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“Falar é comunicar, e comunicar é interagir” Kerbat-Orecchioni (1995 T.1)

1 - Enquadramento

Partindo do princípio de que um acto de fala implica alocução, isto é, a existência de um destinatário/receptor/interlocutor distinto do locutor, a interacção verbal define-se como um processo que permite à realização de enunciados que são ao mesmo tempo factor e produto de um conjunto de instâncias: os sujeitos, o espaço, o tempo, o universo de referência e o discurso anterior. Trata-se, pois, de uma troca comunicativa que supõe a existência de dois ou mais locutores que falam alternadamente (referência às permutas/tomadas de palavra), que estão empenhados na troca e que produzem sinais deste empenho mútuo mediante vários procedimentos (tomadas de palavra, elementos reguladores, gestão dos comportamentos mimo- gestuais, sincronização interaccional), contribuindo para uma “harmonia” conversacional. Neste processo comunicativo, há a fase de codificação em que o emissor/locutor emite um discurso que às vezes prevê, explicitamente a reacção do destinatário/receptor ou implicitamente dá conta da imagem que ele criou do seu destinatário e das competências que lhe atribui. A descodificação resultante da codificação confirma o sentido de sincronização e de complementaridade entre os actuantes. E, nesse contexto, qualquer discurso é, no dizer de Kerbat-Orecchioni (1995 T.1: 13), uma construção colectiva ou uma realização interactiva em que “ l’exercice de la parole loin d’être une forme d’ “expression de la pensée”, est une pratique collective où les différents participants mettent en œuvre un ensemble de procédés leur permettant d’assurer conjointement la gestion du discours produit.”

No quadro da teorização do “princípio da cooperação comunicativa” formulado por Grice (1975: 45), o receptor/interlocutor participa directa ou indirectamente na construção do discurso do emissor/locutor mediante reguladores, aspectos paralinguísticos, não linguísticos, etc. Esta cumplicidade leva o processo interactivo a ter uma dimensão afectiva traduzida pela empatia, confiança recíproca e aceitação mútua dos actuantes. Kerbat-Orechioni (1995: 28) precisa que “la parole est moitié à celui qui parle, moitié à celui qui l’écoute” (a fala é metade a quem fala, metade a quem a ouve).

Além de não ser uma actividade passiva, a interacção constitui também um lugar de confrontos de ideias mas sobretudo de personalidades. Estas reflectem-se pela tomada de palavra que segundo Kerbat-Orecchioni (1992 T.II), é um “acto de poder”. Este “poder” manifesta-se pelo tempo de fala “ (…) celui qui parle le plus, et le plus longtemps (le plus «gros parleur») a de

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grandes chances de s’assurer par là même la maîtrise de la conversation (…)” (1992: 85), pelo controlo do TU pelo discurso do EU e pela manipulação exercida por um dos locutores. Assim, na sequência estruturada de actos de fala, dizer é fazer, mas também mandar fazer. Por seu lado, J.C. Beacco (1993) sublinha as regras de interacção que dependem das comunidades de fala. Há categorias de permutas que não são universais, tal como não o são os rituais interactivos.

O padrão de interacção subjacente à relação pedagógica professor/aluno é identificado por Paul Watzlawick, Beavin e Jackson (1988: 63), investigadores do Instituto de Pesquisa Mental de Palo Alto, com o padrão de interacção complementar que é descrito por oposição ao padrão de interacção simétrica, nos seguintes termos: “No (…) caso (em que) os parceiros tendem a reflectir o comportamento um do outro (…) a sua interacção pode chamar-se simétrica. (…). No (…) caso (em que) o comportamento de um parceiro complementa o do outro, (…) dá-se lhe o nome de complementar. Existem duas posições diferentes numa relação complementar. Um parceiro ocupa o que tem sido diversamente descrito como a posição superior, primária ou “de cima” e o outro a correspondente posição inferior, secundária ou “de baixo”. (…) Uma relação complementar pode ser estabelecida pelo contexto social ou cultural (como no caso de mãe e filho, médico e paciente, professor e aluno) (…). Num ou noutro caso, é importante enfatizar a natureza conjugada da relação, em que comportamentos dissemelhantes mas ajustados se provocam mutuamente. Um parceiro não impõe uma relação complementar a outro mas, antes, comporta-se de maneira que pressupõe o comportamento do outro, enquanto, ao mesmo tempo, fornece razões para tal comportamento: as respectivas definições de relação encaixam- se.”

Sendo uma das formas de realização do discurso da aula, a interacção é, nas palavras de Castro, Vieira e Sousa (1991: 343), um “processo comunicativo realizado verbalmente, normalmente sob forma oral, envolvendo sujeitos com papéis distintos que produzem enunciados com valor discursivo estratégico, os quais recriam um conjunto de valores físicos e simbólicos cuja relevância é estabelecida, para o contexto da aula, quer externa, quer internamente.” À luz desta afirmação, a interacção caracteriza-se por uma actividade complexa que mobiliza pessoas (com todas suas características cognitivas, sociais, psicológicas…) desempenhando vários papéis e utilizando meios de comunicação verbal e não verbal permitindo a confirmação de estatutos sociais e a recriação de valores físicos. Durante este processo,

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produzem-se enunciados considerados discurso. O que é um discurso? Tal interrogação leva-nos a seguir a revisitar vários autores que debruçaram sobre a definição deste conceito.

Discurso

A Breve Gramática do Português Contemporâneo de Cunha & Lindley Cintra (1998: 1) define o discurso como sendo a língua no acto de execução individual. Esta definição não é unânime nos linguistas. Enquanto alguns linguistas consideram o discurso como o uso linguístico, outros resumem-no como o momento do uso linguístico. Esta divergência entre autores estabelece (várias) dicotomias conceptuais (discurso e língua, discurso e fala, discurso e texto, e discurso e enunciação) que merecem, por isso, algum espaço de reflexão sobre a linguística do discurso. Esta pode ser, assim, considerada como uma tentativa de ruptura de duas barreiras: a que impede a passagem da frase ao discurso e a que separava a língua da fala, ou melhor, dos factores sócio-históricos que a envolvem.

A linguística saussureana efectua na sua teorização uma separação entre língua e discurso. Para Saussure (1991), a língua é um sistema de signos e de regras, tesouro colectivo depositado em cada cérebro, conjunto de convenções próprias a todos os locutores de um mesmo idioma, código único e homogéneo permitindo-lhes comunicar. Esta ideia de homogeneidade de código de um grupo social foi reforçada em Curso de Linguística Geral onde Saussure (1991) destaca a natureza social da língua que é partilhada por uma comunidade que admite as suas convenções mas que, pouco a pouco, as modifica; daí o seu carácter evolutivo. A existência da língua como uma soma de sinais depositados em cada cérebro partilhados na colectividade é defendida por Genouvrier & Peytard (1974) para quem a Língua é um material linguístico, próprio de uma comunidade, organizado segundo leis próprias que regem as realizações do discurso; para dizer que o discurso reflecte as leis. Parent (1975: 45) apoia esta ideia ao assemelhar a língua a uma reserva de formas lexicais e gramaticais, onde domina uma organização estruturada e sistemática; é uma realidade psíquica. Para ele, “saber uma língua”, é ter ao seu dispor, na sua memória, pronto a aparecer no caso de necessidade, um conjunto de formas em número suficiente, e os meios de se servir delas ao ligá-las. Assim, a Fala é vista como a utilização, no instante, de uma parte deste conjunto, desta reserva; é pôr em prática um certo número desses elementos, é o respeito das regras que presidem às suas relações, na construção dos sintagmas, depois das frases, dos parágrafos que formam um conjunto de frases. Por outro lado, de acordo com Genouvrier & Peytard (1974), Saussure define a língua como independente, mas na realidade, assinala que ela é ao mesmo tempo produto social e realização individual. Sendo

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instrumento de comunicação, ela não pode existir sem essa independência em relação ao indivíduo. A fala saussureana é a realização por parte do indivíduo das possibilidades que lhe são oferecidas pela língua. Nesta oferta, encontram-se os problemas de linguagem (formação, audição, patologia da linguagem, etc.) cuja língua é independente deles. Se Saussure (1991) afirma que “a língua existe na colectividade sob forma de uma soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos”, a língua, definida na sua independência, é um modelo abstracto que ninguém domina totalmente, e que cada um de nós usa, para a comunicação quotidiana, uma parte mais ou menos considerável do léxico da sua língua materna, que só existe nos dicionários. Assim, sendo objecto da linguística propriamente dita, ela é diferente do discurso que é um acto individual e está sujeito a factores externos, muitos deles não linguísticos e, portanto, não passíveis de análise.

Em Maingueneau (1976: 5), a dimensão (realidade) social que a língua representa é sublinhada. Não estando em função do sujeito falante, a língua é um produto (dicionário), sistemático e contingente que o indivíduo grava passivamente, nunca supõe premeditação. Por sua vez, Barros (1988) afirma que a Linguística saussureana toma a língua como seu objecto, quase sempre sem ultrapassar a dimensão da frase. Uma linguística do texto ou do discurso tornou-se necessária quando se desperta o interesse pelo texto como um todo, mais do que a simples soma de frases. Ao citar Saussure (1969), a autora considera que língua e fala, linguístico e extra-linguístico, fizeram da linguística a ciência da língua – “social, essencial, tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade (Saussure, 1969:21)” – relegando para o extra-linguístico a fala – “acessória e mais ou menos acidental, acto individual de vontade e inteligência (Saussure, 1969:22)” – as suas relações com a “etimologia”, com a “história política”, com “instituições de toda espécie, a Igreja, a escola, etc. (Saussure, 1969: 29)” (Barros, 1988:2).

Guespin (1971:23) considera que um olhar lançado a um texto do ponto de vista da sua estruturação em língua faz dele um enunciado e que o estudo das suas condições de produção o torna um discurso. (enunciado = texto estruturado em língua; discurso = condições de produção de um enunciado). No pensamento deste autor, o discurso é o resultado de um processo em que intervêm elementos constituintes para sua consecução. Esses elementos referem-se ao texto estruturado, à língua, ao enunciado e às condições de produção.

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Sendo fundamental na realização de um discurso, a enunciação é no dizer de Greimas & Courtés (s.d.) a instância de mediação que produz o discurso, ou seja, que realiza a passagem das estruturas semióticas narrativas às estruturas discursivas. Ducrot (1980), por seu lado, reforça esta ideia ao definir a enunciação pelo duplo papel de mediação ao converter as estruturas narrativas em estruturas discursivas e ao relacionar o texto com as condições sócio- históricas da sua produção e da sua recepção. Assim, ao distinguir o texto, abstracto, do discurso, realizado, o autor defende que cabe à enunciação transformar o texto em discurso e por ele se responsabilizar.

Barros (1988:5) considera que, por meio da enunciação, se faz: uma abordagem interna do texto que é um reconhecimento dos mecanismos e regras de engendramento do discurso; uma análise externa do contexto sócio-histórico, em que o texto se insere e de que, em última instância, cobra sentido.

Partindo dessas considerações, entende-se então por discurso “um dos patamares do percurso de geração de sentidos de um texto, o lugar onde se manifesta o sujeito da enunciação e onde se pode recuperar as relações entre o texto e o contacto sócio-histórico que o produziu” (Gregolin 1995:17). Em outras palavras, o discurso define-se como o processo de realização de todo um conjunto que implica um sistema de expressão potencial (língua), um contexto sócio- histórico e um emissor.

Ao inscrever-se nesta perspectiva, Maingueneau (1976:7) lembra que é bom estabelecer um denominador comum às várias definições do termo discurso, bastante polissémico e muito usado em textos sobre a linguagem. Ele começa por definir a Língua, como sendo um conjunto de palavras dotadas de um sentido fixo e transparente (repertório de sinais combinados sistematicamente); realidade social, produto (dicionário), sistemático, contingente. A fala é, pelo contrário, um acto individual de vontade e de inteligência. Assim, a língua é uma realidade social e a fala uma realidade individual. Ao separar a língua da fala, separa-se ao mesmo tempo o que é social do que é individual; o que é essencial do que é acessório e mais ou menos acidental. Neste sentido, Ducrot (2003:4) vê na Língua um modo de vida social que se confunde com a existência quotidiana pelo que é um jogo com as suas regras. Assim, a língua deixa de ser considerada como um código, isto é um instrumento de comunicação da maneira saussureana. Segundo Bourdieu (1982:13), aceitar o modelo saussureano e os seus pressupostos é tratar o mundo social como um universo de trocas simbólicas e reduzir a acção num acto de comunicação que, como a palavra saussureana, é destinada a ser decifrada mediante um cifra

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ou um código, língua ou cultura. Por conseguinte, vários papéis existem no acto de fala (língua) que o locutor pode desempenhar ou impor ao interlocutor. É o exemplo do uso do “eu” condicionando o do “tu”, que constitui uma aprendizagem e um exercício permanente de reciprocidade, que Benveniste, citado em Ducrot (2003:3), resume na presença da intersubjectividade.

Benveniste (1966:253-266) caracteriza o discurso pelas relações que se estabelecem entre indicadores de pessoa, tempo, espaço do enunciado e a instância da sua enunciação. Assim, é no discurso que a língua, sistema social, é assumida por uma instância individual, sem, porém, se dispersar em infinitas falas particulares. Segundo ele, coexistem no discurso o sistema da língua e as marcas da opção individual da sua realização que, muito apropriadamente, denominou subjectividade na língua. Esta marca de subjectividade foi relatada em Courtés (1991:10-11) que se refere à oposição entre língua e fala (F. de Saussure) e entre língua e discurso (E. Benveniste) para definir a língua e a fala ou discurso. Para ele, a língua é um conjunto de regras de organização subjacentes à língua natural que se identifica pura e simplesmente com as estruturas imanentes como postulam, tão unanimemente, as ciências da linguagem, enquanto a fala ou discurso é uma elaboração/produção concreta do sistema linguístico, quando este está a cargo, assumido, até transformado, pelo locutor, no seu acto de fala.

Assim, ao considerar os caracteres que permitem opor língua e fala, entende-se que a frase não depende da língua mas da fala, lugar da actividade e da inteligência.

Bourdieu (1982:15-16) sublinha que a gramática só define parcialmente o sentido de um discurso. Para ele, a determinação completa do significado do discurso opera-se na relação com um mercado linguístico. Ele defende que não é a “língua” que circula no mercado linguístico entendido como lugar das interacções verbais, mas, discursos estilisticamente caracterizados, ao mesmo tempo pelo lado da produção, na medida em que cada locutor se faz um “idiolecta” com a língua comum, e pelo lado da recepção, na medida em que cada receptor contribui para produzir a mensagem que ele percebe e aprecia ao importar nela tudo o que faz a sua experiência singular e colectiva. Para dizer que o discurso, além de enfrentar as influências dos actores (locutor, receptor), é também marcado pelas condições do contexto e das experiências que cada actor traz em si7

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Refere-se ao papel actualizador de um leitor de texto defendido por Eco Humberto (1983) que sublinha que um texto é constituído por espaços e pertence ao leitor/receptor preenchê-los com a sua experiência pessoal ou colectiva.

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Nesta óptica de construção colectiva, Gee (1990:142-143) realça a inclusão de regras sobre como agir, falar e escrever no discurso. Ele afirma que os discursos “são sempre modos de representar” (através de palavras, acções, valores e crenças), a pertença a um grupo social específico (pessoas que se associam com outras partilhando o mesmo tipo de interesses, objectivos e actividades). O discurso é, pois, a representação das marcas socioculturais e históricas de uma pessoa (sociedade em miniatura). Pennycook (1994) partilha esta ideia ao sublinhar que, se a língua fosse portadora de diferenças culturais, as culturas francesas, canadianas (do Quebec), belgas (da Valónia) seriam semelhantes e isso seria a mesma coisa para todas as culturas anglófonas, hispânicas ou lusófonas. Não são, pois, as palavras ou a sintaxe que são as únicas portadoras de alteridade cultural mas sobretudo os usos que se faz delas para argumentar, contar, administrar, informar, etc. É o discurso que vai marcar essas diferenças. Neste sentido, Garcia da Silva (1996:95) considera o discurso como instituição social8 e o leitor como um ser nativo, utilizando seus conhecimentos prévios e suas “ferramentas cognitivas”.

Na perspectiva de respeito pela sociedade, Zandwais (1990:11) afirma que “a realidade vem, a cada dia, nos mostrar que não temos o direito de dizer tudo o que precisamos ou queremos, em qualquer circunstância, sob pena de sermos punidos, ou ainda, marginalizados pela sociedade.” Para este efeito, Ducrot (1987:57) distingue dois conjuntos na política do uso da língua, do funcionamento da significação da linguagem verbal:

- componente linguístico, ao qual pertencem todas as palavras que carregam um semanticismo generalizado, independentes do seu contexto de ocorrência ou das situações comunicativas em que ocorrem os enunciados.

- componente retórico (discursivo), do qual fazem parte as palavras ou enunciados que, especificamente contextualizados, veiculam sentidos implícitos ao serem proferidos dentro de uma situação de interacção verbal.

De um modo geral, o discurso consiste num “processo dinâmico de produção de sentidos”, e a sua análise segundo Hoyos-Andrade (1995: 1), editor responsável da revista Alfa, só é a “explicação dos mecanismos de engendramento de tais sentidos” que ele considera como estudo da linguagem “acima da frase”. Esta reflexão conduz-nos à próxima etapa do nosso estudo dedicada à análise do discurso.

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Por Instituição Social entende-se regras, normas, valores, modos de exprimir-se: são as particularidades socioculturais de um grupo evoluindo em vários contextos

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2 - Análise do discurso

A análise do discurso tomou força na década de 1970. O seu desenvolvimento significou a passagem da Linguística da “frase” para a Linguística do “texto”. O estudo do texto passou a ocupar o lugar central nos estudos linguísticos devido à tomada pela Análise do Discurso de uma unidade maior do que a frase. Assim, de acordo com Greimas (1975), o texto é formado por uma estrutura que articula diferentes elementos e constitui um sentido coeso e coerente. Para Gregolin (1995:15-17), ele possui três níveis: fundamental, narrativo e discursivo. A maneira, o modo como esses níveis são discursivizados diferencia o texto do discurso. Assim, analisar o discurso, nas palavras deste autor, é “… tentar entender e explicar como se constrói o sentido de um texto e como esse texto se articula com a história e a sociedade que o produziu.”

Em Greimas & Courtés. (s.d.), a concepção do discurso e a sua análise centram-se em três pontos decisivos: a relação do discurso com a enunciação e com as condições de produção e de recepção; o discurso como lugar, ao mesmo tempo, do social e do individual; a articulação entre narrativa e discurso, isto é, o discurso constituído sobre estruturas narrativas que o sustentam. Analisar o discurso é pois, estar diante da questão de como ele se relaciona com a situação que o criou. Neste sentido, a análise do discurso em Maingueneau (1983:6) consiste em saber se a relação entre o sentido das frases de um texto e as suas condições sócio-históricas é algo de secundário ou é constitutivo desse mesmo sentido, independentemente da ilusão que pode ter o locutor de que a significação do seu discurso coincida com o que ele “quer dizer”. Da opinião deste autor, é preciso correlacionar o discurso com a situação que o criou, isto é, analisar a relação entre o sentido das frases de um texto e as suas condições sócio-históricas. Estas comportam os campos da língua (Linguística) e da sociedade, centro de afirmação da história e das ideologias9.

É, pois, analisar as condições de produção ao escrutinar as formações discursivas que revelam uma ideologia de uma determinada classe social. Neste sentido, Pêcheux (1990) confirma que uma sociedade possui várias formações ideológicas (“formação ideológica”) ou “condições de produção do discurso” (o que se pode e se deve dizer em determinada época, em determinada sociedade), e a cada uma delas corresponde uma “formação discursiva”. Nesta mesma ordem de ideias, com sua análise automática do discurso, Pêcheux & Fuchs (1975:11), revelam que as formações discursivas são componentes de formações, por sua vez relacionadas com condições

9Entende-se por ideologia, um conjunto de representações dominantes numa determinada classe dentro da sociedade. É a visão do mundo de determinada classe, a maneira como ela representa a ordem social (a existência de uma variedade de classes engendre várias ideologias que condicionam diversas representações da ordem social).

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de produção específicas que englobam o mecanismo de colocação dos protagonistas e do objecto do discurso e as características múltiplas de uma situação concreta. Portanto, compreender os contextos sociais do uso linguístico é esforçar-se para entender o uso da