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Sabemos da correlação existente entre o nível de literacia (individual ou em grupo) e o sucesso pessoal (académico e profissional) e colectivo. Esta relação está bem documentada em vários estudos nacionais e internacionais, nomeadamente no PISA. E essa é a razão pela qual a taxa de analfabetismo é usada como indicador de desenvolvimento de um país.

Podemos começar por definir o termo literacia segundo o Programme for

Internacional Student Assessment (PISA) que refere: “Literacia é a capacidade de

cada indivíduo compreender, usar e reflectir sobre os textos escritos, de modo a atingir os seus objectivos, a desenvolver os seus próprios conhecimentos e potencialidades e a participar activamente na sociedade”. Desta forma surge uma concepção de homem de natureza dinâmica e contínua, inscrevendo-se no conceito de ser culto, inacabado, em constante construção. Literacia pode ser também definida como sendo “a capacidade de utilizar diferentes formas de material escrito, com um

nível de eficiência que permita a resolução de problemas do quotidiano e possibilite o desenvolvimento do conhecimento pessoal e das potencialidades do indivíduo”. (Sim- Sim, 1995)

Nos países desenvolvidos assiste-se por outro lado a «uma subida dum iletrismo de que a nossa sociedade se julgava protegida» (Bentolila, 1991, citada por Morais, 1997:17). Referimo-nos ao iletrismo funcional, isto é a incapacidade real de ler e de escrever as informações necessárias para o trabalho e para a vida do cidadão, apesar da passagem pela escola, até mesmo apesar da obtenção de diplomas. Ainda segundo estes autores, as diferenças de estatuto económico implicam geralmente assimetrias nas possibilidades económicas que permitem ou não o acesso a materiais culturais e a tempos de lazer, reflectindo-se nas diferentes capacidades de ler.

O conceito de literacia, adoptado de termo inglês literacy pode ainda definir-se como um continuum que envolve desde capacidades mínimas de ler e de escrever até uma leitura e escrita que requerem altas capacidades cognitivas (Scott-Jones (1991),Villas-Boas (2001).

Um Novo Olhar Sobre o Método de Leitura João de Deus

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Para Ferreiro (1984), o desenvolvimento da literacia ocorre num ambiente social porque é, precisamente, esse ambiente que vai fornecer à criança as informações que, depois, ela vai transformar e não apenas receber passivamente. De acordo com a noção de construção do conhecimento de Vygotsky (1977), esta aprendizagem informal que começa à nascença, é um processo de interiorizar relações. Deste modo, falar de literacia é falar de uma actividade de interacção social que depende do contexto social.

Deste modo, a competência literácita é o resultado de um processo de desenvolvimento e aprendizagem que ocorre desde a primeira infância, muito antes do início formal da aprendizagem da leitura e da escrita. Ela decorre da experiência e aprendizagem que a criança realiza em torno do impresso e dos livros, em situações de observação de actos literácitos (ler e escrever...), da experiência em torno da leitura e da escrita e do ensino que lhe é proporcionado neste âmbito.

Esta questão sempre fez parte das preocupações das sociedades modernas. A realização, em 1959, de um estudo científico, feito em grande escala nos Estados Unidos sobre a eficácia dos programas de leitura no primeiro ano da escola primária, é bem prova disso. Os resultados desse estudo foram publicados em 1967, por Jeanne Chall, cujo relatório se tornou numa obra de referência: Learning to Read: The Great

Debate.

Também em 1990, Marilyn Adams, uma psicóloga cognitivista de Cambridge (Massachusetts), publicou a obra Beginning to Read: Thinking and Learning about

Print, que constitui um documento de extrema importância. Segundo Morais (1997, p:25) ela é relevante no sentido de que «se baseia numa análise muito rica e recheada de trabalhos de psicologia cognitiva relativa tanto ao leitor adulto hábil como ao leitor aprendiz».

Concluindo, a literacia surge de fora para dentro, em resultado dos estímulos sociais que a criança recebe e que pode ser mais ou menos estruturado e apoiado. A teoria da interacção social de Vygotsky aplica-se ao desenvolvimento da literacia uma vez que toda a informação sobre o escrito que a criança recebe do exterior tem uma importância fundamental, e que quanto mais experiências literácitas tiver a criança, melhor será a sua integração social e cultural e a sua capacidade de intervenção na vida activa, pois como diz João de Deus (1876) “Saber ler é uma via para a liberdade dos

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O conceito de alfabetização é, muitas vezes, confundido com o de literacia. Esta confusão advém do facto de ambos os conceitos repousarem na linguagem escrita. A alfabetização é designada como um conceito relativo a aprender a descodificar a linguagem escrita. Assim, distingue-se um alfabetizado como alguém que aprendeu e sabe ler e escrever e um analfabeto como aquele que não sabe ler nem escrever.

Alfabetização refere um conhecimento obtido, estável, enquanto literacia designa um conhecimento processual em aberto.

O termo alfabetização, a que foi acrescentado o termo funcional, tentava medir a capacidade de utilização em contextos formais e informais das aprendizagens obtidas na escola. O termo literacia vem do termo alfabetização funcional, actualmente utilizado em Portugal.

Os factores da iliteracia são vários, sendo que os antecedentes familiares da população são um factor importantíssimo a considerar. A grande escassez de recursos escolares existente nos quadros de socialização familiar da esmagadora maioria da população, a ausência de certificados escolares e os contextos domésticos empobrecidos em livros e outros materiais escritos, muito contribuíram para as taxas elevadas de iliteracia verificadas em Portugal.

O acto de aprender a ler não pode continuar a ser encarado como o produto da alfabetização do indivíduo. A alfabetização põe a tónica no ensino e na apreensão dessa capacidade, que é certificada academicamente no contexto escolar. O que se pretende é que o indivíduo adquira a competência da leitura e dela faça uso no seu quotidiano. Este novo conceito – literacia - olha para além da escola, incorporando-se e centrando-se na utilização eficaz da leitura, da escrita e do cálculo na vida quotidiana do indivíduo, e para a sua necessidade de reconhecimento social (Mata, 2006).