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2 Introdução

3.3 A interacção pedagógica da Cartilha Maternal

Será interessante começar por compreender a diferença entre Método de Leitura João de Deus e a Cartilha Maternal de João de Deus. Serão duas coisas distintas? Ou uma complementa a outra de forma a formarem uma simbiose tal que as confundamos e os espíritos mais incautos pensem que a Cartilha é o Método?

Podemos dizer que a Cartilha é o suporte físico do Método e que uma coisa não existe sem a outra, sendo que podem fisicamente estar separadas, mas quem não compreender o Método dificilmente fará bom uso da Cartilha! Mas João de Deus criou o seu Método e deu-lhe corpo através das páginas do livro a que chamou Cartilha Maternal ou Arte de Leitura. Ramos (1901) define assim o método criado por seu pai “

…mas muita gente ilustre que julga a Cartilha Maternal um simples processo de ensinar a ler, que por ser simples é óptimo, o que é uma ideia vaga, envolvendo um complexíssimo estudo e uma gloria nacional de maxima utilidade.” Cada lição está impregnada de informação para o professor e a partir das palavras escolhidas para cada lição é possível ensinar a ler, desde que o professor domine toda a informação, que nada mais é do que o domínio da estrutura da língua portuguesa. Sim-Sim (2001) refere também que o professor deve ter uma sólida compreensão dos conceitos que subjazem ao desenvolvimento de competências como são a leitura e a expressão escrita. Desta forma o método é complexo e requer do professor, mais do que do aluno, um conhecimento profundo da língua. E a Cartilha suporta em si as palavras com a sequência, o rigor e a estrutura que o seu autor lhe imprimiu de forma a poder, em cada palavra escolhida, transmitir os conhecimentos linguísticos que levarão o aluno a adquirir a competência da leitura através de um raciocínio lógico que o leva quase em simultâneo do processo de descodificação (estratégia do tipo Bottom-up) para o processo de compreensão (estratégia do tipo Top-down) numa sinergia só possível graças às palavras, qual pedra angular, colocadas sabiamente em cada lição de modo a

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permitir a relação interactiva do leitor com o texto. Então para os conhecedores da metodologia dizer Cartilha ou Método subentende a Arte de Ler!

Não podemos deixar de referir o aspecto da Cartilha em sala de aula. Ela não é só Método, ela é efectivamente um suporte físico visível e em tamanho grande. (Figura 4). Para Viana (2001, p:53) “A utilização do livro grande, cuja leitura facilita o apontar

com o dedo, permite que a criança facilmente se dê conta da direccionalidade da escrita e da leitura.”

Figura 4 - A Cartilha na sala de aula

(Acervo da Escola Superior de Educação João de Deus)

É a este suporte de apoio ao Método que as crianças se dirigem diariamente e em diálogo vivo com a educadora aprendem a sua lição. Lição curta e diária que a criança vivencia em pequenos grupos e num espaço de tempo reduzido mas o suficiente para a aprendizagem da regra, da letra, do som que lhe permite ir crescendo em conhecimento, que associado a outros anteriores a fazem consolidar a aprendizagem da lição.

Sabemos que não se aprende a ler e a escrever espontaneamente. Segundo Curto, et al. (2000), “ Ninguém o faz sem que lhe seja ensinado intencional e

explicitamente” (…) Ensinar a ler e a escrever é a tarefa da escola” (p.64). Nos Jardins Escolas as educadoras desenvolvem as competências linguísticas das crianças porque estão sensibilizadas para a importância da linguagem no desenvolvimento humano, seja nos seus aspectos mais globais – vocabulário, organização do discurso,

Um Novo Olhar Sobre o Método de Leitura João de Deus

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desenvolvimento da motivação para a leitura, etc. – seja nos seus aspectos específicos – sensibilidade fonológica, análise e síntese fonológica, rima e ataque, etc (Lopes 2006). Ainda sobre o uso do livro grande na sala de aula Viana (2002, p. 118) diz: “ O

uso de um livro grande (…), é uma estratégia que encontra eco nas actuais propostas para o desenvolvimento da literacia.”

Spodek e Saracho (1994, p: 135) dizem mais sobre este suporte de leitura: “…ler, em voz alta, um livro grande é uma experiência semelhante à de estar sentado

à frente numa sala de cinema. (…) Os livros grandes podem fazer com que a criança desempenhe um papel mais activo na aprendizagem… desenvolve o conceito de leitura e habilidades pró-leitoras, tal como a progressão esquerda-direita, ajuda a compreensão das convenções e das técnicas do impresso, dá à criança o sentido de ‘linguagem escrita’, desenvolve a discriminação visual e o reconhecimento de letras e palavras…” Encontramos aqui mais uma potencialidade do Método ainda não igualada por nenhum outro.

O ensino formal da leitura nos Jardim de Infância dá às educadoras João de Deus um forte sentido de responsabilidade e um compromisso assumido com a Instituição e com a sociedade. Elas têm um conhecimento profundo da língua enquanto veículo essencial da comunicação e sabem como, nestas idades, isso é um contributo importante na socialização da criança. Lopes (2006) explicita as razões pelas quais considera que “a linguagem deve ser encarada como área fundamental a desenvolver

no jardim-de-infância: em primeiro lugar, porque ela não só não é incompatível nem retira importância, como apoia, suporta e optimiza todas as outras áreas de desenvolvimento. Em segundo lugar, porque a linguagem constitui o mais poderoso instrumento que a espécie humana possui para dominar o seu meio ambiente. Em terceiro lugar, porque se a linguagem está fortemente dependente do desenvolvimento cognitivo, este, por sua vez, não pode processar-se além de determinado nível de ausência de linguagem ou em situações em que o seu desenvolvimento é rudimentar. Em quarto lugar, porque a socialização é no essencial veiculada pela linguagem, quer nos seus aspectos expressivos (de afecto, simpatia, amizade, etc.) quer nos seus aspectos receptivos (capacidade de perceber, aceitar e de se colocar no papel do outro, capacidade de representar simbolicamente os afectos, as relações, etc.), não podemos prescindir dela nem evoluir significativamente na sua ausência. Em quinto lugar (podendo ainda enumerar outros), porque a linguagem oral permite, se

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suficientemente desenvolvida, o acesso à linguagem escrita e esta, por seu turno, permite o acesso ao virtualmente inesgotável mundo dos livros e da informação escrita”. Acreditamos que uma estimulação atempada, como é feita nos Jardins Escolas faz todo o sentido, como foi largamente justificado ao longo deste estudo, pelas palavras das mais variados investigadores. O ensino formal da leitura e da escrita compete às professoras do 1º ciclo, mas quão importante é que as crianças que frequentam o Jardim de Infância levem conhecimentos e aprendizagens ao nível da leitura e da escrita de forma a não comprometer o seu sucesso escolar.