego, a concentração de renda, a fome, dentre outros fatores, são representativos do distanciamento entre os direitos fundamentais, notadamente os direitos sociais, e a realidade social. São uma demonstração de que o projeto traçado de forma vinculante pela Constituição Federal de constituir socioeconomicamente o seu Estado Democrático de Direito ainda não se efetivou. O problema se estende à saúde, educação, moradia e segurança social.

Vislumbra-se, pois, do quadro exposto que o Estado brasileiro longe está de propiciar o mínimo vital, embora esse seja, no mais das vezes, o âmbito que a jurisdição

No documento Direito Fundamental ao Máximo Existencial (páginas 156-166)